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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
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a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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sábado, outubro 28, 2006



PALAVRAS QUE INQUIETAM (17)


Falando sobre a existência, Górgias de Leôncio, vivendo no ano 480-375 a.C., foi taxativo e detonou com total descrença: "nada existe; se alguma coisa existisse não a poderíamos conhecer; se a conhecêssemos não a poderíamos manifestar aos outros". Porque, diria depois David Hume, nascido em 1711: "vejam este universo em torno de vocês. Que imensa profusão de seres animados e organizados, sensíveis ou não. Mas examinem um pouco mais de perto essas existências vivas... Como são hostis e destruidoras umas para as outras! Como são insuficientes, tanto quanto são para sua própria felicidade! Quão desprezíveis ou odiosas!". E complementava com intrepidez demonstrando ser " a velhacaria e a idiotice humanas fenômenos tão correntes..."
Porém, enquanto isso, Blaise Pascal, filósofo e escritor francês, nascido em 1623 e vivendo apenas 39 anos, dizia que "a única verdadeira grandeza do homem reside na consciência de seus limites e de suas fraquezas".
E quantos deles não ultrapassam tais confins! Todavia, os ensinamentos estão aí, a vivência humana acarretada de muitos dissabores e poucos sabores. Seria salutar que todos fossem prósperos, embora Albert Camus tivesse afirmado que "as pessoas morrem e não são felizes".


ESPAÇO LIVRE


Na quarta-feira passada, dia 25, o sarau promovido pelo Eduardo Gosson homenageou o Mário César Rasec (autor do livro Apostasia), poeta da nova safra na poesia do Rio Grande do Norte. Estive presente e selecionei o poema abaixo:

ÚLTIMA CEIA

O calor que antecede a chuva
Fez levantar-me na madrugada.
Sons de um mundo distante
Me deixavam um pouco ofegante.

Mas havia algo além na noite que me deixava inquieto.
Em busca de algo escondido nas sombras do vazio.

O silêncio era a constatação de uma ausência maior.
Um ciclope que caminhava pela noite
Afugentando os bons sonhos.

Nada mais restou da última ceia.
A irmandade se dispersou pela madrugada púrpura.
Resta agora aos retardatários
A tarefa de esconder as cinzas.



sábado, outubro 21, 2006

Conforme prometido, publico hoje o outro texto que fiz para o livro "Clarões da Tela - o cinema dentro de nós", lançado aqui no dia 05 de outubro. Espero que tenham uma boa leitura.

HIROSHIMA MEU AMOR



O cineasta Alain Resnais nasceu em Vannes, na França, em 1922. Começou a carreira fazendo filmes independentes, eram estudos de artistas plásticos como Van Gogh, Max, Gauguin, Picasso e outros. Fez mais de treze longas-metragens e diversos documentários. Numa entrevista sobre a comentada fita, declarou aos jornalistas: "sou obcecado pela morte, pelo tempo que passa, pelo desgaste das coisas".
Pode-se notar, portanto, que seus filmes são exemplos da ruptura com a narrativa clássica, transgredindo as normas pré-estabelecidas. Ou pós-estabelecidas.
Quando foi exibido aqui em Natal pela primeira vez, em 1962, Hiroshima meu amor foi aplaudido e aclamado por todos nós, tido e havido como um filme além das referências cinematográficas, além de uma simples existência. A crítica natalense da época, ainda imberbe, ficara entusiasmada com a grandiosidade da ocasião, pois, não era à toa que, a fita de Alain Resnais (do também grandioso O ano passado em Marienbad, exercício expressionista sobre o tempo e a memória, com roteiro de Alain-Robbe Grillet) aparecia nas listas que fazíamos para indicar esse ou aquele melhor filme do ano.
Elogios, somente elogios, nós, particularmente, também, claro, participando e elegendo Hiroshima meu amor como o maior evento daquele longínquo 1962. Foi uma verdadeira epopéia, quando aquela câmera irrequieta do cineasta desdobrava-se em incursões de um lado para o outro. E fazia os mais sensíveis curvarem-se ante belíssimos ângulos, notadamente quando o seu realizador mostrava um sentimento absoluto entre os dois protagonistas principais.
Era uma época de muitos preconceitos, mas o diretor de Nuit et Brouillard teve a coragem de diluir talvez um amor proibido, visto que a situação dos personagens seria equivalente diante dos olhos de outrem. Ou seja: os dois estavam presos a afetos distantes.
Passados agora mais de quarenta anos, revelou-se que a fita de Resnais, que seria posteriormente conhecido como "o cineasta do tempo e da memória", - para alegria nossa e da turma iniciante/adolescente (sic) - não envelheceu. Pelo contrário, continua a ser, além de um verdadeiro libelo contra a guerra (e aí, parece-nos que a sociedade americana não avançou na conscientização de seus pares, visto a saga belicista continuar devastando inteligências e sensibilidades), um belo hino de paz e amor. Mesmo sem a ostentação e paixão da época inicial e pautado, sobretudo, no amadurecimento crítico.
Baseado em escritos e com roteiro/diálogos de Marguerite Duras - autora que transpõe os problemas da vida contemporânea, analisados depois no campo da patologia social - Hiroshima meu amor, narrando a história que se passa na própria cidade japonesa entre uma atriz francesa e um arquiteto local, entrelaça-se de nuances para surgir paralelamente contra os horrores da hecatombe nuclear.
Deve-se saber, portanto, que a bomba jogada sobre Hiroshima no dia 06 de agosto de 1945 matando dezenas de milhares de pessoas, foi levada a tiracolo pelo avião de nome esquisito Enola Gay, que, desde o fim da guerra, conserva-se na periferia de Washington.(Seria razoável que esses dirigentes americanos fossem ao local de vez em quando e observassem o monstrengo que tanto dano causou ao povo japonês. E se sensibilizassem com a tirania de seus antepassados).
Daí o filme ser uma obra antiamericana por excelência, um grito contra o despotismo e soberania dos que se proclamam poderosos (prática ainda observável e detestável nos tempos atuais).
E é necessariamente nessa lógica que a fita de Resnais aparece sem preconceitos, além de uma padronização qualquer. Portanto, Hiroshima meu amor revela-se nua e crua ao mostrar os efeitos danosos, não somente da guerra em si, mas também de suas ilações e conseqüências.
O romance que surge entre os dois amantes, a evocação nela das lembranças de sua juventude em Nevers, são elos de esperanças, são simbolicamente duas vozes distantes que aparecem para amainar o sofrimento e desespero do povo de Hiroshima. Tais reminiscências marcam profundamente toda a história dos homens e das mulheres, suas conseqüências ou não. Poder-se-ia dizer que é uma película além de um simples sentimento, de uma causa decifrada.
O ser que se diz humano é de difícil entendimento, daí resultando uma natural apreensão quando ele se relaciona com o mesmo ou o sexo oposto. Então diz o homem: "você não viu nada em Hiroshima. Nada...". Ao que a mulher rebate: "vi tudo. Tudo...".
E o desdobramento da fita mostra aspectos dessa natureza, na ambigüidade e certa rivalidade entre o casal, inclusive e principalmente porque o mesmo é preso a um passado obscuro nos seus relacionamentos.
Eles tentam não levar adiante a paixão casual surgida entre cinzas, essa amizade de corpos entrelaçados vistos no início como uma turva e hipotética massa em transformação.
O amor e a guerra são dois pólos distintos. Em ambos existe a possibilidade da separação. No caso do primeiro, seria uma dor intrínseca, endógena, mas recuperável, pois o (a) parceiro (a) poderia voltar ao aconchego anterior. No segundo, não haveria esta chance, seria um padecimento extrínseco, coletivo, exógeno e irreversível. E com um agravante: a mutilação do invólucro humano.
Embora mostrada paralela com o tema amor, a fita do realizador de Providence (1977) nos dá uma visão visceral do absurdo da guerra, enquanto trama e enleva um sentimento também (talvez) impossível. E o arquiteto diz então para sua amada: "em alguns anos, quando a tiver esquecido e outras estórias como esta tiverem acontecido, eu me lembrarei de você como do esquecimento do amor". Daí a incerteza dos dois mundos. O da barbárie intercalado ao do afeto transitório.
Mas, enquanto a genial câmera de Resnais tece a amargura e a dor, nem tudo está perdido, pois ainda resta aquela nesga de esperança, que é justamente a fraternidade e o carinho realçados no relacionamento a dois. Apesar de qualquer contratempo que surja.
Não é em vão que ela o chama de Hiroshima e ele a ela de Nevers, numa alusão extraordinária do roteiro bem elaborado de Marguerite Duras. Aliás, o autor de O ano passado em Marienbad (1961) nos dá um exemplo de como se faz uma obra perfeita.
E então vemos imagens de duração mínima, planos-sequëncias, numa montagem delirante/vibrante acompanhada também de um lirismo e uma narrativa revolucionária, desconexa.(É antológica a longa seqüência de abertura do filme). Era o começo da carreira longa-metragem de Alain Resnais, o début inicial e triunfal de um realizador. A maestria e mestria unificadas.
Incorporado ao movimento da nouvelle-vague, o cineasta de A guerra acabou (1966, realização também de forte impacto marcada pelo feitio próprio e estrutura adequada de seu realizador, aqui utilizando recursos estilísticos louváveis como os flash-forwards, o contrário dos flashbacks, demonstrando o que está por acontecer), desnuda e cria, ao mesmo tempo, uma nova maneira de contar, avivando o realismo poético das belas imagens do filme.
É um poema visual, que alguns afirmam de difícil compreensão, talvez pela fragmentação cronológica e sua linguagem assentada nas agressões de estilo.
E o final ambíguo - pois Marguerite Duras prefere insinuar ou sugerir, deixando hipóteses quanto ao rumo dos personagens que criou, de certo modo plagiados da vida real - exibe um suposto permanente antagonismo entre dois seres, que se amam, amam, mas depois tudo pode se revelar insatisfatório. É a dubiedade de relações opostas, inseridas quando se fala em relacionamentos. A paixão que pode se transformar apenas na lembrança e depois esquecimento.
Hiroshima meu amor é um filme-símbolo, mostrando o quanto o amor deva existir, a juventude deva também permanecer ("Ah!, fui jovem um dia!...", diz ela repassando suas memórias) nas incertezas ou não, pois eles não se comparam jamais com um conflito, esta luta insensata orquestrada para atormentar a mente humana. A guerra que os homens provocam na louca ambição pelo poder e banalidade de seus instintos belicosos.
Enquanto eles estão destruindo o que construíram, a vida segue em frente com nosso apelo pela paz, com o apelo da atriz francesa e seu amante japonês por um mundo de afeição, mesmo que seja efêmero ou proibido. A visão metafísica de Alain Resnais e Marguerite Duras onde se possa também ter a liberdade de ir e vir, expressando-se os sentimentos, desejos, inquietações... E a palavra-chave discutível e já desgastada entre as pessoas: o amor.
É uma fita belíssima, sensual, provocante, que marcou e certamente marca a História do cinema francês, do cinema de um modo abrangente. Um canto ainda para a posteridade...




sábado, outubro 14, 2006




PALAVRAS QUE INQUIETAM (16)



* Falemos um pouco do amor, essa palavra-chave encontrada entre todos aqueles que se dizem humanos ou racionais. E sobre os mesmos, assim expressou-se Karl Marx: "se amas sem provocar uma retribuição em amor, isto é, se teu amor não suscita o amor em paga; se, manifestando tua vida como homem amante, não fazes de ti um homem amado, teu amor é impotente, é uma desgraça". E conclui ele então que "a relação imediata, natural, necessária do homem ao homem é a relação do homem à mulher".

* Aliás, de acordo com o filósofo francês Emmanuel Mounier (1905/1950), "o ato de amor é a mais firme certeza do homem", pois, então, dizia ele, "...amo; logo, o ser é e a vida vale a pena de ser vivida". Porque, inclusive, "amar um ser é amá-lo faça ele o que faça, dar-lhe de certo modo um crédito ilimitado, incondicional", na tese fundamentada pelo filósofo Gabriel Marcel, autor e crítico teatral, nascido em Paris no ano de 1889.

No belo filme Hiroshima meu amor, de Alain Resnais, 59( que publicarei na próxima postagem uma crítica feita para o livro "Clarões da Tela - o cinema dentro de nós"), se tem o exemplo de um enorme e puro afeto, talvez, absoluto. Paralelamente aos atos e efeitos de uma guerra insana, o seu realizador tece um insólito e sensual caso de amor entre uma atriz francesa e um arquiteto japonês. E assim eles começam a evocar lembranças e a pensar no futuro como desdobramento de uma intensa paixão vivida. Poder-se-ia dizer que é uma película além de um simples sentimento, porque marca profundamente toda a história dos homens e das mulheres, suas conseqüências ou não.

* Sobre o amor à vida, o grande autor argelino Albert Camus já dizia: "eu amo a vida, eis a minha verdadeira fraqueza. Amo-a tanto, que não tenho nenhuma imaginação para o que não for vida", mesmo sabendo que "constatar o absurdo dela não pode ser um fim, mas apenas um começo". Ao que completa Santo Agostinho: "mas ninguém é feliz a não ser vivendo e ninguém vive se não existir", porque, sabia o célebre filósofo e historiador britânico David Hume que "se todas as criaturas fossem incapazes de sofrer, o mal nunca teria acesso ao universo". E, então, "os homens e as mulheres não seriam apenas os portadores de seu passado, os herdeiros de um mundo, os responsáveis de uma série de atos: seriam também as sementes do futuro", na sábia concepção do romancista e poeta francês Louis Aragon (1897/1982). Inclusive, conforme visão de Teilhard de Chardin, "na verdade a vida procede a golpes de sorte; mas a golpes de sorte reconhecidos, apreendidos, isto é, psiquicamente selecionados", concluiu afinal.

ESPAÇO LIVRE


DESCRENÇA


Entre vagina e seios
surgi no mundo.
Na infância e adolescência
senti o impacto da vida.
De amores e desamores
plantei minhas raízes.

Talvez no sombrio epílogo
veja apenas os desencantos
do que se foi para sempre.

E em vão um velho espelho
a soluçar lágrimas de saudade.
Bené Chaves



sábado, outubro 07, 2006

No dia 05 próximo passado foi lançado aqui em Natal o livro "Clarões da Tela - o cinema dentro de nós", uma coletânea de críticas cinematográficas (com 68 participantes) organizada pelo Marcos Silva, que é professor da USP e por mim. Compartilho hoje com vocês de um de meus dois textos para o citado compêndio. Oportunamente publicarei o outro. É sobre o filme A dupla vida de Veronique, do polonês Krzystof Kieslowski. Espero que tenham uma boa leitura.

VERONIKA & VERONIQUE: um elo existencial.


Dono de uma filmografia elogiável, incluindo-se aí Não Amarás (nesta história de um rapaz que cresceu órfão e tímido, vivendo entre o amor platônico e a violência do desejo, temos uma pequena obra-prima sobre o amor), A Liberdade é Azul (também uma história de amor contada com sensibilidade), A Igualdade é Branca (segundo filme da trilogia e que trata da conturbada relação de igualdade entre as pessoas.), A Fraternidade é Vermelha (querendo mostrar que amar e se comunicar ficou quase impossível para os homens, o famoso cineasta apela para a irmandade), Não Matarás (aqui constituindo-se no ponto de partida de seu discutido Decálogo, mostra o assassinato frio e perverso de um motorista de táxi, num retrato cruel da sociedade polonesa), entre outros, o polonês Krzystof Kieslowski parece superar-se a todos quando nos brinda com A Dupla Vida de Veronique, fita realizada em 1991 mostrando uma bela crônica sobre a reflexão e também símbolo de harmonia entre a música e o cinema.
São duas irmãs. Uma vive em Cracóvia. A outra em Paris. Têm a mesma vocação, embora não se conheçam. A mesma relação de proximidade com o pai, os mesmos gostos. Enfim, as naturais idiossincrasias do ser humano. Uma aprende música, mas quando o eixo de ligação é cortado, a outra deixa também de cantar. As mesmas fisionomias.
Diz, portanto, a francesa Veronique: "Durante toda a vida tive a sensação de estar aqui e noutro lado. Sinto sempre o que devo fazer". E noutro lugar a polonesa Veronika talvez tivesse a mesma impressão de não estar sozinha no mundo. São coincidências? Acasos?
A Dupla Vida de Veronique é um filme que transborda de poesia, e o seu sensualismo é mostrado logo no início, naquele plano da chuva, para posteriormente ter o desfecho no amor entre os namorados, quando depois ela fala para o pai que sentiu vontade de amar. Seria o caso de se perguntar se a chuva é também um afrodisíaco e uma libido para os seres amantes? Certamente que sim.
Kieslowski dizia que estava fazendo sempre o mesmo filme, apesar de termos conhecimento de uma "fase polonesa" e uma "fase francesa" na sua carreira cinematográfica. E na sua "fase polonesa" mostrou as condições de seu país de origem, como as desigualdades do regime comunista, principalmente em Spokoji (1976), evocando os motins da fome. Idealizou também em 1976 um polêmico tema com A Cicatriz, que tivemos oportunidade de ver apenas em vídeo.
E sobre este filme o questionamento de uma pergunta básica: será possível avançar no campo social sem ceder às pressões dos vários interesses envolvidos? Foi o dilema que acercou-se do diretor e sua obra terminou sendo considerada como maldita.
Depois que migrou para a ficção, fez um cinema de rara beleza e voltado, sobretudo, para o amor entre as pessoas. E a fita em questão é, também, uma espécie de parábola sobre como uns possam ter de sofrer para outros terem de viver e prosperar, mesmo amargamente. Um modelo de nossa existência real, com toda certeza, a arte imitando a vida e vice-versa.
Belíssima a seqüência do ensaio musical que antecede o desmaio de Veronika e conseqüente morte.(Sobre a música do compositor Zbigniew Preisner, assim falou o crítico John L. Walters: "ela desempenha um papel tão importante que o espectador chega a pensar que as imagens estão ali para iluminar a música". Quanto a isto, sabe-se que a narrativa fílmica é bastante enriquecida com ela, que serve para fustigar esse ou aquele melhor momento. No caso aqui, em particular, a música parece compor as imagens do filme). Com aproximadamente vinte e sete minutos de exibição, Kieslowski corta o elo espiritual que existia entre Veronika e sua irmã.
E a francesa Veronique diz: "é como se eu sentisse uma mágoa", logo após o enterro da irmã (enterro este posicionando a câmera num ângulo genial, de baixo para cima, como se Veronika quisesse gritar sufocado por seus algozes), dialogando com o namorado no quarto. Mágoa esta que ficará para o resto de sua existência.
Interessante é como as duas irmãs nunca chegam a se conhecer ou falar, mesmo Veronique tendo ido a Cracóvia. Uma apenas via a outra de longe, enquanto a outra tirava fotos em uma excursão. E dentro desses lances existenciais percebe-se o enigmatismo do realizador. O elo fazia parte somente de um destino.
A aventura da francesa em busca de seu apaixonado admirador é sempre acompanhada por uma delicada câmera que invade sua rotina solitária, quando ela, então, por um acaso, descobre, através dele, o sentido de sua amargura. A história das bailarinas é a história de Veronika e Veronique, contada pelo seu criador, numa analogia perfeita de um roteiro bem orquestrado também por Kieslowski.
E então ela descobre a foto de sua irmã e observa o elo de sua existência. E num quadro genial, o cineasta aproxima os extremos. Do sofrimento e da dor surgem o prazer e o gozo, talvez numa das mais belas e pungentes cenas que vimos nos últimos anos.(Neste parêntesis caberia uma pergunta: será que o sofrimento e o prazer andam juntos assim como o amor e o ódio?). E ela sai do pranto e entra num estágio de êxtase, dando seguimento ao desfecho de um orgasmo delirante.(Principalmente nesta performance, a bela suíça Irène Jacob dá uma verdadeira aula de como deve uma atriz atuar). Do choro ao orgasmo, o paroxismo ardente e evidente.
O final enigmático atesta mais uma camada de significações, aqui acompanhado pela constante musicalidade, com o pressentimento dando conotações em sua obra. Sinalizando a importância desse final, o materialismo e o sensualismo fluem no cinema do autor de Não Amarás. E então Veronique apalpa uma árvore no quintal da casa de seu pai, numa síntese entre esses fatores. A mão dela que toca suavemente e acaricia o tronco da frondosa árvore é um sinal desta síntese mencionada. É como se ela estivesse se vendo num espelho e admirando seu lado sensual materializado.
Logo em seguida a bela música sempre presente, servindo agora de elo de ligação entre seus personagens: o pai e a filha. E, portanto, A Dupla Vida de Veronique termina brilhantemente com o destaque maior para a partitura musical sonorizando nossos felizes ouvidos
.
Bené Chaves