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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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segunda-feira, janeiro 09, 2006

Este conto faz parte do livro Castelos de Areiamar (1984). Como sempre, tive de fazer algumas modificações e deixá-lo menos longo. Espero que tenha conseguido o intento. Uma boa leitura para todos.

AS COBRAS


Todos silenciaram.
Ele, então, levantou-se e balbuciou desconexo: milhares à sua frente. Apalpou os olhos com a dobra do fura-bolo e esfregou-os com força. Viu agora nítido e sobressalente.
- Estão prontos? - sua voz embargava.
Cansados, esperavam a resolução do homem, alguns anos ali depauperados e infelizes. Passou no corredor e os viu à porta, gritando encolerizados. Pouco a pouco conversava parado, no mais das vezes era ligeiro e decidido, fazendo olhar de repugnância.
Ajeitavam-se, vestiam trajes melhores, mangas compridas e calçavam sapatos de couro lícito, legítimo, usados. Vamos fazer o homem olhar para nós, diziam, enquanto se enfileiravam, paralelos, todos de chapéus entre os olhos.
Escovou os dentes e lavou o rosto, jogando a água suja no chão, depois botou o paletó e esmurrou o ar, abrindo a arcada postiça. Estava com sono. Pediu ao ajudante uma mesa e estirou os pés, unindo-os a um bloco empoeirado e a uma caneta no tinteiro seco.
- As anotações serão feitas - e meteu os dedos na folha.
O desfile, então, começou...
Esfregou de novo os olhos com o indicador e bocejou outra preguiça, o ajudante o olhando de soslaio. Um de cada, não pode mais - sentenciou. A cobra policrômica diminuía de tamanho, parecia engolida aos arrancos, estraçalhada sem piedade. As celas apelavam. O número era diminuto, não resolvia. Maior em tempo de engodo, aí sim, cada um de barriga cheia, embora somente poucos dias. A gente pode ir que o homem prometeu nos ajudar, dizia uma mãe com o filho agarrado ao seu vestido. A outra sentada e a criança no colo, cabeça enfiada no pescoço. Olhou desajeitada e sofrida, fazia sinais de desespero, esperando horas com aquelas grades dividindo o seu rosto. E o homem sozinho no birô a roncar adormecido com os braços encobrindo-o das visões.
No dia seguinte a sala desarrumada, acordara cedo e corria pro emprego. Um cafezinho ligeiro e corrigir as celas, fazer distribuições. Entregou depressa a mercadoria às vistas dos encarcerados. Ninguém conseguia colocar as mãos ali, ele obedecia a ordens superiores. Falou pro assistente que colocasse uma placa com dizeres enormes. Comprou tinta e uma tábua larga, começando a desenhar as letras: NÃO HAVERÁ..., mas desistiu, teria resolvido mesmo fazer as entregas.
A cobra era imensa, atrás e ao lado as sobras bem maiores. Tá é bonita! Quê? A cobra. Que cobra? Essa, homem, não tá vendo? Sim... Ela sempre não foi!... Boniteza aparente. Nos trajes e trapos dos outros. Ajeitaram os chapéus e assistiam ao desfile, um por um no corredor determinado. Porém o homem tava de mau humor, sua voz crescia e assustava todos. E a cada pequeno intervalo tirava uma soneca, encobrindo o rosto com os braços cabeludos. Que esperassem!, bufava feito um touro. Era uma criatura feia, uns faróis na cara que mais pareciam um fundo de garrafa verde. A careca reluzente se confundia com uma bola de bilhar nova. Infindáveis dias!
Muitos anos e ele ali sentado, a cobra diminuindo com vagar, o ajudante às vezes fazendo-a caminhar um pouco, cutucando sua cauda e rabiscando no papel. Ela desiludida depois de tantos sofrimentos. E as décadas passando... Que se danassem o resto!, disse no ouvido vizinho. O outro beliscando a ponta do nariz e rodopiando sobre si mesmo. Tudo parecia não passar de um equívoco, podia muito bem ver que estavam envelhecendo. Anos e mais anos e o mesmo serviço. Nesses longos períodos, mortos apareciam em quantidade no chão sujo a espalhar filamentos vermelhos no corredor. E ele entrava na sala ao lado e deitava-se numa emporcalhada rede, balançando-se entre dejetos. Dobrava, então, o seu-vizinho e o cata-piolho, deixando o maior-de-todos em posição ereta. Enfiava no buraco da fechadura. Tome!, bando de filhos da puta... - e sacolejava a mão com violência extrema.
Ante o socar do homem aquelas grades tremeram e a cobra aumentou e se esticou por conta própria, sem se saber a razão. A espera tornara-se insuportável e os outros ofídios se alargavam paralelos, numa policromia exuberante, aparente, belamente visível. Rastejaram o faro. Tudo continuava como antes, a fila sempre esperando do lado de fora. Nas grades, a continuação. Sentou-se e pegou a caneta, levou-a à folha. Escrevia: 1, 2, 3... E ao lado o nome e quantidade, a tinta se acabando. Chamou: Maria da Pureza!, o nome forte, rijo. E ridicularizou: esta daí só deve ter pureza no sobrenome, falando num tom baixo pro vizinho.
O desfile continuou até altas horas, recomeçaria... Os cachos longos, roupa nova a tricotear no salão. Os outros nas celas instáveis, troncos divididos. A pequena ração não alimentava quase ninguém. Apenas uma mínima parte fazia jus àquela manobra. Uma manobra eleitoreira. E as cobras voltavam com fome para o mato, seu habitat natural. Enroscavam-se entre as folhas a contemplar desprezadas e abandonadas as celas no estreito depósito. Os grossos cadeados impediam os espaços abertos. Arrastaram-se depois pelo úmido chão e sumiram-se, vingando-se dos olhos e chorando um choro amargo e sem veneno.

ESPAÇO LIVRE



DOÍDO AMOR


Tuas mãos pousam
como aves de rapina.
Rasgam meu corpo
na ânsia do amor.
Carnal e fatal.

E a louca paixão
devasta-me inteiro
liberta livres instintos
de um querer sofrido
um afeto estilhaçado.

Na ânsia de egoísmos
tua selvagem presença
nas minhas entranhas.

Bené Chaves

por benechaves às 12:52