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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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domingo, janeiro 30, 2005

QUARTOS ALUMBRAMENTOS


Desde o momento que conheci Alba, uma enorme euforia tomou conta de mim, o corpo tremia quando olhava aquele morenaço de olhos verdes a acariciar-me às vezes somente as mãos, outras vezes o meu imberbe rosto. E meditava sobre um possível e talvez sério relacionamento.

O homem, de um modo geral, pensa e tenta se firmar como uma pessoa capaz de obstáculos talvez até inacreditáveis. A mulher, por sua vez, sensível e maternal quase sempre, muito embora, com raras exceções, um pouco difícil de se entender, procura conciliar supostas exacerbações e, então, assenta-se como uma companheira leal. Mas, em outras ocasiões, dá-se justamente o contrário. E a recíproca fica num vai-e-vem danoso, a chamada infindável e insondável intermitência de valores. Por isso mesmo, seria imprevisível qualquer união ou desunião de pensamentos.

Eu e Alba éramos ainda jovens, não tínhamos noção alguma de um perigo maior que pudesse se avizinhar. Portanto, a insistente pergunta: poderíamos enfrentar situações vexatórias e contraditórias contanto que permanecêssemos juntos um ao outro? Não sabia até onde iria o presente devaneio, mas o meu intento era tão somente viver aquela fantasia, fosse ela duradoura ou não.Coisa de menino besta e ansioso para arrebatar uma libido que florescia na viçosa idade. E acho que a recíproca também era verdadeira, embora castrada pelas normas repressoras do sexo feminino.

A vida era assim mesma... Que ninguém duvidasse dela, pois a própria entortava e retorcia do jeito que quisesse, se fazendo senhora de suas determinações e deteriorações. Ela antevia as destrezas e pústulas, contudo também as pusilanimidades de uma existência. Dizia-se que vivia em constante mistura consigo. E, claro, com os outros em geral. Era uma vida arrevesada, não sei, contudo, se arrevessada. Diante, no entanto, de tantas indefinições, todos ficam indignados com a mesma, vendo-a passar aleatória ante circunstâncias e circunvizinhanças. Seria uma natureza determinante ou certa força energética, absoluta? Pois sim!, pois não! Sim! Não! Pois! Senão?

Eu não me incomodava com deliberações existentes e estabelecidas sejam lá por quem. Minha idade não permitia. Queria apenas levar adiante aquela paixão adolescente e efervescente. Que fosse pro diabo qualquer resolução em contrário! Seguia uma conceituosa e ambígua definição de Painhô: o essencial da vida existia pra se comer (literalmente ou não) mesmo, não via necessidade de me necessitar.


ESPAÇO LIVRE



INVERSÃO DAS COISAS

Amanhecerei desfeito em cinzas?

Amanhã serei invisível...

Anoitecerei um outro ser?

À noite serei um fantasma...

Amanhecerá uma bela alvorada?

Amanhã será um novo dia...

Anoiteceria uma aurora reluzente?

Amanheceria a escuridão pendente...

A noite seria com forte sol?

A manhã seria com branda lua...

Bené Chaves



quarta-feira, janeiro 26, 2005

TERCEIROS ALUMBRAMENTOS


Tive minha primeira namorada aos quatorze anos. Uma bela pré-adolescente (ou já adolescente, creio), acho que ainda na floridade, no máximo treze primaveras. Não soube bem, podia ter até mais do que isso. Estava desabrochando como uma pétala. Mas, uma moça quase feita e do meu tamanho.Era de se admirar que ela tivesse tal estatura. Logo me encantei com aquela morena, eu bobo ainda, numa idade fogosa e necessitada de desejos próprios ao período juvenil. Não me lembro onde a conheci, porém tenho certeza que foi o dia mais feliz da almejada época. Uma cegueira incompleta para a jovem visão de um menino ávido por um relacionamento seja lá o que fosse. Seria uma oportunidade de ouro.

Alba era o seu nome. Um nome doce, delicado, apaixonante. Dotada de um belo corpo em formação, seus olhos verdes faziam a diferença. Resplandecendo de um modo expressivo e mágico, também se assoberbava do poder de tê-los. Os seus seios, então, nem se falam: surgiam tímidos, arredondados e voluptuosos. E quão desejosos! O quadril, ah, tinha a perfeita forma de um violão, desses novinhos em folha, saído da fábrica e delineando-se no simultaneamente anexo. Descendo um pouco, via-se um lindo umbigo afeiçoado na pequena e bem-feita circunferência. Mais abaixo, a vagina... Ah, que vulva! Em crescimento, é verdade, porém denotando as partes sensíveis e esboçadas. Surgindo já com pequenos pêlos de um marrom escuro, a pequena região triangular se mostrava jovial, pouco intumescida, mas apetitosa. Poder-se-ia dizer que estava se recheando, saborosa e delicada em sua fase de mutação.

Assim eu no início imaginava Alba, lógico, pois ainda não conhecia suas partes íntimas. Apenas sonhava vendo o formato do corpo que se punha à minha presença. Afora os olhos esverdeados, evidentemente.Tudo seria a vontade surgida de um menino (no singular ou plural) em estado latente, embora as moças da época fossem reservadas o suficiente para um ato mais libidinoso. Não era bem assim. Quando muito, se podia pegar nas suaves mãos. E como eram suaves as mãos de Alba! Aquilo já deixava os rapazes eriçados, inclusive eu com minha morena namorada. E diante de tantas indefinições do período mesmo, elas se mantinham em um posicionamento de retaguarda. Às vezes alguém mais afoito queria avançar o sinal, mas não saberia ao certo qual reação viria do lado oposto. E ela, Alba, parecia não fugir à regra. Parecia...

Eita mundozinho ficando sem-vergonha, mal-amanhado! Capaz de numa cusparada enorme arreganhar todas as suas entranhas, seus nocivos e incubados desejos. Aí vocês vão ver, com certeza irão presenciar, apreciar e atestar. Ou desapreciar... Ou desatestar...

ESPAÇO LIVRE



DONZELA RIMADA



Oh, menina dos olhos!
D?água?
Tanta sede eu tenho
quero bebê-la
vontade de tê-la.

Vê-la com o sêmen
apalpá-la
no odor suado
querer o orgasmo
ficar pasmo.

O choro paroxístico
gritas desesperado
não olhes chorando
estou de teu lado.

Tens olhos de fel
gosto de quê?
Quero ver-te nua
despe-te daquele véu.

Bené Chaves







sexta-feira, janeiro 21, 2005

No dia 08 de junho de 1994 o jornal natalense Tribuna do Norte publicava um comentário meu sobre o filme Luzes da Cidade, de Chaplin. Abrindo aqui um novo parêntesis e aproveitando a oportunidade, numa espécie de homenagem ao recentemente criado blogue do Francisco Sobreira (http://luzesdacidade.blogspot.com), compartilho com vocês do artigo em questão:



LUZES DA CIDADE


Ao contrario de Tempos Modernos, que focaliza problemas sociais e o esmagamento do ser humano pela máquina, Luzes da Cidade tem, como temática, o lado sentimental da vida, suas vicissitudes e agruras. O tipo vagabundo de Carlitos com seus (tre) jeitos e gags admiráveis, está como nunca retratado neste filme da obra de Chaplin. Ninguém conseguiu se igualar no que o personagem tem de mais sublime, de um pouco crítico também, satirizando situações que o tornaram um artista exemplar. E o que é mais importante: sua maneira simples e engraçada de contar ou denunciar ou revelar.

Chaplin cria e recria, faz irreverências, ajuda o próximo, se apaixona, luta e enaltece o lado humano da vida. O amor que ele (Carlitos) sente pela florista cega é um amor de nômade, meigo, singelo, pobre, mas uma paixão verdadeira. E o filme mostra a história desse maltrapilho que se encanta pela bela moça. É a vida exibida de uma forma lírica, exaltada pela necessidade de uma existência melhor, o ponto de vista (afetuoso) dos acontecimentos.

O diretor de Em Busca do Ouro sempre teve consciência disso, de um valor intrínseco e também extrínseco. E, portanto, a fita, em questão, apesar de realizada em 1931, continua atualizada. Então, sua maior virtude: o personagem é eterno e ainda vive em torno de todos nós. De vez em quando é necessário rever os filmes de Charlie Chaplin.

Luzes da Cidade tem o grande mérito dos opostos: fazer rir e também emocionar. Não causar emoção de uma maneira piegas, sentimentalóide, mas no sentido da própria vida, que tem suas tristezas e alegrias. Tristeza do vagabundo em ver sua amada cega e alegria em revê-la totalmente recuperada. É a chamada mesclagem de lados antagônicos.

Talvez os mais radicais achem o filme de sentimentos exagerados. Acho que não o é. Quem não gostaria de ter uma paixão terna, ingênua? Afinal, a vida também se resume neste infindável relacionamento entre o homem e a mulher. O reencontro final de Carlitos com a florista recuperada da visão e a imagem ambígua de um rosto em close, tornaram-se duas das passagens mais belas que vi na cinematografia mundial. É o que Luzes da Cidade deixa transparecer, sem, contudo, obviamente, cair no lugar comum, pois Chaplin diverte e comove ao mesmo tempo. Com maestria.

O autor de O Grande Ditador mostra uma mistura de acontecimentos, joga com ironia para escarnecer inaugurações, detratar afortunados (e o ricaço em questão somente reconhece o errante quando está bêbado, bonachão, fora de si, numa atitude dúbia da personalidade dos poderosos), enfim, provocar inquietações várias. É o Chaplin indivíduo, homem simples, na forma do Carlitos vagabundo, sujeito pobre. Talvez o personagem superando o criador (mesmo sendo ele próprio), nas suas pantomimas e manifestações do cotidiano.

Luzes da Cidade é uma obra-prima, de um lirismo que pode beirar ou ir além das raias da normalidade, mas é, acima de tudo, um belo e impressionável exemplo do amor fraterno, solidário.


ESPAÇO LIVRE



AUSÊNCIA


Sei que vou sentir falta
daquela menina na janela
da moça inibida na calçada
de uma mulher carinhosa
vestida nua e gostosa.
Também sentirei saudades
dos velhos companheiros
de estar com a meretriz
do olhar amargo e infeliz.
Sobretudo de entes queridos
do cinema de antigamente
sério inventivo e potente.
Mas, não sentirei falta
de hipocrisias deslavadas
a sociedade velha /corrupta
das pessoas enlameadas.

No dueto de sentimentos
estarei fora do páreo.

Bené Chaves



segunda-feira, janeiro 17, 2005

SEGUNDOS ALUMBRAMENTOS


Estou então aqui, na minha pré-adolescência. E farei qualquer coisa para não decepcionar ninguém. Talvez haja alguma discordância quanto a pensamentos, palavras e ordens, porém nada que seja algo discrepante ou insolúvel. Ou ainda que não tenha uma conclusão de ambas as partes. Estarei sempre pronto, portanto, para tentar resolver questões que ocorram. E divergir, caso faça-se necessário.

Tinha também consciência que os pais toldavam nossa efervescência inocente e não se faziam toleráveis. Alguns até exageram nos seus atos. Teriam tais filhos cometidos delitos ou peraltices inimagináveis? Porém, afora essas questiúnculas decorridas, as coisas poderiam voltar ao normal. E minha tenaz vivacidade (arre!) desabrochava-se com todo o ardor que lhe era peculiar, deixando, então, tudo de lado. Todos sabiam das esquisitices de velhos genitores que exigiam muito de uma educação controlada, mas, às vezes, o tiro saía pela culatra. Ou seja: gerações inteiras se revoltavam contra possíveis arbitrariedades.

Mas, deixando de lado fatos pendentes, o resto ia tudo bem, mormente quando se apregoava algo em torno de minha postura como uma pessoa querida e devidamente interessada em assuntos outros que se afinavam verdadeiros. Eu tentava fazer todos acreditarem na minha palavra, pois era uma das únicas (ou poucas?) que realmente valia, dado que nem sempre apareciam alocuções que se assemelhassem com a dita. Caráter verboso?

Então, cresci assim e desse jeito estou. Não tento me gabar de nada, apenas quero exprimir algo que nasceu comigo. É a tal raiz de que falava Painhô. Procuro, também, na medida do possível, repassar para todos, o que tem sido uma tarefa difícil. Porque a gente sabe que é preciso repisar a tecla várias vezes. Depois, claro, devem surgir novos horizontes e tudo se evidencia esclarecedor. Estão atentos ao meu raciocínio?

Tudo é o que é e não adianta meter o pé, dizia o antigo e acomodado provérbio. Desde cedo, no entanto, me veio à mente uma determinação. E, lógico, não vou opô-la a vexames. Portanto, tentarei lutar contra a renitente mediocridade que ainda assola o ser (dito) humano.

Enquanto divagava em questionamentos ambíguos, Painhô aproximou-se trazendo o enorme livro, já de páginas amareladas, que mantinha na sua velha estante. Leia aqui esta passagem, filho. E me entregou o espesso volume. Li em voz alta:

O velhinho vinha vindo sorridente e sem dente. Olhou-me com apreciação. No seu caçar, ele era o dono daquele rancho graúdo e de léguas. Vinha no cavalo, com valimento. Eram reses aos montes, a gente não podia contar em dedos, tinha de imaginar. Os mugidos se espalhavam. A não ser a área imensa, o resto não valia nada. E o esperto velhote saiu tangendo o gado magro para pastar nas vizinhanças. Eh boi! Eh boi! Eh boi!

Sabia que meu pai sempre foi apaixonado por uma fazenda e tudo o mais. Porém, ele interrompeu minhas divagações. Não o reprovo, evidente que não, ele tinha seus arroubos também. E, de certa forma, eu gostava daquele mundão chocho, choco, goro. Eram sinais de uma raiz...

ESPAÇO LIVRE


O amigo e poeta Horácio Paiva (Natal) manda-me um poema para ser publicado. Compartilho, portanto, com vocês, seu novo trabalho:



NOTÍCIAS DO LOBO



O vento uiva em minha porta.

Traz-me notícias do lobo
perdido e faminto
nas florestas da infância...




quinta-feira, janeiro 13, 2005

PRIMEIROS ALUMBRAMENTOS



Gupiara crescia e a família de Painhô também.Ela, minha mãe, já parira os seis filhos. E, então, logo a casa se encheu de gente. A responsabilidade de meu pai aumentou e ele largou um pouco o lazer das cantorias. Afinal, teria de trabalhar dobrado para o sustento das crianças. O certo é que todos envelheciam a cada novo dia, principalmente Tia Chica. Mas, as suas comidas ainda principiavam sabores singulares.

Eis, portanto, que estou homem quase feito, nada daquele menininho besta de anos atrás. Os pêlos começavam a crescer e vivia uma plena pré-adolescência. E também doido pra conhecer os prós e contras da vida, de olho, lógico, na primeira alternativa.

Minha ascendência, que era paradigma da indulgência, ficou a me estimular como razão maior de uma existência sadia e apreciada. Todos gostavam de mim, era estimado na escola onde estudava, talvez um marco na arte de fazer manhas (artimanhas?) e desfazer fatos sucedidos ou a suceder. Cresci nesta dualidade de afetividade e discernimento, às vezes uma mácula detestável algures, mas, de qualquer maneira, afã determinante para meu amadurecimento de atos e êxitos.

Tive minhas travessuras, claro, quando criança ainda, porém quem não as teve? Mainhô não deixava por menos, sempre a ralhar comigo com certa implicância. Ei, menino, deixe de ser buliçoso e medonho, dizia ela, quando às vezes excedia em algum divertimento que ela não aprovava. E fugia rapidinho pro meu quarto com medo de uma repreensão maior.

E quando Painhô voltava do trabalho, logo eu pegava seu violão e corria pra varanda, na certeza dele cantar algo para aliviar o ambiente. Mas, preferiu ele contar uma estória do sertão, que segundo disse, aconteceu de verdade. Embora eu não levasse muita fé. Contudo, deitou-se na rede e chamou Mainhô para lhe fazer carinho. Olhou nos meus olhos e nos dela e principiou:

Aquele lugar onde estive, meus queridos, e piscou de soslaio para mim, não me era estranho. Isso no alto sertão, seco e esturricado, não se via um pingo de água fazia tempo. Morria-se vivinho. As árvores murchas e os galhos podres no chão de um barro enxuto, poeirento. Os passarinhos espalhados na areia, ressequidos do mormaço. Tudo vagava naquele mundo. E então meus olhos começaram a saltar, baterem desordenados. Tudo ficou escuro e rolei descontrolado na areia quente.

Depois de alguns minutos ali, sozinho, sabia que os bichos iriam me devorar, embora não visse animal nenhum. Acho que iriam comer-me por inteiro. Desviei o olhar e senti medo, lembrei de algo bom para afugentar o susto. O sofrimento fazia com que eu tentasse, paradoxalmente, rir para amenizá-lo, sem aprazimento, contudo com um pouco de ódio. Aliviei e fugi, danei carreira na estrada. E uma fumaceira desapareceu comigo...

Quando Painhô quis continuar tal estória, todos quase estavam cochilando (inclusive meu irmão que nascera meses atrás), menos eu, que fiquei atento àquela aventura que ele dizia ter sido com ele, muito embora eu não acreditasse que era. Achei que fosse mais uma de suas invenções. Jurava que sim. Só não entendi porque ele teve a astúcia de contar relato meio assustador. Acho que foi extraído do livro que o mesmo conserva na estante da casa.

ESPAÇO LIVRE


ANATOMIA VIVA

Aquele corpo
quero
acariciá-lo
beijá-lo
linguá-lo.

Deixá-lo
na
vertical.
Amá-lo na horizontal.

Vasculhá-lo
estudá-lo
decifrá-lo
retalhá-lo.

Retaliá-lo
retificá-lo
ratificá-lo
retê-lo
fodê-lo!

Bené Chaves



sábado, janeiro 08, 2005

ITINERÁRIO ALFABÉTICO (Final)





ZONZEIRA essa minha. Tinha o hábito de zanzar. Mas, voltei a interrogar entre paredes: a vida é uma loucura? Acho que Painhô acreditava que sim, embora Mainhô não ligasse pra essas coisas. Preferia ficar na sua cadeira de balanço a cerzir alguma roupa tirada do baú. E Tia Chica, o que falava? A preta velha envergonhada dizia que todas as pessoas são loucas, umas com mais intensidades e outras com menos. Mas, ela era assim mesmo, sempre exagerava quando ia dizer algo. Porque, de certa forma, toda regra teria sua exceção. Porém, logo se dirigia ao seu local de trabalho. Ou seja: a cozinha. Ali iria se entreter com suas iguarias inigualáveis. Os outros filhos, ainda pequenos, não alcançavam assunto tão pertinente.

Sabia, eu, entretanto, que a grande maioria sofria de distúrbios ocasionados, acho, pela hereditariedade. Os fatores externos seriam meras conseqüências. Acreditava que o gene caracterizava a índole do ser humano.(E pra não variar, ter-ser-iam-se aqui também exceções). Se você é uma vasilha de água hoje e amanhã é um tonel de vinho, lógico que tal mudança brusca de cor (ou comportamento) não era normal. Principalmente quando este vinho surgia com um sabor amargo ou azedo. Então, o caso passaria a ser tratado como um estímulo ancestral? Ou apenas uma manifestação agravada por um descontrole extrínseco? Tínhamos aí o endógeno em constante disputa com o exógeno.

Na verdade, indagações como essas deveriam ser alvo de profundos estudos. Mas, o meu pai acreditava (e ele tinha uma crença inabalável) que tudo tem sua raiz. E, como parte oculta, ela poderia abranger conseqüências inimagináveis. A vida tem lá seus monstrinhos, era evidente que sim. O seu ciclo é engraçado: desde tempos idos existem mutações, variações, atos e fatos. O ciclo-vicioso dos mundos e fundos.

Disse, então, Painhô: acompanhei seu nascimento, meu filho. Vi tudo direitinho, como nasceu e foi brotado, igualzinho uma flor. As plantas também têm suas séries de fenômenos, as raízes expelindo ramos, folhas e frutos. O que a natureza expulsa é algo surpreendente, existência rara. Como explicar a metamorfose da larva dos insetos lepidópteros em simples borboletas? Naturalmente porque seria o acasalamento de um labrego?

E continuou ele: o certo é que não existe muita diferença entre este dito rude e o irracional, pois a vida precípua dos homens, com seus modos, tornaram-nos atualmente mecanizados, frios, contrários à razão. E se houve alguma evolução dos males iniciais, esta se deu apenas no clarão tecnológico e conhecimento da ciência, adaptados que foram ao modus vivendi da época.

Abri a janela e fui tomar um pouco de ar, talvez um ar impuro. Divisei, do parapeito, pessoas tristes jogando-se num chão intervalado onde um longo rio de sangue afogava transeuntes que circulavam pelo local.

Mas, aí, já é outra estória, pois adormeci, claro, e comecei a sonhar...



ESPAÇO LIVRE


CLAMOR

Quero-te amar
inexorável e
selvagemente.
E de teu ventre
fazer jorrar um
orgasmo misto de
dor e compaixão.

O grito mudo
de doar-se com
amargura.


Bené Chaves
















segunda-feira, janeiro 03, 2005

Nada melhor do que iniciar 2005 com um texto sobre o genial diretor Federico Fellini, que tem o seu aniversário de nascimento neste mês de janeiro. E o autor de tal façanha é o amigo e escritor Francisco Sobreira (Natal), que compartilha com vocês o seu comentário. Ei-lo, portanto:


FEDERICO FELLINI

Francisco Sobreira


Em meu primeiro contato com o cinema de Fellini, eu não tinha a menor idéia de quem ele era. Aliás, na época eu ignorava o nome de qualquer diretor. Adolescente, com quatorze para quinze anos, entrava num cinema atraído pelo nome dos atores e das atrizes, pelo título do filme, ou ainda pelo gênero (sendo faroeste, então, pouco me importava quem fosse o ator). O que me atraiu em Na Estrada da vida foi a presença de Anthony Quinn no elenco, ainda que esse ator não fosse um dos meus preferidos; pelo contrário, antipatizava-o, por sempre fazer o vilão.
Dos outros atores do filme eu jamais ouvira falar. E, então, caí na estrada... O filme não me agradou, nem desagradou. A impressão que tive dele foi de algo diferente de tudo quanto tinha visto de cinema até aquela data. É muito provável que a uma certa altura tenha querido abandonar a sala, tão acostumado estava aos filmes que via na época, além de ser privado de um mínimo de visão crítica de cinema. Houve, no entanto, uma cena que me chamou a atenção... Na verdade, foi uma frase dita pelo personagem conhecido por O Louco, numa conversa com Gelsomina. Ao tentar convencer aquela coitada (um dos maiores personagens criados pelo cinema) de que ela não é uma inútil (e que, portanto, o bruto Zampanó precisa dela), ele apanha do chão uma pedrinha e diz que até uma coisinha daquelas tem uma utilidade na vida, só que ele não sabe qual é.
Muitos anos se passaram até que eu voltasse a ter contato com o cinema de Fellini. Já estava morando em Natal, a minha visão de cinema já evoluíra, principalmente por integrar o Cine Clube Tirol. Este exibia uma sessão de arte uma vez por semana, num dos cinemas da cidade, e foi nessas sessões que assisti Oito & Meio, Os Boas vidas, Noites de Cabíria e Abismo de um sonho. O último não consegui ir além da metade, mais ou menos. Não, o filme não é ruim, o caso é que a energia pifou durante a projeção e não foi restabelecida pelo resto da manhã. E assim passei quase quatro décadas sem conhecer integralmente o primeiro filme solo de Fellini, o que só ocorreu no ano passado, via DVD. E passei a acompanhar, pelo circuito comercial, os filmes que esse grande artista realizou depois de 1965.
Ah, Fellini. Em seu recém-lançado Um Filme por dia, o crítico Moniz Vianna diz de Buñuel que este não tem seguidores. Digo o mesmo de Fellini. Seu universo temático, com suas fantasias (não raro, delirantes), suas reminiscências infantis, suas confissões, seus tipos bizarros, seu humor que, às vezes, beira o vulgar, o mau gosto, e aquele ritmo peculiar (no que é muito ajudado pela música de Nino Rota), faz dele um cineasta singular. E talvez o seja, sobretudo, por ser o mais autobiográfico dos diretores. Ele próprio reconhece isso, ao declarar numa entrevista: se um dia fizer um filme sobre um peixe, acabarei falando de mim mesmo.
Qual o seu maior filme? Acho que tem alguns: Oito & Meio, A Doce vida (embora ache que uma, duas ou três seqüências poderiam ser menos longas), Na Estrada da Vida, E la nave va, Amarcord, este, seguramente, o seu filme mais delicioso, que, nesse aspecto, está para a sua obra como Depois do vendaval está para a de Ford. Dele só não gosto de Casanova, Cidade das mulheres e A Voz da lua. Os dois primeiros ainda têm alguns bons momentos, como o ritmo bastante acelerado nos primeiros minutos do segundo e, no primeiro, sobretudo o final. (Falando em final, Fellini tem alguns antológicos. Há na preferência dos cinéfilos quase um consenso sobre o de A Doce vida. É de fato notável a imagem da garota de rosto angelical chamando por um nauseado e fatigado Marcello Mastroianni, em que o diretor nos acena com um pouco de esperança, mas ainda prefiro o final de Oito & Meio: a imaginação de Guido, o diretor, promove a reunião de todos os personagens, de mãos dadas, sobre uma plataforma, enquanto lá embaixo o garoto (Guido-Fellini) forma com três palhaços um lírico e nostálgico quarteto musical. Devem ser também lembrados os de Noites de Cabiria e de Na Estrada da vida). Mas A Voz da lua , seu último filme, é sem-graça, sem inspiração, e com momentos de humor em que o limite do vulgar é ultrapassado. Ele não merecia encerrar uma brilhante carreira num nível de qualidade tão inferior aos seus maiores momentos.


ESPAÇO LIVRE



CINE MISCELÂNEA


Quando vi a ruiva inocente
no rosto da sensual morena
beijei a loira fremente.

Através do espelho a imagem
estilhaçada entre revólveres
confundindo-se na miragem.

Então a canção na chuva
como exposição mágica
acrescida de uma luva.

A explosão como desatino
o herói a cavalgar ferido
ao encontro de seu destino.

Na ciranda da felicidade
a infância redescoberta
deliciando nova idade.



Bené Chaves