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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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segunda-feira, março 28, 2005

Compartilho hoje com vocês de um comentário que escrevi sobre o filme A Felicidade não se Compra (Frank Capra,46) e que foi publicado pelo jornal natalense Tribuna do Norte no dia 09 de novembro de 1994.



A FELICIDADE NÃO SE COMPRA



Realizado há mais de cinqüenta anos, A Felicidade não se Compra continua a ser um desses filmes que sempre enaltece a alma humana. De um otimismo fora do comum, Frank Capra também criou um tipo de comédia social que elevou seu nome ao sucesso absoluto nas décadas de 30/40, logo em seguida à grande Depressão Americana iniciada a partir de 1929. E a fita em questão, realizada em 1946, acertou em cheio no espírito do povo dos Estados Unidos e nos anos que se seguiram depois da crise no âmbito local.
De origem siciliana, Capra emigrou para Nova York em 1903, começando como argumentista nas comédias de Oliver Hardy (o Gordo) e Stan Laurel (o Magro) e conseguindo a liberdade de criar os primeiros sucessos de sua talentosa carreira. Daí iniciou logo cedo a trabalhar e realizou algumas obras importantes, destacando-se, sobretudo, em Aconteceu naquela Noite, produção de 1934 e que ganhou os principais prêmios da época. E principiava, então, o brilhantismo do jovem e adulto promissor.
A Felicidade não se Compra não foge à regra e conta a história (em pleno Natal da capital americana), em tom de fábula/fantasia, de um homem da classe média que se vê às voltas com as adversidades do mundo, tentando construir uma maneira de se adaptar melhor às condições de vida. George Bailey está à beira do desespero e nem sempre consegue o que idealizou. E existem, claro, situações outras que deturpam (ou tentam impedir) os meios favoráveis para o mesmo ter uma existência sem dificuldades. Neste aspecto, Bailey terá a ajuda de um anjo que será seu protetor. É aí onde se configura a fantasia, quando Clarence, o chamado anjo da guarda de nosso herói, entra em cena. Literalmente.
Isso tudo porque, devido às espertezas de uns e maldades de outros, o personagem se vê em apuros, fugindo de todos e se desesperando ante as já comentadas contrariedades que se instalam no seu cotidiano. E da ingenuidade ao humor, Capra vai narrando com maestria sua fábula e mostrando os passos de George Bailey (numa boa interpretação de James Stewart) que sempre se sacrificou pelo próximo. É o que se faz perceber logo no início, quando o tal anjo é designado para salvar-lhe à vida e também guardá-lo das desgraças. E numa pitada de ironia, mostra-se também o interesse do protetor (até os anjos com suas cobiças, imagine!), pois ele está na missão de ganhar um par de asas. Tudo fará, certamente, para livrar nosso herói e inclusive convencê-lo de como a cidade seria diferente se o mesmo não existisse.
É o mundo confiante do realizador de Do Mundo nada se Leva (1938), como também a universal dimensão de seu lado irônico, fraternal, vivencial. Uma simples cena, um gesto qualquer (vide o corrimão da escada, o detalhe da mão segurando a peça solta), a ironia suprema (Bailey no bar pedindo a proteção dos céus, rezando e logo depois sendo esmurrado), são fatores característicos das imagens de Capra dentro de situações que ele criou e adaptou na sua trajetória cinematográfica. E imagens para realçar um entendimento e entretenimento nas necessidades diárias: uma mulher bonita sendo induzida ao casamento para construir com o amado um lar feliz e lindo. E as tentações da vida, de um bem-estar social melhor.
Nisso, Frank Capra mostra as façanhas de cada um: a solidariedade de alguns poucos e as ruindades de outros muitos. E a fita toma a feição e a defesa do Bem sobre o Mal, no já denunciado quadro de otimismo que permeia seu desenrolar, levando-nos a uma mistura de amor, riso e emoção.

ESPAÇO LIVRE

OPOSTOS


Surgisses na bela aurora
brilhante e amarelada
para cessar no crepúsculo
de gotas não cristalinas.

O orvalho a cair e purificar
teu rosto suave e sorridente
sob o pulsar de fagulhas
entre a vida e a morte.


Bené Chaves



quarta-feira, março 23, 2005

DÉCIMOS SEGUNDOS ALUMBRAMENTOS


Gupiara, infelizmente, começava a manter um sistema oligárquico que se afigurava desprezível. Como todo sistema de classe ou família. E, então, aquelas ditas pessoas pronta e hipocritamente mudavam os hipotéticos hábitos anteriores e passavam a arrotar seus escondidos e soberbos interesses. Inclusive detinham todas as crescentes cidades por um tempo considerável, acarretando dissabores de uma minoria inteligente e sabores de uma pequena parte interessada. Aliás, bastante empenhada em vantagens. De geração em geração. E eu, que lutei sempre para vê-la distante desses arreliosos arremedos... Apre!

Mas, voltando ao que interessa, o certo é que fui comer a tal galinha caipira e fiz as pazes com Alba. Ou melhor: ela quem fez comigo. E ficou cheia de felicidade. Meu primo teve outro programa com sua namorada, parece-me que iam ao cinema, ela adorava um filme de amor. E aproveitando a ocasião e falando nele, acredito que foi além do permitido. Isto é, nem eu mesmo sabia o que era permitido ou não. Para a nossa fase da existência a liberdade tomava conta dos possíveis impulsos. Embora soubesse das possibilidades remotas da época. Conhecendo, contudo, as habilidades dele, ficava difícil supor o contrário. Que confessasse depois seus erros. Ou acertos? Tudo era euforia no entendimento de uma desprendida e voraz rapaziada.

Assim sendo, as intempéries ou maus presságios, depois do paladar que degustei junto à minha namorada, retornavam à normalidade. Não sei, porém penso que Alba tava gostando mesmo de mim, pois lhe dei um beijinho e ela esboçou apenas um leve sorriso. Podia não entender, na época, de mulheres, como também nunca entendi, mas acho que acertei em cheio quando disse que ela iria me procurar. Sem convencimento algum de minha parte, lógico. Devia certamente, com grandes ressalvas, já estar aprendendo, ih!, naquele início ou fase intermediária da vida. E me exultava diante da suposta proeza. Claro que ela deve ter gostado do agarramento de um mês e meio atrás, ora se não!... Ah!, as mulheres...

Voltei para casa e me dispersei na cama, dormi como uma criança agarrada ao colo da mãe. Também estava feliz do reencontro surgido. O vento forte batia na janela e corria uma brisa ao redor do quarto, as venezianas deixando o sopro passar sem contestações. Lá fora passarinhos sibilavam entoações em séries intermináveis. Apenas escutava um longínquo zumbido e não sabia se era sonho ou realidade. Sei, dizer, contudo, que vi uma bela imagem. E acho que adormeci de vez sem decifrar o que poderia ter acontecido. Daquele momento em diante não vislumbrei nada, nem mesmo sombras de uma suposta e inquietante ilusão sedutora.

ESPAÇO LIVRE

C A O S

O mundo passa
transpassa
repassa
traspassa
carrega consigo
incongruências
inconseqüências
maledicências.

O universo a pairar
no verso perplexo
do plexo complexo
da vida.

Em anexo.

Bené Chaves



sábado, março 19, 2005

DÉCIMOS PRIMEIROS ALUMBRAMENTOS


Depois da quaresma, Alba me telefonou. Claro que ainda encabulada. Porém não liguei muito, aceitei-a como se nada tivesse acontecido. Sabia que ela não iria acabar um namoro por causa de um simples beijo. Inclusive porque aquela sua fantasia (quão bela e erótica vestimenta!), além de estar convidativa, não deixava quase outra opção. Quem mandou ela provocar, quem mandou?... Talvez na sua aparente inocência, sei lá, mas despertou-me a libido. E nossos desejos no fervor da idade juvenil não deveriam jamais ser excitados, principalmente por uma bela donzela.

Convidou-me (pasmem!), então, para comermos uma galinha-caipira, período propício para tal. Acho mais como sinal de uma reconciliação, evidente que sim. Deve ter ficado arrependida pela desfeita, afinal eu não tive a intenção de boliná-la ali no carro àquela hora. Principalmente na presença de duas outras pessoas. Aliás, essas coisas eram difíceis e o que havia de positivo revelava mais uma atitude de machismo e de exibição do que propriamente um ato definido. Puras folias e exaltações de uma idade vivida e para viver.

Além do mais, causava uma temeridade para a época falar-se de que você iria comer uma menina. A palavra em si pronunciada traria conseqüências as mais desastrosas e afetaria o falso moralismo existente. Não era costume ainda o termo chulo aplicado a uma prática sexual. E seria constrangedor se assim o fosse. Também uma tremenda bobeira de minha parte se o fizesse. Mas, de qualquer modo, iria me satisfazer mesmo comendo a galinha-caipira. Depois de um bom período de abstinência em relação a um contato verbal com a pessoa em questão. E não reclamasse, senão nem galinha e nem nada. No entanto, que eu preferiria... Basta, menino, basta!

Enquanto a gente ia transpondo nossa adolescência, a cidade de Gupiara crescia em termos assustadores. Ou não? Amedrontava sim o que faziam com ela. Obras gigantescas (e na maioria das vezes desnecessárias) eram construídas com uma dupla intenção, precipuamente favorecer grupelhos já aquinhoados e auxiliados. Talvez fosse até necessário o empreendimento, mas não da maneira como se realizava. E, sobretudo, quando superfaturavam as remessas entre si e dividiam as fatias com seus semelhantes e asseclas. Era um começo de tristeza o que se via ao redor. A força da grana sobre todos nós. Ou melhor: sobre eles, os interessados nas prevaricações. O poder crescente que ela tímida e inicialmente exibia e exercia, que ainda exibe e exerce na atualidade com intensidade bem maior.

ESPAÇO LIVRE


SOBRE A JUSTIÇA...


Þ O que poderíamos dizer sobre a sempre desencantada ou encantada Justiça? Eu diria que ela é uma faca de três gumes. Ou seja: não existe. Em último caso, se existe, não atua. E se atua, quase ninguém cumpre o que determina. Quer dizer: fica desmoralizada. Resumindo: não existe mesmo! Pode ser apenas um arremedo, um faz-de-conta. A tal história da carochinha.
Já o irrequieto jovem Trasímaco, contemporâneo de Platão e Sócrates (que disse na época: a Justiça é a única felicidade verdadeira. Apenas os injustos são infelizes), numa espécie de sarau reunido entre aqueles magníficos cavalheiros gregos, gritou de sua sabedoria exemplar: a Justiça é, simplesmente, o interesse do mais forte. Ou para dizê-lo de outra maneira, o interesse do governo estabelecido. E encorajado diante daquela pequena platéia, arrematou com entusiasmo: podereis ver que o homem justo, em qualquer parte, sempre sai perdendo, se comparado com o homem injusto. Em primeiro lugar, em seus negócios mútuos. Em seguida, em seus negócios com o Estado. E quando há algo a receber, o justo não obtém nada, enquanto o outro tem grandes lucros.
Pois é, amigos e amigas, avalie se o brilhante pensador tivesse uma vivência eterna e pudesse então presenciar o que se fez e se faz nesses anos de caos. E é absurdamente incrível como tudo o que ele falou há muito tempo atrás está ainda posto em prática...
Bené Chaves



terça-feira, março 15, 2005

DÉCIMOS ALUMBRAMENTOS


Depois da impetuosa cena do beijo, Mirtô solidarizou-se com Alba na sua resposta à violência de sentimentos. Que, convenhamos, não foi tão drástica assim. Ficamos, claro, sozinhos. À vista disso, a outra saiu no encalço da amiga na rampa íngreme que daria acesso a pegar um ônibus ou coisa parecida. E minha namorada quedou-se um tempo sem querer me ver e pudicamente passou alguns dias sem sair de casa. Pois é... Também, quem mandou você ser tão afoito? Mas, foi só um beijinho inofensivo, não me controlei. Eu sei, acontece... Homem é bicho danado, tudo igual, segundo elas. Apenas quer se aproveitar das pobrezinhas. E ela deu uma unha e você quis logo o pé, não? Bem, ela não deu foi nada. Tá vendo, capaz agora de ficar sem namorada, foi com enxerimento...Hum!, parece que não conhece as mulheres. E você as conhece, nessa idade? Não fique aí metido a sabido. Ela é ainda novinha, sem manha ou artimanha. Vai ver, depois ela desdiz tudo, quer apostar?

Ficamos num bate-boca quase sem fim naquele cair da tarde, o sol querendo já se esconder e meu primo não disse nada acerca de sua namorada, se fez ou aconteceu, portanto não podia cobrar miudezas ou safadezas. E conhecendo suas arteirices (parecia um sinal genético, creio) ficava com a pulga atrás da orelha. Porque, inclusive, Mirtô tinha uns dezoito anos e devia saber já dos sucedidos, ora mais tá! Ela que se cuidasse, pois ele talvez não fosse essa flor que se pudesse cheirar. Embora, evidente, devessem dar beijos às escondidas.

Sabia das birras de minha geração que não podia ver um rabo de saia. Aliás, prática já bastante manjada entre aqueles meninos sequiosos e em busca de uma força que os empurrasse para corpos opostos, ou seja, obviamente do sexo feminino. Também meu primo se enquadrava com perfeição nestas conquistas amorosas. E eu, da mesma forma, não ficava livre das mocinhas de então.

Portanto, no simples tocar de mão ou numa aproximação em que se apalpasse de raspão uma donzela (ou mulher experiente), nosso pênis ficava eriçado e desambientado, talvez à cata de uma proteção melhor. Seria o chamado tesão, que atualmente se fala com espontaneidade, aquele furor adolescente e ansioso no intuito de atiçar os desejos no encontro de uma gostosa garota. E doido mesmo, no sentido de impulsivo, arrebatado, para tacar um abraço e beijo no seu objetivo, e, se possível, em outras partes cobiçadas da companheira em questão.

Era comum observar tudo isso, mormente quando se tinha de quinze pra dezoito ou dezenove anos, época intermediária de uma intensa mudança corporal. Ou também na própria pós-adolescência, quando manifestávamos mais conhecimento do sexo em si. Tempo bom aquele, de palpáveis estripulias e arritmias. Ruim seria a sua não retornança.

ESPAÇO LIVRE


Compartilhamos com vocês de um poema do Antoniel Campos (
http://antonielcampos.blog.uol.com.br ), que faz parte do livro A Esfera, lançamento acontecido aqui no dia 11 próximo passado:

Solilóquio


Na ausência de tudo, eu completo.
Amo a falta, a solidão, o nada ter.
O meu lema predileto?
Nada haver.

Na ausência de parte, eu metade.
Amo a dúvida que sucede o meu por que
Noutra parte sou verdade?
Nada a ver.

Na ausência de nada, eu distante.
Amo a face que me deixa parecer.
Do espelho o meu semblante
nada vê.



sexta-feira, março 11, 2005

MEU PRIMEIRO BEIJO


Gupiara festejava o carnaval. E eu acolhia com prazer um namoro mais assíduo com Alba. Naqueles dias de folia fiquei com uma excitação palpitante. Via-a todos os dias. Em cada minuto deslumbrava-me, ela a aparecer diante de mim usando uma fantasia que deixava suas coxas descobertas. Apenas a blusa em um short curtinho e ensaiando uma barriguinha de fora, numa ousadia de sua parte. Mas, afora qualquer circunstância, um colírio para meus olhos férteis. Pensei como tivera a coragem de desfraldar-se assim, me deixando meio abobalhado na estimulação juvenil em curso. Certamente tinha lá seus motivos. Ou, não muito, seria conseqüência de uma ocasião especial, sem nada a desalinhar sua espontaneidade de momento. A malícia poderia estar na minha imaginação de menino besta da época, persuadido pela sacudida idade.

Mas, que era uma glória vê-la tão exuberante, ah, disso não tenho dúvida. E quase não me continha ao avistá-la na simetria de combinações perfeitas. Erguia, por conseguinte, o lança-perfume e jorrava abundante nas suas morenas pernas, enquanto a observava reclamar do friozinho gostoso. Ela também na meiguice e ingenuidade a rir e puxar a camiseta com o umbigo já à mostra. Aliás, o precioso líquido jogado nas meninas tinha seu valor como um atrativo íntimo e inocente, servindo mais para despertá-las de um suposto arrefecimento e menos como um meio torpe usado atualmente.

E a namorada de meu primo, a loira Mirtô? Apareceu diante dele com uma saia curta e que avivou não somente seus olhos desejosos. Lembro daqueles cabelos esvoaçados caindo-lhe nos ombros e uma tez salpicada de cutículas brilhosas que davam um enlevo ao seu já bonito rosto. Estava deslumbrante, deixando-me na dúvida quanto às duas aparências ali expostas: morenas ou loiras. Evidente que meu primo não falou também de sua preferência.

Saíamos, então, no carro e tudo corria ao nosso gosto. Tive, neste ínterim, uma sensação maravilhosa quando dei o primeiro beijo de minha vida. Beijo aqui, no sentido de apalpar, afagar, entrar num possível arroubo. Ah!, foi uma delícia, quase me esparramei e cheguei ao orgasmo. Subitamente agarrei Alba pelo cangote e taquei meus lábios de encontro aos dela. E com língua e tudo, talvez (ou certamente) numa impávida petulância. A garota ficou meio sem fôlego e me empurrou desvencilhando-se do agarramento. Parecia não ter gostado da impetuosidade do ato em si. Porém, hum!, hum!, achei pura simulação.

Tal episódio aconteceu na praia, quando passeávamos ao léu e despreocupados. Alba, no entanto, fingiu raiva, mandou parar o carro e deu de bruços, indo embora. Mas, coitada, ela tinha suas razões. O período não contribuía em nada. E a hipocrisia das pessoas fazia-a envergonhar-se de suas ações, porquanto era ainda uma menina-moça desabrochando e longe da maturidade. Mesmo que estivesse somente na presença de outro casal.

ESPAÇO LIVRE



ELEGIA À MULHER DESCONHECIDA


Estivesse tu perto de mim
te faria comer este poema
e depois de juntar
meu corpo ao teu
ver-te-ia exalar com
odores inebriantes
letras de um desejo cego
de contensão:

A arte de te amar em versos.


Bené Chaves



segunda-feira, março 07, 2005

NONOS ALUMBRAMENTOS


Alba era uma garota tímida, como a maioria das meninas do período. E também eu não ficava atrás. Portanto, dois inibidos tentando florescer um relacionamento juvenil e, acho, sem maiores pretensões. A continuidade e o desejo poderiam vir ou não com a sucessão dos dias ou meses. Mas, poder-se-ia dizer, contudo, que ela já era uma mocetona, naquela aparência e exuberância cultivadas no corpo modelado e em constante desenvolvimento. Neste aspecto, não tinha do que me lastimar. Quando escrevo tais palavras me dá uma saudade enorme do tempo passado, uma ânsia imensa talvez de revê-la, mesmo supondo saber, lógico, de seu caminhar para a maturidade ou de seu avançar para a detestável e iminente velhice. Ou então, o pior, quem sabe, que seria a sua própria morte. Credo, credo!

E a Mirtô, o que teria acontecido com ela? Nada sei, apenas que depois terminou tudo com meu primo. Tenho impressão que as duas devam ter seguido caminhos opostos. Algo certamente obscureceu nossos convívios. E anos depois dando uma espiada nas ruas que moravam via apenas vislumbres de velhas casas deterioradas ou edifícios em construção. Nenhum rastro de suas pegadas (e nossas) anteriores. Haviam sumido no espaço, nas andanças cotidianas, no alheamento de um progresso, restando um vazio e uma lembrança nostálgica que jamais saberia ou poderia resgatar. Elas eram, entre outras, e são ainda minhas dúvidas. A vida é minha dúvida, tudo enfim não passou e não passava de uma ilusão.

Oh!, meu Deus, quanto a existência é cruel também neste aspecto: separar as pessoas e nunca mais se ter notícias de um grande amor ou mesmo uma grande amizade. O passar e o repassar distorcem tudo, fazem desaparecer rápido os instantes sublimes e enaltecer as destemperanças. Porque a vida poderia ser apenas uma sorte ou um azar. Seria então um fato verdadeiro ou somente uma lenda? Eis aí o desmedido enigma do ser humano, a minha maior incógnita também.

Porém, apesar de tudo e de todo o pesar, Alba ainda estava ali, na sua singela e meiga figura, procurando exaltar e enamorar minha adolescência. Quão inocentes éramos todos nós! E eu não queria que aquela suposta ingenuidade fosse abalada. Não no sentido de olharmos um previsto mundo feio ao redor da gente. O momento que se vivia era lindo para ser desfeito na minha imaginação. E a menina-moça Alba seria, a partir do instante presente, minha divina ninfa. Meu primo também já se encantara e animara com a bonita Mirtô, na fervura, que me dizia, de ter-lhe assombreado e assoberbado seu corpo. Desde dali e dalém, a gente passou a freqüentá-las mais assiduamente.



ESPAÇO LIVRE


POSSESSÃO



Quero vê-la
com tesão
tomá-la inteira
no segundo
minuto
hora.

Você é meu desejo
o painel
pincel
ensejo
as cores
de babel.

Sem algum temor
devo fantasiá-la?

Ao extremo gritar
uma finda dor?


Bené Chaves




quinta-feira, março 03, 2005

Abro novo parêntese para compartilhar com vocês de um artigo meu que foi publicado em um jornal local em 17 de agosto de 1994 sobre o filme Os Brutos também Amam (George Stevens, 1953). Eis, portanto, minha visão da época:


OS BRUTOS TAMBÉM AMAM (SHANE)


Cada país teve (e tem) naturalmente uma especialidade em seu gênero cinematográfico. No cinema francês a nouvelle-vague iniciou e dominou um período de sua existência pós-anos 50/60. Os italianos surgiram antes com o neo-realismo, denunciando e mostrando uma atmosfera de horror a que foram subjugados durante a após a segunda guerra mundial. O expressionismo mandou no cinema alemão no começo do século XX e deixou raízes que proliferam ainda hoje, embora com menor intensidade. Ou talvez sem nenhuma.
E assim foram todos frutos de escolas que se espalharam pelo resto do mundo, cada qual tentando escolher melhor um estilo que se adaptasse ao seu modus-vivendi.
A especificidade do cinema americano foi o western, pois, logo cedo, desde O Grande Roubo do Trem (Porter, 1903), surgiram discípulos que se aperfeiçoaram em suas qualidades formais e temáticas. Daí então apareceu o termo farwest, de onde magistralmente despontaram os célebres cowboys, chamados de foras da lei, com seus cavalos e mulheres bonitas nos saloons do velho Oeste americano.
John Ford era o mago maior do faroeste porque (e quando) realizou inúmeros filmes, contando, não somente a saga texana, como também fazendo um estudo de sociologia e costumes inerentes à época. Certamente que acrescido depois (ou antes) de outras figuras não menos importantes.
Mas, foi um forasteiro de nome George Stevens quem deu uma das mais felizes e belas fábulas sobre o Bem e o Mal. Inspirado no romance de Jack Schaefer, Os Brutos Também Amam (1953) relata o comportamento de um herói solitário, contando a história de um estranho que muda os hábitos de uma família local. Shane é o nome do cavaleiro sem destino que logo atrai a simpatia de um casal e seu filho, que vêem naquele homem um mito, símbolo da personificação do Bem, principalmente para o pequeno Joey (Brandon De Wilde, morto ainda na adolescência), que passa a admirá-lo profundamente, tornando-se capaz de qualquer ato invulgar, como amá-lo mais do que ao próprio pai.
Portanto, a chegada do misterioso cavaleiro na aldeola é o clímax dado por Stevens na transformação daquela pequena família, gerando, inclusive, resquícios até de ciúmes. O western readmite aqui a solidariedade aos indefesos e oprimidos e a interação de uma única família com toda uma coletividade. E revela o que outros temas ulteriores viriam a enfatizar: a cultuação à personalidade. (Vide, como dois exemplos, Sociedade dos Poetas Mortos, de Peter Weir, em que um recém-chegado professor modifica totalmente a vida dos alunos locais e também Teorema, de Píer Paolo Pasolini, onde um jovem varão seduz uma família inteira).
E, então, o faroeste americano se sente órfão de filmes que foram realizados naquele período (com poucas exceções, talvez Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood, 1992), notadamente os aclamados clássicos de então, acostumados atualmente com a brutalidade e banalidade de seus temas e narrativas. Portanto, quase nada se comparam em Os Brutos Também Amam, à partitura musical de Victor Young e o apelo final do garoto implorando o retorno de seu ídolo. É uma pena para todos que Shane retome seu caminho, uma desilusão principalmente para o pequeno Joey, porém é a confirmação e configuração de um mito, uma lenda, o mítico personagem-símbolo.
Diante disso tudo, se pode dizer que o filme do forasteiro George Stevens passou também a ser cultuado como um marco da cinematografia. Dificilmente, mesmo passados mais de cinqüenta anos, ele será superado no seu gênero clássico e estilizado.

ESPAÇO LIVRE

A poeta Dora Vilela (http://pretensoscoloquios.zip.net) dedicou, gentilmente, este poema para mim. Compartilho com vocês os versos da amiga:

Esfinge Sertaneja

No ermo sertão,
à porta de velha tapera,
acocora-se nhá Quitéria,
de banco carece, não.

Cachimbo encaixado
na hipotonia do beiço,
cusparada de lado,
saliva grossa de sarro.

Mastiga as gengivas,
encolhendo os olhos de enigma,
mil pregas na face,
branca e rala a carapinha.

Idade, não tem, não,
nasceu numa festa,
era Cosme e Damião,
abastança de doce de obrigação.

Só espia o tempo de dentro,
depois de ler na amplidão,
por fios de anos afora,
decorou, que tem boa memória,

a estiagem vem após
a formigação na perna,
a chuvarada despenca
atrás da gastura no corpo.

Sapientíssima nas rezas,
oráculo no matão,
já curou muita bicheira,
mau-olhado, piolho, sezão.

Na contemplação esquecida,
chacoalha a cabeça e prevê
mortandade de gado,
maleita, colheita perdida.

Só ela não morre,
apoiada no chão,
enraizou, fez morada,
se incorporou ao sertão.

No pouco do sertanejo
fez seu tempero de vida,
e, veterana de luta vencida,
não dá baixa, nem faz despedida.

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