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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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segunda-feira, janeiro 30, 2006

Compartilho hoje com vocês do conto Dois Personagens, que faz parte do livro A Explovisão, lançado em 1979. Fiz algumas alterações e deixei-o menos longo. Espero que desta vez todos compreendam. E uma boa leitura.




DOIS PERSONAGENS


Verdade que amanhecera um pouco indisposto e mesmo chateado. Levantara-me e dirigira-me ao banheiro, estava com a cabeça parecia fogo. Não dormira bem, tivera um sonho estranho e inquietador. Lembro-me dele: existiam poucas pessoas no mundo. A civilização parecia se integrar quase toda de animais. Eram bichos de diversas qualidades habitando nosso planeta. Evidente que me perturbara com tal visão, sem saber, lógico, que estava sonhando. Mas, entrei no chuveiro e tomei um banho frio, antes fazendo minhas necessidades fisiológicas. Acredito que milhões de seres humanos (ou não) faziam o mesmo naquela hora. Homens, mulheres, crianças, homossexuais, hermafroditas, quase todos deveriam estar com a bexiga cheia àquele horário. Para mim, até acordar com o pesadelo, a vida estava morta. E também acordavam para os prazeres ou desprezares de uma existência. Uns para a falsidade, mentira, hipocrisia. Outros para a verdade, honestidade, apreço. Era a vida no seu dueto de valores. Cada um seguindo o caminho que achasse melhor para si. Uma espécie de rivalidade entre o Bem e o Mal.
Sei que tomara um pileque na noite anterior e resfolegava depois de uma ressaca braba. O certo é que não estava nada bem. Ou não seria o inverso? Minha cabeça confundia-se e via objetos rolarem dentro dela. Sentia também uma tontura de cair. E achei que seria melhor voltar para a cama. Então, dormi de súbito. Horas e mais horas... O sonho voltara com fervor, movendo-se dentro de mim. Diante da imposição, resolvi sonhar. E vi logo que aqueles animais se devoravam uns aos outros. Era uma peleja em que destruíam, além de seus semelhantes, o bem e o saber, a justiça e a verdade. Comiam palavra por palavra. Aí eu me inquietava, às vezes acordando e outras me deixando absorver pelo pesadelo. Ele parecia querer me abocanhar.
Mas, depois de um período longo, já não sonhava. Notei uma vasta nuvem escura pela janela que ficara aberta. Fechei os olhos e também, misteriosamente, a vi. Abri-me de pavor. Alguém, então, disse: meu rapaz, a vida é uma seqüência, todos nós fazemos uma peça, cada um que se vire melhor. Rebati: quem está falando? Houve um silêncio e observei aquela mesma nuvem jogar alguns animais ao chão, distanciando-se num vulto pequeno. Eram três horas da manhã quando olhei com nervosismo para o relógio. O céu se encheu de estrelas. Não existia uma só nuvem ao redor. Joguei-me na cama e dormi com medo.
O dia amanheceu bem claro, as pessoas pareciam amareladas, em cada face se sentia uma incerteza. Todas eram inconscientemente mecânicas, automáticas, como um ímã sem controle. Eu também teria de agir de duas maneiras, vivia duas personalidades. Saí e passei em frente a um cinema. Estava lá escrito no cartaz: Dois Personagens, uma fita com atores desconhecidos. Interessante é que a mesma falava num tal sujeito que vira animais caindo de uma massa escura sobrevoando o espaço. Desvie-me e decidi parar na casa de um amigo. Porém o sonho ainda me incomodava, queria apossar-se de mim. Flutuava na ambigüidade de vozes e inquietações. Fui embora numa correria desordenada.
Era noite e o universo incandescia, a lua estava cheia de uma iluminação cinzenta e de um aspecto meio triste. De repente senti pavor e o frio surgiu a espetar-me o corpo. Então o tempo começou a mudar. Seria a tal nuvem? Ouvi um sussurro e uma barulheira iguais a machadadas no tronco de uma árvore. Arrepiei-me mais ainda, pois uma massa negra pareceu dominar os impulsos de uma madrugada. Falava temeroso: quem está aí, algo fictício? A interrogação me deixou perplexo. E ela, aquela terrível nuvem negra, foi desaparecendo para alívio meu. Finalzinho da madrugada.
Torci, portanto, para que os fatos acontecidos fossem verdade. Porém, deveria estar sonhando.Mas, no sonho não vi nenhuma nuvem, apenas animais. Com certeza seriam duas personalidades que se avizinharam. Então batuquei: existiria alguma analogia entre meu sonho e minha realidade? Fui para casa e cheguei já com o sol raiando.



segunda-feira, janeiro 23, 2006

O OLHAR DA DESILUSÃO


Em conseqüência de Gupiara ter bons cinemas naquele tempo e antes da fanfarrice geral, pude eu, claro, ir além de uma ilusão. Teria maiores chances de ver a atriz Kim Novak. Lógico que aproveitei a ocasião de vê-la no escurinho das telas exibidoras. E a vi de corpo intero... Êpa!, mas, nada de seu corpo nu. Aí já estava querendo demais. Não houve nenhum atrevimento sensual na aparição da mesma enquanto durou jovem e bela na efêmera etapa dos cinemas da cidade. Somente de vez em quando um relance das belas coxas de fora (vide Meus dois carinhos, quando aparece ao lado do Frank Sinatra. Aliás, ela faria outra fita com o consagrado cantor em O homem do braço de ouro, muito bom filme do Otto Preminger). Lógico que me contentava com tal visão, porque, acima de tudo, as salas exibidoras eram, por enquanto, uma parte de minha vida.

No tempo em que me gabava desses sublimes momentos ocorria-me também de inúmeras outras atrizes perfilarem-se e desfilarem suas elegâncias e sensualidades, atraindo e causando desejo, não somente a mim, como a quantos estivessem a admirá-las. A única restrição que faziam era de que aquelas belas mulheres não se mostrassem libidinosas e despidas, visto que seria uma certa ousadia para o período. Tirante umas poucas, talvez casos raros, que arriscavam um ligeiro atrevimento de seus seios timidamente soltos fora da peça íntima, ou melhor, do sutiã. Mas aí já era safadeza de todos nós, meninos ansiosos por detalhes que despertassem mais ainda nossa efervescente libido.

Quanto a questões outras, sabia-se, evidente que sim, que eu exaltava tudo que se inclinasse de encontro à mediocridade, aquela então falta de grande valor que atingia a maioria, desde apresentações ridículas até outros casos que surgissem às escondidas. Quando se tratava de uma exibição que merecesse um olhar detalhado, não perdoava qualquer platéia moleca que de nada entendia. Tinha certeza do vexame de que a mesma poderia proporcionar. E ficava, então, puto da vida, pois estaria sujeito a escutar tamanhas disparidades. Eram demonstrações de desprezo que ninguém evitaria, fatos lamentáveis que presenciei algumas vezes. E na minha inquietude ficava torcendo para ir à forra com aquela cambada de ignorantes. Mas, nada disso acontecia. O certo é que eu não era mesmo de briga.

Outras ocasiões, no entanto, quando ia ver um filme sem pretensões quaisquer e com Kim Novak à frente do elenco, deliciava-me com a continuidade da paixão e quase não me incomodava com algazarras. Acho que ficava meio concentrado na imagem que via, seria uma higiene mental em assistir algo leve (vide Sortilégios do amor ou, então, O nono mandamento). E imaginava o que não poderia acontecer. E acho que a tristeza e a alegria invadiam meu ser. Seria a mesclagem de um desengano. Que me deixassem sonhar, viver! Que me deixassem viver, sonhar! Algum dia, porém, iria ter consciência e realidade (que chatice!) do momento lúdico que imaginava transgredir. Era coisa de menino besta mesmo, a transitoriedade em gestação. E aquele doce desejo me faria ir ao banheiro novamente. Seria um olhar a mais de uma desilusão.
ESPAÇO LIVRE


aforismo


homem x mulher.

desejos mútuos.

sexos indivisíveis.

o amor de te ter
será o mesmo que a
dor de te perder?

paixão x ódio.

vida x morte.

Bené Chaves



segunda-feira, janeiro 16, 2006

OUTRAS ILUSÕES


Diante do que ocorrera e do lindo sonho que tivera com a belíssima Kim Novak (sonho que me deixa até hoje suspirando), decepcionei-me quando vi uma realidade diferente. E dizia para mim: não aconteceria, claro, se fosse verdade. Fiquei ainda meio deitado na velha poltrona e fechei os olhos. Pareceu-me desejar outro contentamento, embora o ambiente já não o permitisse. Porém, em outra circunstância, no escurinho do mesmo cinema, vi verdadeiras aberrações. Eram casais indiferentes e jovens ociosos iniciando cenas picantes que iam de encontro ao levado à tela, numa demonstração inequívoca e inarrável à sensibilidade do espectador atento. Ficava, então, admirado de tais ocorrências inusitadas porque as presenciava bem pertinho de onde estava. E chegava a conclusão de que tudo podia acontecer dentro daqueles dois pequenos mundos. Fatos e também atos. De uma simples insistência e aproximação a uma pretensão maior de realizações sérias. Como também fora das telas e do pequeno espaço discorrido a vida poderia imitar a arte, a recíproca dispunha, evidente que sim, de um mesmo acontecimento. Era no caso de quando aconteciam supostos crimes e não se sabia ao certo quem seria o culpado. Inventavam um bode expiatório para a encenação. Seriam dois lados distintos com igual ocorrência.

Creio que não cheguei a nenhuma conclusão acerca da disparidade entre um fato verdadeiro que a vida obrigava a aceitar e o que acontecia em uma sala de projeção. Eram situações opostas, mas que poderiam ter acesso ou realizar-se no transcurso da existência. Não fazia muita diferença o que se relatava e o que se materializava, julgo apenas no que dizia respeito ao lado fantasioso da questão. Se em um filme você pode imaginar algo que nunca aparentemente iria acontecer, na vida real, claro, não existe o termo inverídico, pois tudo foi ou deve ser definido. E diante deste amálgama e das circunstâncias, ficava eu espantado e era levado a crer que o imaginário somava-se ao autêntico e marcava daí a fecundidade humana. Os acontecimentos, então, me ficavam familiares e pude me aproximar ou ter certeza de que se vivia numa rivalidade de valores.

O eterno duelo entre homens e mulheres (apesar de dizerem que se amam, embora também se odeiem), entre o doar e o receber, concluí, justapunha-se também ao mencionado aqui, ou seja, a uma miscelânea entre o fictício versus o verdadeiro. Assim era a vida, assim éramos nós. Era. Éramos. Somos. As disputas, portanto, se firmavam e se revelavam nos questionamentos alevantados. E como um tanto de nossa existência, Gupiara tinha a sina também de ser meio paradoxal. Entre outras referências, embora fosse uma cidade de porte pequeno, possuía cinco cinemas, número mais do que suficiente para sua proporcionalidade de então. Porém, contrariando o senso comum, ela aos poucos foi revertendo uma posição privilegiada, pois enquanto a cidade crescia, invertia e decrescia seu estado anterior, acarretando outra mudança para pior. E nós que vivíamos melhor naquela época de ouro aproveitamos sua instantânea oportunidade. Ah, Gupiara de meus amores! Você foi. Atualmente não é. Amanhã ninguém saberá quem seja.

ESPAÇO LIVRE

O MELHOR DO POLICIAL NO CINEMA

No dia 05 de fevereiro de 1995 a Tribuna do Norte publicava uma listagem dos 'melhores policiais do cinema' dentre 15 pessoas ligadas à sétima-arte. Eis, portanto, a relação final, a chamada 'seleção das seleções':

1. Um Corpo que Cai (Alfred Hitchcock, 58)
2. A Marca da Maldade (Orson Welles, 58)
3. M - O Vampiro de Dusseldorf (Fritz Lang, 31)
4. Acossado (Jean-Luc Godard, 59)
5. Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita (Elio Petri, 70)
6. Testemunha de Acusação (Billy Wilder, 58)
7. Festim Diabólico (Alfred Hitchcock, 48)
8. O Sol por Testemunha (René Clément, 59)
9. O Terceiro Homem (Carol Reed, 49)
10. Janela Indiscreta (Alfred Hitchcock, 54)
11. Chinatown (Roman Polanski, 74)



segunda-feira, janeiro 09, 2006

Este conto faz parte do livro Castelos de Areiamar (1984). Como sempre, tive de fazer algumas modificações e deixá-lo menos longo. Espero que tenha conseguido o intento. Uma boa leitura para todos.

AS COBRAS


Todos silenciaram.
Ele, então, levantou-se e balbuciou desconexo: milhares à sua frente. Apalpou os olhos com a dobra do fura-bolo e esfregou-os com força. Viu agora nítido e sobressalente.
- Estão prontos? - sua voz embargava.
Cansados, esperavam a resolução do homem, alguns anos ali depauperados e infelizes. Passou no corredor e os viu à porta, gritando encolerizados. Pouco a pouco conversava parado, no mais das vezes era ligeiro e decidido, fazendo olhar de repugnância.
Ajeitavam-se, vestiam trajes melhores, mangas compridas e calçavam sapatos de couro lícito, legítimo, usados. Vamos fazer o homem olhar para nós, diziam, enquanto se enfileiravam, paralelos, todos de chapéus entre os olhos.
Escovou os dentes e lavou o rosto, jogando a água suja no chão, depois botou o paletó e esmurrou o ar, abrindo a arcada postiça. Estava com sono. Pediu ao ajudante uma mesa e estirou os pés, unindo-os a um bloco empoeirado e a uma caneta no tinteiro seco.
- As anotações serão feitas - e meteu os dedos na folha.
O desfile, então, começou...
Esfregou de novo os olhos com o indicador e bocejou outra preguiça, o ajudante o olhando de soslaio. Um de cada, não pode mais - sentenciou. A cobra policrômica diminuía de tamanho, parecia engolida aos arrancos, estraçalhada sem piedade. As celas apelavam. O número era diminuto, não resolvia. Maior em tempo de engodo, aí sim, cada um de barriga cheia, embora somente poucos dias. A gente pode ir que o homem prometeu nos ajudar, dizia uma mãe com o filho agarrado ao seu vestido. A outra sentada e a criança no colo, cabeça enfiada no pescoço. Olhou desajeitada e sofrida, fazia sinais de desespero, esperando horas com aquelas grades dividindo o seu rosto. E o homem sozinho no birô a roncar adormecido com os braços encobrindo-o das visões.
No dia seguinte a sala desarrumada, acordara cedo e corria pro emprego. Um cafezinho ligeiro e corrigir as celas, fazer distribuições. Entregou depressa a mercadoria às vistas dos encarcerados. Ninguém conseguia colocar as mãos ali, ele obedecia a ordens superiores. Falou pro assistente que colocasse uma placa com dizeres enormes. Comprou tinta e uma tábua larga, começando a desenhar as letras: NÃO HAVERÁ..., mas desistiu, teria resolvido mesmo fazer as entregas.
A cobra era imensa, atrás e ao lado as sobras bem maiores. Tá é bonita! Quê? A cobra. Que cobra? Essa, homem, não tá vendo? Sim... Ela sempre não foi!... Boniteza aparente. Nos trajes e trapos dos outros. Ajeitaram os chapéus e assistiam ao desfile, um por um no corredor determinado. Porém o homem tava de mau humor, sua voz crescia e assustava todos. E a cada pequeno intervalo tirava uma soneca, encobrindo o rosto com os braços cabeludos. Que esperassem!, bufava feito um touro. Era uma criatura feia, uns faróis na cara que mais pareciam um fundo de garrafa verde. A careca reluzente se confundia com uma bola de bilhar nova. Infindáveis dias!
Muitos anos e ele ali sentado, a cobra diminuindo com vagar, o ajudante às vezes fazendo-a caminhar um pouco, cutucando sua cauda e rabiscando no papel. Ela desiludida depois de tantos sofrimentos. E as décadas passando... Que se danassem o resto!, disse no ouvido vizinho. O outro beliscando a ponta do nariz e rodopiando sobre si mesmo. Tudo parecia não passar de um equívoco, podia muito bem ver que estavam envelhecendo. Anos e mais anos e o mesmo serviço. Nesses longos períodos, mortos apareciam em quantidade no chão sujo a espalhar filamentos vermelhos no corredor. E ele entrava na sala ao lado e deitava-se numa emporcalhada rede, balançando-se entre dejetos. Dobrava, então, o seu-vizinho e o cata-piolho, deixando o maior-de-todos em posição ereta. Enfiava no buraco da fechadura. Tome!, bando de filhos da puta... - e sacolejava a mão com violência extrema.
Ante o socar do homem aquelas grades tremeram e a cobra aumentou e se esticou por conta própria, sem se saber a razão. A espera tornara-se insuportável e os outros ofídios se alargavam paralelos, numa policromia exuberante, aparente, belamente visível. Rastejaram o faro. Tudo continuava como antes, a fila sempre esperando do lado de fora. Nas grades, a continuação. Sentou-se e pegou a caneta, levou-a à folha. Escrevia: 1, 2, 3... E ao lado o nome e quantidade, a tinta se acabando. Chamou: Maria da Pureza!, o nome forte, rijo. E ridicularizou: esta daí só deve ter pureza no sobrenome, falando num tom baixo pro vizinho.
O desfile continuou até altas horas, recomeçaria... Os cachos longos, roupa nova a tricotear no salão. Os outros nas celas instáveis, troncos divididos. A pequena ração não alimentava quase ninguém. Apenas uma mínima parte fazia jus àquela manobra. Uma manobra eleitoreira. E as cobras voltavam com fome para o mato, seu habitat natural. Enroscavam-se entre as folhas a contemplar desprezadas e abandonadas as celas no estreito depósito. Os grossos cadeados impediam os espaços abertos. Arrastaram-se depois pelo úmido chão e sumiram-se, vingando-se dos olhos e chorando um choro amargo e sem veneno.

ESPAÇO LIVRE



DOÍDO AMOR


Tuas mãos pousam
como aves de rapina.
Rasgam meu corpo
na ânsia do amor.
Carnal e fatal.

E a louca paixão
devasta-me inteiro
liberta livres instintos
de um querer sofrido
um afeto estilhaçado.

Na ânsia de egoísmos
tua selvagem presença
nas minhas entranhas.

Bené Chaves



domingo, janeiro 01, 2006

OS MELHORES FILMES DE 2005


Neste início de 2006, numa postagem extra, divulgo minha relação do que de melhor vi no ano próximo passado. Curioso é que de todos os filmes relacionados apenas um foi visto na tela grande, ou seja, no cinema.(Quando ainda um dos shoppings de Natal mantinha a chamada 'sessão de arte' em horário noturno). Os outros restantes vi graças ao advento do DVD, pois nossa cidade ainda dificilmente exibe algo de valor nesta área. Pra se ter uma idéia, não existe mais nenhuma sala exibidora no centro ou imediações da cidade.(Saudades aqui do cine Rex, do Rio Grande, do Nordeste, do Rio Verde!). E as que existem em outro shopping apelam para, preferencialmente, o lado comercial. E como nem tudo são flores, perdi meu tempo com dois filmes ruins: Nove Canções e A mulher do Povo, este uma produção mexicana.
Gostaria de esclarecer um ponto: não listei três filmes importantes. São eles: Nuit e Brouillard (Resnais, 55), Week-end à Francesa (Godard, 67) e Assuntina das Amerikas (L. Rosemberg Filho, 75). O primeiro porque vi no original, ou seja, sem legendas. E, confesso, não pude avaliá-lo como devia. O segundo foi visto na televisão e também precisaria de revê-lo para uma análise melhor, tendo em vista tratar-se de Godard, cineasta de filmes sempre polêmicos. E o último vi em vídeo (numa oportunidade rara, já que a fita o Moacy Cirne trouxe do Rio de Janeiro em sua bagagem), numa única exibição, na Capitania das Artes, filme também merecedor de uma revisão. Mas, vamos aos destacados:

1. A Terra Treme (Luchino Visconti, 48)
2. O Processo de Joana D'Arc (Robert Bresson, 62)
3. Viver a Vida (Jean-Luc Godard, 62)
4. Cinzas e Diamantes (Andrzey Wajda, 58)
5. O Grande Golpe (Stanley Kubrick, 56)
6. O Retorno (Andrey Zvyagintsev, 03)
7. A Queda - as últimas horas de Hitler (O. Hirschbiegel, 04)
8. Lavoura Arcaica (Luiz Fernando Carvalho, 01)
9. Elefante (Gus Van Sant, 03)
10. Os Sonhadores (Bernardo Bertolucci, 03)
11. O Segredo de Vera Drake (Mike Leigh, 04)
12. Amor à Flor da Pele (Wong Kar-Wai, 00)
13. Antes do Pôr do Sol (Richard Linklater, 04)
14. Maria Cheia de Graça (Joshua Marston, 04)
15. Para Sempre Lilya (Lukas Moodysson, 02)
16. Contra Todos (Roberto Moreira, 04)
17. O Silêncio do Mar (Pierre Boutron, 04)

Bené Chaves