Depois da quaresma, Alba me telefonou. Claro que ainda encabulada. Porém não liguei muito, aceitei-a como se nada tivesse acontecido. Sabia que ela não iria acabar um namoro por causa de um simples beijo. Inclusive porque aquela sua fantasia (quão bela e erótica vestimenta!), além de estar convidativa, não deixava quase outra opção. Quem mandou ela provocar, quem mandou?... Talvez na sua aparente inocência, sei lá, mas despertou-me a libido. E nossos desejos no fervor da idade juvenil não deveriam jamais ser excitados, principalmente por uma bela donzela.
Convidou-me (pasmem!), então, para comermos uma galinha-caipira, período propício para tal. Acho mais como sinal de uma reconciliação, evidente que sim. Deve ter ficado arrependida pela desfeita, afinal eu não tive a intenção de boliná-la ali no carro àquela hora. Principalmente na presença de duas outras pessoas. Aliás, essas coisas eram difíceis e o que havia de positivo revelava mais uma atitude de machismo e de exibição do que propriamente um ato definido. Puras folias e exaltações de uma idade vivida e para viver.
Além do mais, causava uma temeridade para a época falar-se de que você iria comer uma menina. A palavra em si pronunciada traria conseqüências as mais desastrosas e afetaria o falso moralismo existente. Não era costume ainda o termo chulo aplicado a uma prática sexual. E seria constrangedor se assim o fosse. Também uma tremenda bobeira de minha parte se o fizesse. Mas, de qualquer modo, iria me satisfazer mesmo comendo a galinha-caipira. Depois de um bom período de abstinência em relação a um contato verbal com a pessoa em questão. E não reclamasse, senão nem galinha e nem nada. No entanto, que eu preferiria... Basta, menino, basta!
Enquanto a gente ia transpondo nossa adolescência, a cidade de Gupiara crescia em termos assustadores. Ou não? Amedrontava sim o que faziam com ela. Obras gigantescas (e na maioria das vezes desnecessárias) eram construídas com uma dupla intenção, precipuamente favorecer grupelhos já aquinhoados e auxiliados. Talvez fosse até necessário o empreendimento, mas não da maneira como se realizava. E, sobretudo, quando superfaturavam as remessas entre si e dividiam as fatias com seus semelhantes e asseclas. Era um começo de tristeza o que se via ao redor. A força da grana sobre todos nós. Ou melhor: sobre eles, os interessados nas prevaricações. O poder crescente que ela tímida e inicialmente exibia e exercia, que ainda exibe e exerce na atualidade com intensidade bem maior.
ESPAÇO LIVRE
SOBRE A JUSTIÇA...
Þ O que poderíamos dizer sobre a sempre desencantada ou encantada Justiça? Eu diria que ela é uma faca de três gumes. Ou seja: não existe. Em último caso, se existe, não atua. E se atua, quase ninguém cumpre o que determina. Quer dizer: fica desmoralizada. Resumindo: não existe mesmo! Pode ser apenas um arremedo, um faz-de-conta. A tal história da carochinha.
Já o irrequieto jovem Trasímaco, contemporâneo de Platão e Sócrates (que disse na época: a Justiça é a única felicidade verdadeira. Apenas os injustos são infelizes), numa espécie de sarau reunido entre aqueles magníficos cavalheiros gregos, gritou de sua sabedoria exemplar: a Justiça é, simplesmente, o interesse do mais forte. Ou para dizê-lo de outra maneira, o interesse do governo estabelecido. E encorajado diante daquela pequena platéia, arrematou com entusiasmo: podereis ver que o homem justo, em qualquer parte, sempre sai perdendo, se comparado com o homem injusto. Em primeiro lugar, em seus negócios mútuos. Em seguida, em seus negócios com o Estado. E quando há algo a receber, o justo não obtém nada, enquanto o outro tem grandes lucros.
Pois é, amigos e amigas, avalie se o brilhante pensador tivesse uma vivência eterna e pudesse então presenciar o que se fez e se faz nesses anos de caos. E é absurdamente incrível como tudo o que ele falou há muito tempo atrás está ainda posto em prática...
por
benechaves às
16:45