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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
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a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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sábado, fevereiro 19, 2005

O ADEUS DE TIA CHICA


Nem só de alegrias e flores vive-se nesta vida. Aliás, vive-se mais de tristezas e acontecimentos inesperados. Se bem que as flores nos acompanham tanto no nascimento, no decorrer da existência quanto também na morte. Este era um capítulo que não queria contar, mas não devemos apenas relatar fatos alegres, que são poucos, porém também acontecimentos que, infelizmente, nos entristecem. Apesar de que procurarei reviver somente os bons momentos de uma convivência que se fez salutar durante algum tempo.

Tia Chica nos contou, certo período, que chegou em Gupiara com idade pequena. Criou-se debaixo de pés de pau, não tinha uma casa razoável para morar. Estudo? Nem pensar. Seria remota qualquer possibilidade. Era pobrezinha como meninos ou meninas que pedem esmola, sem a mínima condição. Situação parecida com a de milhões de indivíduos atualmente, pois a vida traz ângulos semelhantes entre pessoas ditas desconhecidas. E era uma concepção evidente no vale de infortúnios em que estavam.

Tia Chica, então, cresceu em Gupiara e viveu sua adolescência vã nos arredores da cidadezinha ainda desconhecida. Inclusive depois andou inventando estórias sobre o homenzinho dos diamantes. Lembram-se? Ela mesma aprendeu a soletrar os livros de sua arte, a culinária. Na época, não dava trégua. Quis também arrumar um homem pra sua vida, embora só conhecesse cachaceiro e aproveitador. Recebeu muitas cutiladas. Rezava muito, não queria ficar solteirona. Contava-nos isso e começava a rir. Porém, a sorte (ou azar?) de conseguir um casamento lhe foi ingrata. Esperou horas, meses, anos. Desanimou, voltou cabisbaixa, acabrunhada. Daí conheceu Mainhô e foi cuidar dos filhos dela.

Só posso lembrar dos dias felizes da preta velha. Como naquela tarde em que foi sozinha para a sala e cantou uns acordes falsos no violão que Painhô deixara no sofá. Com o rabo do olho a vi valsando e balbuciando, transformando-se numa bela dançarina. Parecia pisar em ovos, suspensa, compasso perfeito. Uma alegria descomunal traspassava sua face suada, o recinto pequeno para o giro do gordo corpo. Imagine que nesta tarde ela deixou a panela pegar fogo. Ou melhor: a comida. E a janta, acho, fora adiada. Mas, Tia Chica não ligou, ela nos alimentara com as letras da sublime música. Ficamos fartos, foi uma festa, talvez a última descontração dela nesta vida.

Assim foi a preta velha, assim eu a tenho nas minhas lembranças. Teve, a favor de si (ou contra?), o fato de ter ido embora na velhice, embora, creio, esta etapa da existência não fosse nada agradável.

Há quem não acredite, mas de tempos em tempos aparece a figura de um predestinado. Tia Chica foi desse jeito na área da culinária, uma predestinada. Era uma mestra. E eu fico com lágrimas nos olhos ao terminar tal relato. É o meu sentimento que carrego dos seres bons e que deram sempre prazer quando estavam vivos.
ESPAÇO LIVRE



MARTÍRIO


A vida nos faz órfãos
não da ausência de pais
mas da presença e ainda
temporalidade existencial.

Ela arrebenta o ser
que temos em nós.

E triunfal segue
aniquilando-nos


Bené Chaves

por benechaves às 18:12