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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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domingo, fevereiro 27, 2005

OITAVOS ALUMBRAMENTOS



O itinerário romântico ao encontro daquelas meninas-moças se repetia diariamente, ficando eu e meu primo ansiosos que chegasse logo a oportunidade da visita amorosa, visto que nossos pais, sempre à mesma hora, estavam naquele bendito sono, só perturbável se algo de grave acontecesse. E era evidente que torcíamos para nada ocorrer no esperado intervalo. Porém, mesmo assim, teríamos de ter o máximo de cuidado na astúcia almejada. E quão bela astúcia! Enquanto a idade delimitasse que fosse desse jeito, naquele estertor imberbe...

Acho que meu namoro com Alba não era nada sério, que pudesse ter desdobramento futuro, apenas um mero passatempo inerente da idade. Ah, que bela idade a da adolescência! Na impetuosidade de meus instintos sentia-me com uma força inabalável, capaz de uma proeza e um fulgor fora do comum no estágio de minha existência. Diante disso, também não encontrei aquela linda morena por acaso, pois tive, com certeza, os méritos da conquista, modéstia à parte. E no início de uma juventude, quem não se atreveria a um contato direto com a ebulição do sexo oposto?

A garota de meu primo, que morava na rua paralela à da minha, tinha o belo nome de Mirtô. Era uma jovem bonita, com uns cachos loiros sobrando-lhe na face e caindo até sua cintura. Seus olhos azuis faiscavam como fagulhas no reflexo de um dia de sol. Não deixava de ser uma tentação também para mim. E as duas ficaram, portanto, à nossa disposição naquele redemoinho e agradável desassossego. Lógico, cada um com sua parceira conquistada. Uma morena e uma loira. Duas beldades em plena luz solar.

Então, tive um começo perturbado e gostoso na fase inicial e amorosa, com a morena cobiçada e que logo deu desejos sôfregos à primeira iniciativa e pretensa insinuação com o sexo feminino. Alba era uma menina bem nutrida, como já a descrevera antes, com tudo praticamente desenvolvido, bom... Tudo que eu pudesse ver. E haja inquietudes! Sabia, contudo, que a época não seria fácil, teria de existir uma explicação para determinados momentos.

Fazia-se ou desfazia-se qualquer atitude nas presenças dos pais ou responsáveis, a não ser quando tais impulsos fossem realizados às escondidas. Ficava, portanto, uma sensação de expectativa carinhosa e divertida, porque as garotas quase sempre fugiam de responsabilidades para se encontrarem conosco, o coração dos dois a palpitar substancioso e apressado. E tais meninas-moças com medo de uma repressão e repreensão da parte de seus progenitores. Mas, valiam as escapulidas...

ESPAÇO LIVRE

Eis uns versos que apanhei (com a devida permissão) de Lugar de Estórias (Edições Bagaço, 2003), livro do contista natalense Bartolomeu Correia de Melo:

Sete vezes fui casada
com sete homens vivi.
Sete vezes enviuvada,
de casar não desisti.
Sete vezes sete anos,
com sete juntei os panos;
sozinha, pouco dormi.
Pois decifre com cautela
como ainda sou donzela,
do jeitinho que nasci?

Mulher sincera e decente
Por natureza, pudica,
sendo devota e temente,
palpito que sinha Chica,
como a escritura indica,
tudo faça pela frente.
Não fazendo diferente,
a resposta se complica.
Pois, aquilo que inquiriu,
só outra questão explica:
Vosmecê não tem xibiu
ou eles não tinham pica?!...




quarta-feira, fevereiro 23, 2005

SÉTIMOS ALUMBRAMENTOS



Gupiara, aos poucos, ia perdendo todo seu encanto e entusiasmo, nunca mais voltaria a ser como era, agora parcialmente entregue a autoridades insensíveis e corruptas (aliás, uma característica inerente a alguns mandatários), que estavam fazendo dela uma amostragem de metrópole. Seleção feita, infeliz das mentes, através de atos demagógicos e perdulários, em detrimento da própria cidade e sua população. Quem duvidar do questionamento favor verificar in loco, na periferia da mesma. Ali na certa encontrarão verdadeiras aberrações de uma (sub) vivência semelhante, imunda e carente em todos os sentidos. O exato termo já diz da precariedade aviltada.

E o pior é que se tinha de suportar seus desatinos e desconcertantes jorros de imundícies, os chamados grandes danos contra aquela urbe em crescimento. Era uma situação de mal-estar que não se deveria, grosso modo, culpar ninguém, visto que as partes se imbuíam de argumentos ilibados, malgrado as tentativas contrárias. Apesar de tudo, tudo foi um pesar. E as situações ou valores seriam feitos ao gosto de um contragosto.

Painhô continuava na sua rotina normal e fizera sociedade com um irmão que resolvera se instalar em Gupiara. As famílias, então, aparentemente, se uniam. Fiz logo amizade com um primo mais ou menos na mesma faixa etária que a minha. (Eita tempo bom!, época promissora que se podia ter liberdade no ir e vir, na ebulição e transitoriedades próprias e necessárias daquele estágio da existência. Retrilhar passos, repassos e antepassos). Foi daí que saíamos à cata de namoradas. Acho que devo ter conhecido Alba neste período, já que meu primo era mais extrovertido e conhecia algumas garotas de ocasião. Talvez tenha sido por aí...

Contudo, o mais estranho era a hora que saíamos para namorar. Enquanto nossos pais dormiam a sesta de depois do almoço, sumíamos no carro de meu tio e lá íamos nós com meu primo ancho a dirigir o automóvel fazendo pose de galã e tudo. Era o tempinho (que eles tivessem um bom sono!) que sobrava para flertar tais meninas, ávidas, também, lógico que sim, daquele encontro furtivo. O horário não tinha nada de saudável, pois doze e meia do dia o sol estava bem presente a esquentar nossas temperaturas já aquecidas. E sabíamos que a hora acabaria dentro de sessenta minutos, ocasião em que teríamos de voltar para não sermos apanhados em flagrante delito. Portanto, mãos a obra... Elas que nos esperassem naquele tempo quente, pois creio que o calor fazia ainda mais despertar nossas libidos na instantaneidade iniciada.

ESPAÇO LIVRE


QUATRO DÉCADAS


Vejo-a após quarenta anos
rosto engelhado, enodoado.
A menina-moça de outrora?
Pesadelo na usada visão
apenas o olhar de memória.

Comparo-a na velha foto
alegre do áureo passado.
Da púbere presença?
Invasão de meu débil ser
sentida e juvenil ausência.

Quero-a então para mim
lembrando o resíduo de
uma saudade sem fim.


Bené Chaves



sábado, fevereiro 19, 2005

O ADEUS DE TIA CHICA


Nem só de alegrias e flores vive-se nesta vida. Aliás, vive-se mais de tristezas e acontecimentos inesperados. Se bem que as flores nos acompanham tanto no nascimento, no decorrer da existência quanto também na morte. Este era um capítulo que não queria contar, mas não devemos apenas relatar fatos alegres, que são poucos, porém também acontecimentos que, infelizmente, nos entristecem. Apesar de que procurarei reviver somente os bons momentos de uma convivência que se fez salutar durante algum tempo.

Tia Chica nos contou, certo período, que chegou em Gupiara com idade pequena. Criou-se debaixo de pés de pau, não tinha uma casa razoável para morar. Estudo? Nem pensar. Seria remota qualquer possibilidade. Era pobrezinha como meninos ou meninas que pedem esmola, sem a mínima condição. Situação parecida com a de milhões de indivíduos atualmente, pois a vida traz ângulos semelhantes entre pessoas ditas desconhecidas. E era uma concepção evidente no vale de infortúnios em que estavam.

Tia Chica, então, cresceu em Gupiara e viveu sua adolescência vã nos arredores da cidadezinha ainda desconhecida. Inclusive depois andou inventando estórias sobre o homenzinho dos diamantes. Lembram-se? Ela mesma aprendeu a soletrar os livros de sua arte, a culinária. Na época, não dava trégua. Quis também arrumar um homem pra sua vida, embora só conhecesse cachaceiro e aproveitador. Recebeu muitas cutiladas. Rezava muito, não queria ficar solteirona. Contava-nos isso e começava a rir. Porém, a sorte (ou azar?) de conseguir um casamento lhe foi ingrata. Esperou horas, meses, anos. Desanimou, voltou cabisbaixa, acabrunhada. Daí conheceu Mainhô e foi cuidar dos filhos dela.

Só posso lembrar dos dias felizes da preta velha. Como naquela tarde em que foi sozinha para a sala e cantou uns acordes falsos no violão que Painhô deixara no sofá. Com o rabo do olho a vi valsando e balbuciando, transformando-se numa bela dançarina. Parecia pisar em ovos, suspensa, compasso perfeito. Uma alegria descomunal traspassava sua face suada, o recinto pequeno para o giro do gordo corpo. Imagine que nesta tarde ela deixou a panela pegar fogo. Ou melhor: a comida. E a janta, acho, fora adiada. Mas, Tia Chica não ligou, ela nos alimentara com as letras da sublime música. Ficamos fartos, foi uma festa, talvez a última descontração dela nesta vida.

Assim foi a preta velha, assim eu a tenho nas minhas lembranças. Teve, a favor de si (ou contra?), o fato de ter ido embora na velhice, embora, creio, esta etapa da existência não fosse nada agradável.

Há quem não acredite, mas de tempos em tempos aparece a figura de um predestinado. Tia Chica foi desse jeito na área da culinária, uma predestinada. Era uma mestra. E eu fico com lágrimas nos olhos ao terminar tal relato. É o meu sentimento que carrego dos seres bons e que deram sempre prazer quando estavam vivos.
ESPAÇO LIVRE



MARTÍRIO


A vida nos faz órfãos
não da ausência de pais
mas da presença e ainda
temporalidade existencial.

Ela arrebenta o ser
que temos em nós.

E triunfal segue
aniquilando-nos


Bené Chaves



terça-feira, fevereiro 15, 2005

SEXTOS ALUMBRAMENTOS


Numa fase intermediária de minha adolescência, aí em torno dos treze aos dezesseis anos, comecei uma espécie de informação e conhecimento do sexo em si.Claro que nossa mente fervilhava de uma curiosidade sem-par. Então, andava junto com amigos da época nas chamadas zonas da cidade, que eram os cabarés do período, locais onde se podia visitar as putas e se deliciar naquele prazer momentâneo. Ou uma notável indiscrição em conhecer as duas facetas, tanto as mulheres de vida mundana, como também os lugares chulos onde se empenhavam nas suas labutas diárias.

Elas eram tratadas como putas mesmo, visto que somente depois melhoraram a nomenclatura e foram reconhecidas como prostitutas, o que na prática não mudava em nada. Pois é, as mulheres de vida difícil, que impropriamente seriam apelidadas de vida fácil, eram obrigadas a vender o corpo em troca de uma sobrevivência nada exemplar. E a gente, sem querer, contribuía para que o problema se agravasse, porque só pensava nos impulsos espontâneos da idade e na vontade de apreender e aprender os primeiros passos púberes do sexo.

Nesse ínterim, Gupiara queria fazer-se desigual, mas ia crescendo um tantinho aqui e outro acolá. Sempre ajudada de uma habilidade maliciosa neste lugar e também naquele outro. Lógico que com as mesmas pessoas começando a mandar, tanto perto como também ali distante, num total predomínio de uma facção ou grupo. Era, pois, uma perfeita engrenagem que dariam à sorte ou azar (que fado, que fado...) da cidade. E, evidentemente, ao futuro daqueles indivíduos e de quantos desejassem seguir suas pegadas. Assim caminhava Gupiara... Pra onde, em boa ou má direção, não interessava. Sabia-se que iria e seria gostosa, apetecível. Para os que quisessem devorá-la e degustá-la com gulosa fome.

Mas, com o passar do tempo, me preocupava mais e mais aquela sina ajudada e muito pela corruptela insidiosa e mudança de feições. Inclusive, desinclinada (ou inclinada?) para esquivos e sabidos arroubos delituosos. Apre! Irra!... E, entre uma coisa e outra, fui deixando de lado minha disposição para as bisbilhotices, gozos ou prazeres curiosos e desejando, sobretudo, me apegar também às garotas virgens que certamente surgiriam.

Portanto, prioridade número um: meninas. Número dois: moças. E número três: donzelas. Quer dizer: todas as precedências tinham um único objetivo: mulheres. Foi daí que vim a conhecer Alba, ela que seria a primeira menina-moça com quem tivera um contato mais íntimo, talvez até sonhos de olhos abertos (ou fechados), desses que nos levam às fronteiras de um êxtase pleno e absoluto.

ESPAÇO LIVRE



CONCUPISCÊNCIA



Há no teu olhar
o sorriso do amanhã
a quietude da paisagem
teu sexo voraz e audaz
a inquietude da miragem
o flexível clima que
enaltece a paz.
Há a certeza sobretudo
do teu amor capaz de
se doar ao extremo
como bênção sem deuses.

Quero-te a ti antes
de querer-te a mim
e possuo-a como mulher
isenta dos contos de fada.
Bené Chaves



quinta-feira, fevereiro 10, 2005

QUINTOS ALUMBRAMENTOS


Cresci com a própria Gupiara e com ela me criei. No início tudo mostrava uma aparente inocência e suposta pureza. Estudei, comentavam, em bom colégio, que se dizia católico, apostólico e romano, muito embora não entendesse a designação eclesiástica ora formulada. Preferiria que dissessem católico, apostólico e gupiarense. Quem sabe talvez fossem desígnios e terminologias do misticismo, essas coisas estranhas para minha compreensão do momento... Mas, desde já, a gente notava um falso moralismo e outras querelas de quantos dirigiam aquela casa educadora, que, com toda exatidão, também se estenderiam a diversas instituições. Seriam indícios de esperteza se avizinhando?

As questiúnculas, evidente que sim, permaneciam e nada se podia fazer, pois meu lado adolescente pesava mais forte. Ou seja: não tinha força alguma para tentar melhorar a situação. E claro que não era pra ser diferente. Ficava, portanto, um ar melancólico na face de quantos entendessem melhor tal conjunto de circunstâncias. Aí sim é que eu queria ver quando chegavam (alguns instruídos) a falar textualmente: aquilo era mais profissionalismo do que religiosidade. Os padres visavam, paradoxalmente, o lado material da questão. E como visavam!

Tudo isso era pior pra quem não tivesse um aceitável padrão de vida. Porém, eles concordavam de bom gosto e adotavam o regime de internato para os filhos de famílias ricas que moravam em cidadezinhas próximas ou distantes de Gupiara. Somente elas poderiam pagar e se amoldar aos critérios de então. E aqueles meninos migravam para a urbe em crescimento e daí em diante teriam, lógico, uma formação de bom grado às normas rígidas do colégio. Seus pais, homens prósperos da área rural, faziam de tudo pela educação dos mesmos. Em outras palavras: o sacerdócio, aos poucos, ia se tornando um ofício, inclusive levando-se em conta que a grana cobrada pela estadia seria um absurdo às pretensões de famílias não abastadas. Era o começo da força do dinheiro sobre todos nós... Eita porrada segura!

Portanto, fui crescendo nesse diapasão. E, na medida do possível, tentando me adaptar aos costumes dessa existência de incertezas.(Apesar de minha contínua incredulidade). Também de muita ardileza, claro, no sentido próprio do substantivo. No final de tudo, seria uma vida de arreganhos. De qualquer maneira (e com maneirismos), tentei viver minha pubescência e adolescência. Boa ou má, mas arrisquei. E continuei na luta, desde que sempre procurando combater o lado ruim de uma sociedade em permanente (des) construção. Afora, óbvio, da mesma forma, o aspecto amoroso que será continuado no transcurso narrativo.


ESPAÇO LIVRE



RUPTURA



A distância de idade
faz entristecer
sem poder tocá-la
amá-la
querer.
Na ilusão perdida
meu jovem olhar.
A desesperança
humana de doar.

A minha e tua
curta existência
não poderá quebrar
diferente diferença?


Bené Chaves



quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Aproveitando esses dias de carnaval abro novo parêntese e compartilho com vocês de um conto meu que foi publicado pelo jornal natalense Tribuna do Norte em 20/05/84, obviamente revisado, mas com sua essência preservada.



PEQUENA NARRATIVA AO ACASO


Dizia em alto e bom som que todo ser (dito) humano era supostamente de mau temperamento, e, portanto, ficara visível que não ia com a cara de tais pessoas. Não que elas tivessem feito algo de errado com nosso ilustre cidadão, mas, de qualquer maneira, detestava lousas e cousas. Também sentia que as ditas cujas eram instrumentos da vida / vivência, lógico que não tinham culpa alguma do modus-vivend tradicional e convencional. A não ser aquelas que se enquadravam como sabidas e bem nutridas, ambiciosas, vaidosas e individuais. Sabia que a civilização dessas lousas e cousas impedia o conjunto de mudanças no curso do tempo. E em um quadro-negro existente, traçava o perfil dos homens sábios que tiveram visões de um mundo melhor. Parecia assemelhar-se aos próprios.
Então, o amigo interlocutor teve uma idéia genial: montar um humilde jornaleco e distribuir sua primeira edição entre os habitantes do lugarejo. Era um idealista, tarefa difícil nesses anos de caos... Sei apenas que disseram que tudo não tinha sentido, talvez fosse até um ato subversivo, indo de encontro aos bons costumes do pequeno lugar. O ambiente fervia e luzia de descontentamentos. Rostos atemorizados, passos assombrados, mediocridades espalhadas, pois, dizia ele, quanto mais parvo fosse o povo, nada pra ele de novo.
(Nuvens flutuavam sem que a gente conseguisse ver o céu e negligenciavam sob um universo opalino. E ele, o céu, vestia-se de grossos agasalhos para, evidentemente, não morrer de frio. Embora a gente soubesse que o mesmo poderia se desnudar a qualquer momento).
E depois, nosso intrépido amigo viu muita gente brigando sem justa causa, matando-se por migalhas, a violência ferindo corpos e retinas dos homens cultos e perseverantes. Teve medo do mundo lá fora e acolheu-se silencioso, somente a pensar no desdobramento daquela infértil reação. Deduziu com seus redondos botões: temos algo a fazer quando não pactuamos o lado inútil da questão. Escancarou a janela e ficou a pensar sobre as conseqüências de uma vida sem fulgor.
A noite se agitava e estrelas jogavam-se umas às outras, como se estivessem a gritar impropérios e a xingarem-se mutuamente. As mais fracas caíam no mar batendo-se com exaustão, enquanto as triunfantes se orgulhavam a luzir belas e vaidosas. Decerto era um aforismo dado pelo Cosmo... E imaginado pelo eminente e pertinaz observador. Conseguiríamos entendê-lo no seu profícuo pensamento? O anverso do verso?
No dia seguinte a cidade teria amanhecido circunspecta, afinal todos ainda iriam enfrentar qualquer situação nova. Chegou-se à conclusão de que o ser humano (ou não) era uma vítima de sua própria engrenagem. E se existiam os oportunistas, corruptos, sabidos ou de índoles desonestas, eles talvez fossem uns pobres-coitados. Ou melhor: uns ricos-coitados. A culpa estaria certamente no sistema, que era um tema e lema torturante no mecanismo de uma sociedade sem princípios. E o citado cidadão tinha consciência disso tudo, mormente quando mostrava a predisposição para esse tipo de coisa, ou seja, maleável aos acontecimentos surgidos. Ele cresce e convive ali, tem, portanto, que participar. Era um destempero de que não poderia fugir.
Enquanto falava meio convicto, tinha quase certeza daquilo que dizia, pois era evidente que manifestava uma visão melhor do que a nossa. Claro que sabia das intempéries, amolações e fuxicos, manhas e artimanhas. E diante da esperteza que atingia já o clímax, de conluios e arranjos, acordes e acordos, besteiradas diárias, disse para si mesmo e como última instância: tudo parece, nos fins e afins, uma bobice indissolúvel.
Foi dormir pensando o que nos traria o dia seguinte...



ESPAÇO LIVRE

Mais uma vez o nosso amigo Horácio Paiva manda um bonito poema. Ei-lo:


PAREDES
falaram-me que tendes ouvidos
e que muito bem ouvis
os segredos revelados


isto eu já sabia


não me falaram porém de vossos olhos
que vêem o que não vemos:
o infinito


e de vossos lábios claros
que melhor sabem beijar
em silêncio