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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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sábado, março 31, 2007

O texto abaixo já saiu aqui em agosto de 2004. Estou publicando novamente para aquelas pessoas que não o leram ou o viram. Espero que tenham uma boa leitura.
O Princípio de todos nós


Tudo começou com invencionices, partindo da premissa de que o Universo foi criado em apenas uma semana. Se foi, nunca soube de outra tamanha engenhosidade.Mas, deixa isso pra lá. Afinal de contas todas as coisas não passam de símbolos, ilusões e desilusões. Sei, porém, que a caverna abrigou a geração precípua, o labrego, primeiros sinais de desenvolvimento e adaptação aos costumes terrestres.
As pedras apareceram, os insetos se acasalaram e os rudes se mesclaram. E surgiu, então, o homo-sapiens. Depois emergiu a estória de Adão e Eva. Mas foi tudo somente estultícia, porque o primeiro homem comeu -não literalmente - a primeira mulher, claro. E eles, Adão e Eva, nunca souberam disso.
Coisa de acasalamento dos tempos idos, selvageria de antanho, que, acho, não deve ser muito diferente da atual. Apenas diverge quanto ao meio ambiente.
Não é mesmo uma trapaça?
Daí surgiram novos povos, a linguagem tomou impulso e aprenderam a cultivar a terra. E o chafurdo iniciou.
Nada tenho a ver com feitos anteriores, suposições, superstições ou fés inabaláveis. Apenas acho que são calabouços que nos prendem ao infinitivo. Somos mesmos uns tontos a perambular algures, alhures, indefinidos e perplexos ante a magnitude de um Universo.
Enquanto digo isso, em lugares estranhos à nossa percepção visual, acontecem as mais esquisitas façanhas, manhas e artimanhas. Milhões de pessoas morrem de fome, existe guerra, autodestruições, desespero, desamor e, conseqüentemente, a não solidariedade ao próximo. E o ser (dito) humano, continuando a trair seus semelhantes em farsas, hipocrisias e delações.
O mundo, portanto, surgiu a emaranhar, a confundir e até a consagrar cousas, lero-lero e lousas. Daqui em diante nada sei, sei apenas que ele foi inventado e não criado.

ESPAÇO LIVRE
O amigo Lívio Oliveira (RN) comparece com o poema 'As mulheres que quero'. Compartilho, portanto, com vocês, dos versos do nobre poeta.

AS MULHERES QUE QUERO
(Lívio Oliveira)

Não quero mulheres em preto-e-branco,
nem em cinza.
Quero mulheres a cores,
mulheres com o brilho
das manhãs de sol
de Tabatinga
ou de Honolulu.
Mulheres que deitam
e dormem, de repente,
não se doam,
doem-se,
doença do tédio.
Quero as mulheres verdes,
mulheres cor-de-rosa,
mulheres azuis,
como o céu do sertão
do Cauaçu.
Quero a mulher que vibra,
a mulher com tremores,
a mulher sem pudores,
a mulher que me crava os dentes,
aquela que parte suas unhas
nas minhas costas.
Quero a mulher vital,
a fatal também,
mas mulher de tentos
e de tetas suculentas.
Quero a mulher-mistério,
a mulher que ri,
mas que guarda sempre
um ar de interrogação
e um segredo de mim.
Não aceito as mulheres
que não seduzem,
mulheres sem glamour,
mulheres sem fantasias,
mulheres sem música,
sem poesia,
sem uma gula impudica
que contamine
de desejo
todo ser amante.
Quero as mulheres
que não sejam só cérebro,
mas coxas entreabertas,
seios em órbita,
lábios em rosa,
coração explodindo,
champagne que explode
sobre seu corpo
e o meu.
Quero mulheres,
urgentemente as quero,
aquelas que me ninem,
como no primeiro dia,
que afaguem os meus cabelos,
que me façam dormir,
que me dêem o seu leite,
que me derramem seu vinho,
alimentando-me, loucamente,
de paixão.
Quero mulheres de sangue,
mulheres de luta,
mulheres que gritem
e façam irromper, no ar,
a força do seus sonhos,
dos seus vícios,
desejos, todos.
Quero as mulheres
que amem as artes,
mulheres supérfluas,
mulheres manhosas,
como gatas no cio.
Quero as mulheres
vivas,
loucas,
apaixonadas,
prontas para o escândalo
do amor.
Quero-as, todas,
desesperadamente.







sábado, março 24, 2007

VERSOS QUE CANTAM E ENCANTAM


De Alberto Marino/Alberto Marino Jr.:

Tão somente uma recordação
restou daquele grande amor
daquelas noites de luar
daquela juventude em flor
hoje os anos correm muito mais
e as noites já não têm calor
e uma saudade imensa é tudo
quanto resta ao velho trovador.



Obs. Alguns versos da música 'Rapaziada do Brás' composta pelo Alberto Marino em 1917 com apenas 15 anos. E somente em 1960 a melodia recebia letra do filho do Marino, o Alberto Marino Jr.


De Chiquinha Gonzaga (1847/1935):

Ó! Lua branca de fulgores e de encanto,
se é verdade que ao amor tu dás abrigo
vem tirar dos olhos meus o pranto
ai vem matar essas paixão que anda comigo.



Obs. Alguns versos da bela melodia 'Lua Branca' que a Chiquinha escreveu em 1912. Faz parte da opereta em três atos de Luis Peixoto e Carlos Bittencourt.

ESPAÇO LIVRE


SENSATEZ


Se todos os homens do mundo
oh, se eles soubessem...

Não haveria guerra
existiria sempre paz.
e vozes cantantes.

Um amor forte, audaz
que você se entrega
noite e dia.

A justiça triunfaria
sobre a casta e
suja confraria.

Então os pássaros
cantariam e fariam
os versos da harmonia.

Terias medo do inverso?

Oh, se eles soubessem!...

Bené Chaves



sábado, março 17, 2007


O conto abaixo faz parte do livro Castelos de Areiamar, edição de 1984. Tentei reduzir ao máximo para colocá-lo aqui, já que o texto original é um pouco longo. Não sei se consegui o intento. Espero não tê-lo tornado de difícil compreensão. Portanto, desejo a todos uma boa leitura.


OS PRISIONEIROS


O homem cochilava na mesa, sem respiração. Velas ornamentavam a estreita sala e choviam pingos de lágrimas estalando no piso frio. O ambiente era triste, cerimonioso. Fora, o céu se vestia de nuvens.
A vida sem atribulações, teria sido uma pessoa com uma visão incomum, um cidadão raro. Um mestre; magistral. Mas estava ali agora, inalterável. Rápidos olhares e deslizamentos no chão encerado, molhado. Desde a madrugada deitado, a mulher sofrera muito pra pegar o corpo ferido, sozinha e sem ajuda.
Trancou-se no quarto e em seguida jogou o cadáver nos pés da pobre. Dentro em breve a sentença numa tabuleta: "Não adianta, está morto. Colapso!". E fechou-se circunspecto. Ela ainda quase arrombou a porta a gritar palavrões, porém logo botou o homem nas costas e voltou aterrorizada.
A válvula entupira quando ele repousava, grãos de areia atirados naquele buraquinho, quem diabo fez isso?, justo quando o homem tava descansando... Houve o entulho! Logo ele que tinha consertado nesta tarde uma placa metálica!
Soluçando perto do caixão a mulher abarcava prantos saídos surdamente. Cochichos, risos, lamentações, conversas dali e daqui. Com desprezo deu um chute no banco e gritou um grito de pavor, alarmada, respirando fraca... Sufocada.
O padre chegou e rezou algumas preces, confortou os acreditados. O caixão saiu arrastado por mãos pesadas. Difícil suportar a situação, a miserável hora que lhe fora imposta.
Saí do trabalho às pressas, uma notícia ruim: "Seu amigo morreu, hoje cedo, ao acordar, sentiu-se mal e pronto". "Sem mais nem menos, assim, de supetão?". "Pois é, cara, isso mesmo". "Não pode ser, não acredito". "Nosso futuro é esse aí!", exclamou ele torcendo o pescoço e colocando-o em direção de um incerto caminho. "Um desperdício!", voltou a murmurar.
Cheguei perto e o vi com castiçais em volta, solitário. Ao redor, coroas de flores... Ao longe, sussurros abafavam ruídos. E uma mulher de roupa escura chorava ao lado, sofrida, ainda com raiva da realidade alterada. Ele, estirado, alinhado, cabelos penteados, barba feita, prontinho como se fosse a um passeio.
-Um buraco, a terra toda rombuda!, ouviu-se perto.
Não pensou nisso, a vida atarefada, obrigações, um trabalho mais exigido, pouco divertimento. Vida dura, mulher, vida dura. Pra morrer e pra viver o que a gente precisa é ajeitar as coisas, tá tudo desarrumado.
Balançando a rede, o menino gritou: "Pai, pai, vem ver, a bicicleta tá rodando, olhe...". Como ele não respondesse, o garoto saiu desinteressado a pedalar no terraço sumindo num ponto de luz. A casa escureceu.
O abafado lugar soltava uma fumaça e figurava uma cor de lodo nas faces presentes, o teto oferecendo uma réstia de sol enfraquecido. O caminho seria demorado, custoso, um corso forçado. Trepidante. A cama já pronta, à sua disposição, arrumada.
Milhões de curiosos ao portão, luzes e refletores incendiavam os carros. Uma faixa o saudava. Armado no interior, o palanque serviu para melhor se ver aquele momento súbito, definitivo.
Um cidadão de jaqueta escutou o seu nome e subiu, falou, desfalou. Depois outro e outro e mais outro. Estava cumprida a missão. Todos entreolhavam-se, cabeças escondidas, rostos no chão frio, duro, barrento. Varreu, então, uma ventania e cobriu suas caras.
O caixão foi abaixado e tapado com tijolos. Empurrado e colado com cimento, o cidadão era um prisioneiro. Lá no alto algumas estrelas olhavam a lua fazendo sua sesta. O frio corria pelos corpos. Coloquei meu casaco e fui o último a sair, distanciado, sozinho. Aguardei a pedra derradeira e a pá de cal escorregar lenta e macia no pedaço de mármore roído. Quando estava fora do alambrado desviei o olhar e dei um passo em volta: vi inúmeras flores, pálidas e despetaladas. Nasceria um jardim frutificado por frágeis raízes, roseiras tristes. E depois murcharia desmanchando-se em cinzas, um montão de lixo, coisas imprestáveis.
Nada mais, nada mais pra fazer no local, apenas divisar choupanas, luxuosas residências, casas simples e ruas vazias, infinitamente vazias.
- Nossa morada!... – e estiquei o dedo pra frente.
Dormiam fechados, tranqüilos e sem maiores atenções. Uma despedida para os que ainda não estavam com sono. Dormiam prisioneiros dos vivos.



sábado, março 10, 2007




O PESADELO

Vi-me de surpresa dentro de um sótão. Comecei a andar com um medo sem igual. Em um dado momento ouvi uma voz parecendo que estava a quilômetros de distância. E a mesma gritava para que eu fosse ao encontro dela. Depois escutava com se fosse um coro. O medo aumentava e queria correr e ficar encolhido no depósito. Era uma dúvida que chegava a arrepiar meu frágil corpo.
Em volta de mim tudo se esfumaçava, os corredores que via tinham o aspecto de uma tarde nebulosa. Ou de uma noite com pálidas luzes. Com o silêncio que se instalara, o local tornou-se algo pra lá de inquietante. Senti, então, que tinham fechado a porta atrás de mim e apagado a tênue iluminação que ainda restava. Nem via mais a pequena garoa anterior. Parecia que estava vivendo uma agitação sem fim.
De repente a voz ressurgiu forte e audível seguida de um coro que assombrava qualquer pessoa sensível. Eu já não suportava tanto barulho naquele pequenino compartimento. Levantei a ponta de um pé e o movi sem quase esperança de fugir dali. Fiz o mesmo com o outro e breve estaria me deslocando sem dificuldade. O coro soou com exaustão e comecei a correr. Pareceu-me que corria ao redor de mim mesmo. Algumas luzes se acenderam e vi, para meu espanto, milhares de pessoas ao meu redor. Perguntei o que desejavam. E assustei-me com a seca resposta.
Ao lado notei algumas grades que se enfileiravam paralelas. Homens e mulheres gritavam desesperados. Eram surrados sem compaixão. Aquelas chicotadas refletiam-se em minhas costas e doíam com a mesma intensidade. Nossos gritos se fundiam e um eco fazia-se ouvir na sua extensão. Mas, o que fiz? E a aflitiva indagação não surtia o menor efeito.
Todos permaneciam sisudos e apenas lambiam os beiços como se estivessem com uma bruta sede. A sede de matar. De súbito senti uma indisposição e um desmaio. Comecei a observar tudo embaçado e múltiplos rostos em cima de mim. Aquelas cabeças aumentavam parecendo mais uma avalanche sem piedade. Gritei e não ouvi o meu grito. Chorei e não vi minhas lágrimas. Nada saía de dentro de mim. Não controlava o meu corpo e nem a alma. Tudo desmoronava naquele minuto.
O sótão dava sinais evidentes de uma inundação. Estava suado, pingos d'água caíam em proporções alarmantes como se uma grossa chuva despencasse lá do alto. Consegui abrir os olhos e surpreendi-me com o absoluto silêncio. Nos corredores apenas as grades vazias e uma fumaça no ar. Nenhum ser vivo ou morto ao redor. Talvez, no exato momento, somente uma passagem interna fantasma. Mas, no canto ao lado vi um vulto se mexendo e caminhar em minha direção. Vai, caminhas para o corredor, disse ele com uma voz prepotente.
O sujeito conseguiu me levar para uma das grades e me trancar na cela. Achei que todos morreriam na ocasião, pois os pingos não paravam de crescer. Ninguém sobreviveria do inesperado infortúnio. E, em segundos, o ambiente se cobriria de uma água que mais dava a aparência de uma lama. Era o fim que eles não esperavam. Tudo se desmanchara sem razão.
No entanto ouvi uma voz longe que aos poucos se aproximava, entrecortada por multidões, corredores, algozes, fantasmas e coros... Alguém me chamava, porém fiquei sem saber se estava acordado ou dormindo. Não conseguia abrir os olhos e nem despertar ou desprender de onde estava. E a vida, por conseguinte, continuou sendo um pesadelo.

ESPAÇO LIVRE

DUAS NOTAS

Escrevi para a Embaixada da Polônia em Brasília para saber qual o primeiro filme sonoro realizado pelo cinema polonês e obtive a resposta seguinte:

1ª) - "Como primeiro filme sonoro considera-se 'Culto do Corpo' (Kult Ciala), de 1929, direção de Michal Waszynski, Polônia-Áustria, filme sonorizado em Viena, mas na Polônia apresentado em versão muda;

- 'Moralidade da sra. Dulska' (Moralnosc pani dulska), de 1930, direção de Boleslaw Newolin, primeiro filme com legendas contendo diálogos registrados em disco gramofônico;

- como primeiro filme no qual o som foi registrado diretamente na fita (registro ótico) pode-se considerar a obra intitulada 'Cada um tenho o direito de amar' (Kazdemu wolno kochac), de 1933, direção de Mieczyslaw Krawiccz e Janusz Warnecki.

Saudações

Setor Cultural da Embaixada do Brasil em Varsóvia

Almir Gonçalves"

2ª) - O nosso amigo Eduardo Gosson avisa que no dia 14 do corrente, ‘Dia da Poesia’, haverá uma palestra do Presidente da FUNCARTE, Dácio Galvão, sobre o POEMA PROCESSO – 40 ANOS, às 16 horas na Livraria AS Livros, que fica na av. Salgado Filho, próximo ao Natal Shopping.



sábado, março 03, 2007



GUPIARA VERSUS NATAL


Naquela noite de sábado saímos de outra reunião cineclubística, entramos numa rua transversal e fomos até quase o centro da cidade. Gupiara mostrava-se tranqüila, nenhuma anormalidade em seu trajeto. Decidimos parar n'A Palhoça, um bar simpático que ficava colado ao cinema Rio Grande. Iríamos tomar algo para molhar nossa garganta. O citado barzinho parecia-nos uma pequena capela, pois tinha uma espécie de passarela no centro e nas laterais diversos bancos e uma mesa retangular em cada compartimento. E num acesso de imaginação pensei que o santo poderia se juntar ao profano. Ali rezaríamos quase semanalmente. Era, no entanto, um culto ao copo cheio de um delicioso líquido amarelado. Ao contrário das mulheres, a cerveja que tomávamos só serviria se fosse bem gelada. Elas, se fossem cálidas. E por falar no sexo feminino, lembro agora de um episódio acontecido tempos depois em um litoral da cidade. Estava bebendo cerveja com alguns amigos, quando eu disse para eles: olha, cerveja é o contrário de mulher. Só presta bem geladinha. E um dos que estava na roda, na sua costumeira picardia, esbravejou um pouco já grogue: que nada, mulher serve de qualquer jeito! Todos, então, tiveram de concordar com a sublime sentença do cidadão.
Mas, voltando ao assunto anterior, decidimos tomar alguns goles de cerveja e logo em seguida irmos para a praia. Veríamos o profundo mar, que deveria nos servir também de uma espécie de terapia. Saímos pela Deodoro, contornamos a rua Mossoró e entramos na Prudente de Morais. Dali seguiríamos em frente até pegarmos a Nilo Peçanha com destino à orla marítima. Interessante notar que em todo este percurso o caminho era de uma serenidade que não vemos em Natal atualmente. Parecíamos donos de uma trilha naquela estrada de asfalto. Descemos uns batentes ao lado do Hospital das Clínicas e fomos parar em outro bar, desta feita de nome A Tenda dos Ciganos. Éramos realmente ciganos a compartilhar uma Gupiara ainda de paz e amor.
Já alojados dentro do pequenino bar podíamos ver o mar que se avizinhava com suas ondas a quebrar numa força estupenda. Existia pouca iluminação no local daquela praia em Gupiara, porém durava também a nossa despreocupação quanto a assaltos, mortes e roubos existentes em Natal atualmente. Uma cidade não combinava com a outra. Acho mesmo que Gupiara crescera e dera um nome diferente para uma urbe sem nenhuma característica ou peculiaridade da anterior. E estávamos nós a degustar alguma bebida acompanhada de um violão que detonava lindas músicas para nossos ouvidos. Tudo era tranqüilidade aos olhos de um oceano bravio que se afigurava perto dali.
Uns reclamavam a falta de mulheres, enquanto outros apenas enchiam os copos a cada minuto. De fato, o sexo feminino, ainda acanhado ou cismado em sair para algum divertimento, não aparecia, ficava entocado em casa talvez com medo dos pais e de uma sociedade ainda controladora. Mas, Gupiara tinha suas vantagens. E o lado proibitivo também seus méritos. Era uma façanha você se encontrar às escondidas com uma garota. A sensação e a libido se exultavam diante do inesperado, do não permitido. Ali, porém, naquela 'tenda dos ciganos' nós, homens, fazíamos a festa. Se é que possa parecer incrível, era o único bar da chamada orla marítima. Gupiara, aos meus olhos, não cresceria jamais. Ficaria como estava. A sua beleza era natural. O ser humano era menos desumano.
E no nosso aconchego momentâneo, um fato despertou atenção generalizada. Um dos amigos que bebericava em excesso teve um subido desvario. De repente saiu em disparada com destino ao mar. A maré estava cheia e ele simplesmente parecia correr numa maratona. Pegou-nos de surpresa. O que fazer? O jeito que teve foi ir disparado atrás do mesmo. Ficamos com medo porque poderia ter passado uma ronda policial e pensar que estivéssemos atrás de algum ladrão. Porém Gupiara não era a Natal de hoje. Você corria livremente sem medo. Atualmente você corre com medo sem ser livre. E o jovem atleta chegou ao seu destino: o mar. Acho que queria fazer uma catarse em seu corpo, invadir as águas e se curar do porre homérico que tomara. Ou, então, atitude de bêbado mesmo. Um existencialismo latente?
Conseguimos segurar o maratonista e o deitamos na areia de uma madrugada como sempre serena na Gupiara de nossos encantos. O estado etílico do amigo foi aos poucos melhorando. E ficamos com uma dúvida atroz: como também não estávamos sóbrios, ninguém ficou sabendo o real motivo da fuga ao mar. O certo é que terminamos dormindo ali mesmo na areia e diante de uma lua que circulava e circundava ao redor de nós. Em Gupiara podia-se dormir na praia, na areia de uma noite estrelada ou não. Essa era e apenas é uma das grandes diferenças de um tempo que se foi.
De manhã cedinho, o sol no alvorecer e crescendo dentre as colinas, todos já devidamente recuperados do pileque, pegamos o primeiro ônibus que apareceu e fomos tomar café com pão e tapioca no Mercado Público do centro da cidade. Embora fosse domingo ele abria as portas para atender sua freguesia à procura de mantimentos.
Ah, Gupiara de meus amores... Ah, Natal de minhas dores...

ESPAÇO LIVRE

O poema abaixo faz parte do livro 'Cinzas ao amanhecer' e é uma homenagem póstuma a um primo meu que se encantou precocemente. Aquele mesmo que saía comigo à procura de divertimentos na nossa adolescência e pré-adolescência e que foi relatado aqui quando publiquei os tais 'alumbramentos'(vide arquivo).
Espero que tenham uma boa leitura.



REMINISCÊNCIAS

In memoriam Itamar Chaves, primo.

Ah, saudades daquele tempo...
de meus carnavais
nossos ancestrais
vida fácil e inocente.
O mundo não traz jamais.

Saudades da infância
indócil idade de ânsia
das imensas partidas
purezas perdidas.
Lindas moças inibidas.

Ah, que saudades...
de amizades sinceras
nossas escorregadelas
aquelas loucas querelas.
Tolas e singelas.

Infinitas saudades...
da puta donzela
deitada
em pé
nua
vestida
paradoxal e bela.