perfil
Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
Sonhadores

Você é nosso visitante de número


Obrigado pela visita!

links

a filha de maria nowacki
agreste
arabella
ariane
balaiovermelho
blog da tuca
clareando idéias
colcha de retalhos
dora
entre nós e laços
faca de fogo
janelas abertas
lá vou eu
letras e tempestades
litera
loba, corpus et anima
maria
mudança de ventos
notícias da terrinha
o centenário
pensamentos de laura
ponto gê
pra você que gosta de poesia
proseando com mariza
rua ramalhete
sensível diferença
su
tábua de marés
umbigo do sonho
voando pelo céu da boca

zumbi escutando blues

sonhos passados
agosto 2004 setembro 2004 outubro 2004 novembro 2004 dezembro 2004 janeiro 2005 fevereiro 2005 março 2005 abril 2005 maio 2005 junho 2005 julho 2005 agosto 2005 setembro 2005 outubro 2005 novembro 2005 dezembro 2005 janeiro 2006 fevereiro 2006 março 2006 abril 2006 maio 2006 junho 2006 julho 2006 agosto 2006 setembro 2006 outubro 2006 novembro 2006 dezembro 2006 janeiro 2007 fevereiro 2007 março 2007 abril 2007 maio 2007 junho 2007 julho 2007 agosto 2007 setembro 2007 outubro 2007 novembro 2007 dezembro 2007 janeiro 2008 fevereiro 2008 março 2008 abril 2008 maio 2008 junho 2008 julho 2008 agosto 2008 setembro 2008 outubro 2008 novembro 2008 dezembro 2008
créditos

imagem: Walker
template by mariza lourenço

Powered by MiDNET
Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

 

 

 



terça-feira, dezembro 30, 2008

OS FILMES QUE VI E REVI EM 2008 Cena de 'Desencanto', de David Lean


Pareceu-me que 2008 foi o ano das revisões. E dentre elas revi filmes que continuam importantes no nosso modesto conceito cinematográfico. É o caso de, por exemplo, Desencanto (Lean, 45), Os incompreendidos(Truffaut, 59), Rastros de ódio(Ford, 56), A Aventura(Antonioni, 59), O processo(Welles, 62), O poderoso chefão II(Coppola, 74), Veludo azul (Lynch, 86), Depois do vendaval(Ford, 52), Doze homens e uma sentença(Lumet, 57), Contos da lua vaga(Mizoguchi, 53), O Homem errado(Hitchcock, 56) De punhos cerrados(Bellocchio, 65), O Criado(Losey, 63) e O evangelho segundo São Mateus (Pasolini, 64). Fitas que não envelheceram e algumas até cresceram aos nossos olhos.

Cena de 'Arca Russa', de Sokurov Mas, entre as minhas estréias, vi dois filmes que não gostei: o primeiro foi Saló(Pasolini, 75), apenas uma espécie de ritual de sadismo e bizarrice, sem nenhum (ou quase) acréscimo à arte cinematográfica. E o segundo foi Andrei Rublev(Tarkovski, 66), que, apesar de uma bonita fotografia(em preto-e-branco) e de imagens/afrescos finais (em cores), não me entusiasmou. Em uma primeira visão achei uma longa e enfadonha biografia de um monge russo do século XV.
E os melhores vistos no ano que findou? Destaco primeiramente dois filmes do Aleksandr Sokurov: Arca Russa(2002) e Mãe e Filho(1997). Duas verdadeiras obras de arte.
Depois poderia citar Pai e Filha (Ozu, 49), O desespero de Veronika Voss (Fassbinder, 81), A roda da fortuna(Minnelli,53), Nossa música(Godard, 2004), Falstaff (Welles, 65), Europa (Von Trier, 91), O céu de Suely(Karim Ainouz, 2006), Medos privados em lugares públicos( Resnais, 2006), Playtime(Tati,67) Depois do ensaio(Bergman, 84), Jogo de cena(Eduardo Coutinho, 2007), Caché (Haneke, 2005), Close-Up(Kiarostami,89) e Conspiração do silêncio(Sturges,54).


AMIGAS E AMIGOS


Encerro (por tempo indeterminado) as atividades deste blogue. Pois é, não deu mais pra continuar. Agradeço aos que estiveram comigo nestes mais de 4 anos. E principalmente aos que comentaram algo acerca dos textos aqui elaborados. Então, até qualquer outra oportunidade.
Um Feliz 2009 para todos!

Um beijo (nas amigas) e um abraço(nos amigos)...

Bené Chaves



terça-feira, dezembro 23, 2008

O POEMA DE PAINHÔ Naquela noite a lua tava cheinha cheinha e as estrelas iluminavam o céu. Pareciam adivinhar alguma surpresa de meu pai. Deitado na rede ele começou a olhar o infinito, aquela vastidão sem fim. Disse que iria declamar um poema elaborado dias anteriores e que dera o nome de Decassílabos.
Então começou, minha mãe com os ouvidos atentos aos seus ditames:
Amo o fulgor das loiras madrugadas
Ou o reflorir da aurora rossicler
Amo o viço estuante da floresta
E a sedução de um riso de mulher
Amo o fragor da luta audaz e forte
Que dá glória na vida ao humano ser
Mas repilo o perjúrio / fingimento
Porque amo somente a quem me quer.
Amo a saudade imensa do sertão
Quando o inverno faz tudo renascer
Relembro a dor daqueles que partiram
E à terra mãe jamais hão de rever
Amo o sofrer da noiva desterrada
Que deixa o coração com o bem quer
Mas repilo o perjúrio / fingimento
Porque amo somente a quem me quer.
Amo do amor as sensações ardentes
Que em vibrações nos fazem estremecer
Tornando os corações todos frementes
Na ânsia incoercível do prazer
Amo a beleza da afeição sincera
Que nos protege e ampara no sofrer
Mas repilo o perjúrio / fingimento
Porque amo somente a quem me quer.
Amo a Ciência, amo a Filosofia
Focos de luz do mundo do saber
Formas divinas de estender ao homem
O que Deus reservou do Seu poder
Amo a harmonia cósmica dos Mundos
E os sentimentos místicos profundos
Que as relações com Deus dão a entender
Amo a carícia lírica do vento
Mas repilo o perjúrio / fingimento
Porque amo somente a quem me quer.
Acho que Mainhô ficou mais cuidadosa nas duas últimas estrofes, esperando, claro, retribuir, sem falsidade, o amor de seu marido. E depois que todos ficaram atentos, inclusive a bonita lua que já estava quase encostada no telhado da casa, parece ter havido um avivamento geral também das estrelas que clarearam o firmamento de um azul celeste. Tia Chica, de tão admirada que ficou, quase deixava queimar a janta daquela noite.
Bené Chaves




terça-feira, dezembro 16, 2008

O DESTINO DE SONINHA
Como a maioria dos habitantes de Gupiara não tinha consciência da gravidade dos problemas que enfrentava, Soninha, minha namorada, tentava guiar com destreza e sabedoria tal deficiência. Enquanto as pessoas se acomodavam diante do executável, isto é, preferiam seguir orientações e regras impostas de maneira ordeira e pacífica, ela procurava e batalhava para que todas tivessem conhecimento da situação precária em que viviam. Soninha era incansável no combate também ao analfabetismo, pois sabia que o mesmo facilitava, deste modo, a posse da parte de terceiros que seriam os beneficiados da presente situação.

E as atitudes convenientes em nada seriam adequadas para os habitantes, porquanto influíam decididamente nas suas já alquebradas opiniões, se ainda as tivessem. Era um povo rude, sem instrução, sem nada. Nas cercanias da cidade as favelas se alastravam devido ao descaso de governos desastrosos. O povo não tinha chance, parecia não ter porvir. Mas como Soninha tinha certeza das incertezas, restava-lhe pouco para certar. Então tudo se tornava difícil.
Não sei se por alguma razão ou outra, que desconheça, mas o fato é que minha garota, infelizmente, resolveu acabar nosso namoro. Sem nenhum motivo, assim, de supetão, pronto. As mulheres e seus enigmas... Alegou que ia embora, deixando, pensei, um vazio no futuro e esperança de quase todos, inclusive também no meu. Independente e determinada, como já falei, arrumou a trouxa e seguiu destino ignorado. Desencantou-se e depois encantou-se. Ilusão minha, tristeza sua, pluralizadas. Não deixou um só endereço, nem nunca escreveu, irritou-se talvez dos dissabores acumulados. Foi mais uma vítima dos contrários. E quantas vítimas desta natureza não se iriam ainda depreciar!

De qualquer modo, fixou um trabalho começado no âmbito social e acho que deve ter ido prolongá-lo noutra instância. Espero que a mesma tenha se dado muito bem no lugar escolhido, livre de obstáculos que a impeçam seu trânsito aberto e sua organização conhecida e aplaudida. Adeus minha sagaz Soninha, em qual cidade você esteja, Gupiara sempre lembrará dos momentos felizes que passamos. E que sua meta preceituada ainda dê os frutos que você tanto almejou e almeja. Até não sei quando...
Depois da dura fase que passei em mais um período delineado, vejo-me, aparentemente, com perspectivas abaladas e sabendo que teria de suportar muitas angústias e raras alegrias, visto que ainda estava no começo (ou quase) das ocorrências de uma vida de decorrências. Não seria nada fácil enfrentar uma já, suponho, prevista e difícil existência. Que o digam todos os que estão à beira de tudo, pela totalidade do que passaram e repassaram aos seus descendentes. Ufa!, não estava sendo mole tal empreitada.

E, então, indagava para mim: teria de suportar a intolerabilidade e durabilidade de um nascimento? Todos teriam a mesma probabilidade? Soninha se foi para não sei onde e eu ficava mais uma vez sozinho a andar sem destino melancólicas horas e meditar sobre as conseqüências ou não de um mundo ignóbil, um mundo hostil que não estava querendo facilitar uma das trajetórias que pretendia seguir.
ESPAÇO LIVRE

SOBRE A CRIAÇÃO...


Muitos acreditam na existência de um ser superior, enquanto outros poucos ficam indiferentes ou ignoram, assim como também existem os agnósticos e os totalmente ateus. Mas, o certo (ou não?) é que foi criado um mito pelo medo do próprio Homem. E a essa criação deram o nome de Deus, que se supõe ser uma divindade suprema para amainar o seu desespero ou sofrimento. Avaliem, então, se não existisse tal deificação, como não seria esse mundo, hein? Diria até que foi providencial e necessária para os que pretendem vivê-lo. E a presença, então, dessa divinização, se fez evidente. Afinal, já dizia Kierkegaard que "Deus é uma exigência do desespero, um postulado do existente".



terça-feira, dezembro 09, 2008

A ESCOLA (Cena de 'No tempo das diligências', de John Ford)


Depois de uma efêmera atuação de nossas atividades colegiais houve daí uma separação ocasionada em parte pela transferência de alguns colegas e em outra pelo seguimento noutras diligências, motivando, desde então, um conseqüente distanciamento daqueles momentos que vivenciamos juntos a divulgar uma arte tão preciosa como é o cinema.


Desmancharam-se tudo e restaram, entre outras coisas, as saudades das sessões semanais (ou quase). E acho que boas lembranças ficaram entre nós, repassadas somente e com tristeza no curso da memória e da existência. No pequeno auditório dos padres de saias pretas, compridas e horrorosas tais reuniões nunca mais ressurgiram, morrendo ali mais uma ilusão da passagem lúdica e lúcida em um tempo que se foi e apenas deixou sua memória.


Porém, em compensação (e quase paralelamente), houve uma iniciativa, fora dos eixos escolares, de um grupo de rapazes, que, em boa hora, atinou para a fundação de um cine-clube na então pacata Gupiara. Esta agremiação viria a ser a mola-mestra da iniciação e aprendizado aos que ainda estavam virgens na apaixonada e verdadeira arte cinematográfica.

E tais jovens, com a euforia da pós-adolescência, formaram uma entidade e continuaram os belos projetos da chamada sétima-arte. Os estudos iniciaram e os acontecimentos surgiram. Então os "meninos do tirol" (bairro onde se realizavam as reuniões) planejavam também a exibição de filmes considerados 'clássicos' e permitiam salas de debates para uma melhor compreensão daquelas obras exibidas. Trouxeram muitas fitas de valor comprovado pela crítica de um modo geral. E o nosso conhecimento e a nossa apreciação foram tomando pulso para uma cultura não somente no campo da cinematografia, como igualmente na parte literária. Alguns filmes foram chegando ao salão pequeno e desconfortável (sempre o mesmo desconforto a perseguir os auditórios) do local onde estavam já funcionando as atividades cineclubísticas.


Apenas como uma ilustração e também curiosidade para os leitores, poderíamos enumerar algumas fitas exibidas para os associados ou não:O salário do medo, de Henri G. Clouzot, produção de 1953, com Yves Montand e Charles Vanel; Rififi, excelente fita de Jules Dassin, produção de 1954, com Jean Servais e a então bonita Magaly Noel; Se todos os homens do mundo, outro bom filme do cinema francês, de Christian-Jaque, realizado em 1955; Os visitantes da noite, fita importante de Marcel Carné, com a atriz Arletty, que era muito solicitada na época, produção de 1942; o bom filme sueco A última felicidade, de Arne Mattsson, de 1951; a obra-prima de John Ford No tempo das diligências (1939), talvez sua fita mais emblemática, com o sempre fordiano John Wayne; Os sete samurais, filme de Akira Kurosawa, com o famoso ator de então Toshiro Mifune, produção de 1954; e depois vimos Hotel do Norte, também de Marcel Carné, com Arletty, produção de 1938, mas bem inferior ao citado anteriormente Os visitantes da noite.


Portanto, o cine-clube de Gupiara e o único a sobreviver alguns anos, nos ensinou quase tudo sobre a bela arte da magia, do encantamento, do tato, do sabor, do fato e da feitura e devaneios nossos na escala do aprendizado de cada dia. Ali a gente ficava longe das agruras de uma sociedade desvirtuada e fincada, sobretudo, em desejos banais e hipócritas. Ali nós estudávamos, nós aprendíamos, mas também nos divertíamos com o saber na ponta da língua.

Surgiam valores maiores, novos, a cultura sempre realçando nas atividades da época. Uma época de ouro e de combate para alguns de nós. E o "cinema-de-arte" foi o grande feito daquela agremiação. Paralelamente as exibições passaram para o saudoso cinema Rex(hoje somente uma edificação a enfear sua antiga imagem), no início em sessões matinais aos sábados. Depois em outros locais.

Mas, aí já é outra história... Apenas lembramos que o Cine-Clube-Gupiarense foi a melhor escola, podemos até dizer, em termos gerais, que tivemos ao longo de um tempo passado e que ficou na nossa memória presente.


('Hotel do Norte', de Marcel Carné)



terça-feira, dezembro 02, 2008

TRIGÉSIMOS ALUMBRAMENTOS

Soninha foi minha primeira namorada entre a adolescência e intermediações da pós-adolescência, um tempo e outro de nossa inicial vida, época em que você já despertou para a sexualidade, o inolvidável. Quando a gente terminava um namoro quase imediatamente começava outro, nas agitações mesmo da idade. E nem me lembro das que cobicei qual a que ficou mais no meu íntimo, uma paixão que nunca passa, quase um amor e sempre aquela saudade a voltar na nossa imaginação.
Conheci Soninha por um acaso, talvez numa dessas surpresas e coincidências deste pequeno grande mundo. Já era moça-feita, quer dizer, mulher-mulher, como se diz. Avistei-a quando estava em um bar sozinho a contemplar uma paisagem que se afigurava meio sombria. E, então, aquela encantadora desconhecida passou perto de mim e rebolou seus quadris com certa volúpia. Claro que seu gesto impetuoso despertou minha atenção e talvez ela mesma o tenha feito na medida exata de um desafio. E a insinuante atitude de Soninha me deixou aceso, nascendo dali uma futura aproximação. Fiz, logo em seguida, meu contato de rapaz meio enxerido do período e joguei a lábia característica para tentar conquistá-la.
O encontro foi proveitoso e ficamos depois amigos, quando pude avaliar posteriormente que aquela moça-feita era uma pessoa maravilhosa, tanto no aspecto físico como também no intelectual. Mas, contou-me um caso triste que acontecera consigo ainda na puberdade. Com lágrimas nos olhos disse-me que um sujeito aproximou-se dela e... Atacou-me, violentou meu jovem corpo dentro de um matagal horrível, contou em prantos. Eu era uma pessoa imatura, claro que sim e fiquei com um trauma depois do ato violento daquele insano, desabafou inquieta. E completou, já um pouco aliviada: restaram as marcas de uma brutalidade sem razão de ser. São fatos, coisas da vida, devem existir milhões desses tipos rondando suas vítimas, ultimou como palavra final.
Tal resignação fez que eu entendesse que Soninha conhecia (apesar de ainda jovem) as marotagens e ferezas, por que não dizer, feiúras desta vida. Sabia que ela, a existência, poderia ter nascido de um enorme tumor, levando-se em consideração evidências anteriores, mormente quando se conhecia que o mal predominava em detrimento do bem. E a minha amiga, já um pouco sofrida, tinha plena consciência dos feitos enraizados desde tempos ínfimos e infindos. Sentenciou e interrogou para si mesma: seria um mundo embrutecido? Respondeu também para si: não sei, mas talvez uma grande névoa tenha se formado no seu interior e, ele, o mundo, azougou-se indefinivelmente.
Soninha era uma delícia de criatura, sabida, inteligente ao extremo, gostava de estudar e lia com certa assiduidade, apreciando fatos saudáveis e detestando as safadezas. Teria sido uma ironia do destino a tal barbárie que lhe aconteceu? Contou-me que a grande virtude do ser humano é a humildade, mesmo partindo de figuras as mais importantes e poderosas. Ou aquelas que apenas pensavam em sê-las... Porém, dizia-me: infelizmente testemunho o contrário, o que se constitui numa lástima para todos nós.
Sendo uma mulher irrequieta, temperamental, dizia-se independente e disposta a lutar pelos direitos, não somente dela, mas dos cidadãos em geral. Lembrou-me, um pouco, a Rosilda, aquela que saía de dentro do mar com um biquíni amarelo a mostrar partes bem delineadas de seu belo corpo. Entre ela e Soninha não sei quem transgredia com maior intensidade as normas de uma sociedade pautada em costumes conservadores.
ESPAÇO LIVRE


O teólogo e protestante francês João Calvino(1509/1564), não acreditando muito no ser humano, deu o lembrete falando ser "o homem de todo incapaz de salvar a si mesmo, pois ele é totalmente mau", afirmando depois que "o mal é o estado natural da humanidade, porque a soma de bem praticado não poderá resgatar a dívida inteira"
E o mestre citado foi ramificando suas doutrinas, culminando com a exemplar conclusão: "se um soberano administra mal, perde o direito de governar".
Se este preceito último fosse levado a sério, não teríamos quase nenhum governante comandando ou administrando uma população, já que as malversações estão aí para se ver. E seria um dever de todos governarem sem corrupção ou propagandas enganosas, pois foram colocados ali para isso. Afinal, para que servem os gordos impostos que pagamos?

Bené Chaves



terça-feira, novembro 25, 2008

VIGÉSIMOS OITAVOS ALUMBRAMENTOS Mas, bons anos mesmo foram aqueles de Alba, Mirtô, meu primo e também da querida Gracita. E por que não dizer da gostosa Rosilda? Passados e repassados seus esplendores. E como o tempo faz esquecer tudo, ficaram somente as sombras de uma ilusão.

Lembro, claro, do primeiro contato que tive com o sexo feminino, eu ali, com apenas quatorze anos, um garoto que ainda usava calças curtas e brincava nas ruas e cercanias de Gupiara. Se a memória não me falha acho que foi com Alba, quando já contei aqui ela entrando no quarto e vendo-a nua numa primeira ocasião.

Foi um deslumbramento que jamais esquecerei, aquela convivência carnal e inexperiente na juventude que surgia com toda impetuosidade. Uma sensação de maravilhamento quase indescritível... A minha afoiteza e apalpar de mãos, rostos e outras partes proibitivas do corpo.

Você tem a impressão de que tudo vai desmoronar, tal sua avidez desenfreada e sofrida, o suor frio escorrendo-lhe no rosto amarelo e uma taquicardia a denunciar um tremelique tortuoso e irrequieto no seu corpo.


Estamos aí no chamado início do desejo e ao mesmo tempo entorpecimento, enfim uma vontade louca de transgredir. Um abespinhamento e comichão intrinsecamente voltados para as partes mais sensíveis, posto que, então, dar-se-á aquela batida mais forte no coração.

E quando você retorna de uma aventura dessas sente novo impulso de descarregar mais energia dentro do ralo do banheiro, agora aliviado e com o pensamento ainda para o seu primeiro contato, ou seja, aqui, no caso, a minha parceira de relacionamento.

São sinais insondáveis de uma idade pubescente, irrompidos e orvalhados no âmago de um ser, que desabrocha e separa-se para a posteridade. Então, surgem, depois, a fase da adolescência e a adulta, quando talvez se dê, conforme o caso, uma promissora e independente sabedoria para tal fim. Ou de uma educação e raiz familiar razoáveis. É o início e indício de uma vivência ou sobrevivência. Subverter a subvivência?


Mas, depois de tudo acontecido ou a acontecer, cortando e voltando a contar uma de minhas fases de devaneio e já discorrida anteriormente, quando uma das paixões bateu forte e deliciosa (lembram-se?), tive um sonho ousado, perturbável. Uma noite de amor com Gracita (a que foi alvo de gracejos e emaranhados mexericos), não me lembro bem se antes ou depois do término de nosso namoro. E que previra que a mesma seria uma futura mocetona, cantada antes em prosa e verso.

Pena que tudo não passou de uma fantasia, mas uma gostosa fantasia. De qualquer maneira, mais uma ilusão na minha vida. Porém detalho, portanto, outra citada ocorrência transcrita com isenção:


Fui para o quarto e deitei-me, lógico, para dormir. E como acontecia quase diariamente comigo e também, acredito, com boa parcela dos que iam para a cama, fiquei de olhos fechados e pondo em ordem situações que depois apareciam na minha mente. Contudo, as imagens seguidas e vistas talvez deixassem dúvidas. E eu observava daí estranhos comportamentos e desfigurações que me levavam a um quase delírio, sobrecarregado de esplêndidos efeitos sonoros.

Se tal sonho tivesse acontecido recentemente diria que me pareceu ouvir, embora bem longe, a harmonia de Nino Rota no magnífico final de Oito e Meio, de Federico Fellini, misturada com a musicalidade de Henri Mancini no também magnífico início do filme A Marca da Maldade, de Orson Welles.

Não sei se era imaginação ou pesadelo, mas continuei a sonhar...


ESPAÇO LIVRE

DIVERGÊNCIA


Quando tua mão feminina
percorrer com carícia meu corpo
estarei em êxtase deliciando-me
a penetrar-lhe a alma.
E em gozo sempre contínuo
juntos unimos a dualidade
do sofrimento e prazer
amor e ódio.

Na eterna dissonância entre
o macho e a fêmea.
Bené Chaves



terça-feira, novembro 18, 2008

Compartilho hoje com vocês do conto Três Bocas, que faz parte do meu livro Castelos de Areiamar, lançado em 1984. Tal texto já foi publicado aqui em julho de 2005.
TRÊS BOCAS
A MULHER:
Foi isso seu doutor, desse jeito mesmo que ele xingou e bateu a porta no meu rosto, quase caía escada abaixo. Então, tive de procurar outra saída pro coitado, agora encostado feito ferro velho, sucata, todo nome ruim. Depois, a cabeça dele virou por completo... Vá o senhor e veja com os próprios olhos a cena no pequeno vão do casebre. A poça de sangue e o menino dormindo nela com o lençol envolvendo seu corpo magro.
- Uma no copo, pode encher...
Eu sozinha tendo de enfrentar a situação, se meu filho não estivesse doente... Reagir aos insultos? Não suporto coisalguma doutor, meus nervos tão uma pilha. Saí de casa às quatro da manhã, escuro, o galo cantando. Estamos em jejum, não comemos nada. Ele ficou caído no chão, esborrachado. Os meninos? Deitados no piso de areia... É de areia doutor, de uma que consegui na praia, um trabalhão da molesta, ufa! Pois é a nossa cama, a cachaça fez o monstro vender tudo, ficamos numa situação de penúria. Estou atrapalhada, nem sei mais o que digo, se o patife ficou em casa ou enfiado naquela bodega desgraçada. Uma confusão na minha mente, uma confusão dos diabos. Como estará meu filho, será que ele se salva doutor? Às vezes fico pensando que não tem jeito, o pobre naquela miséria estirado no chão feito cão sem dono. Pra uma mulher fraca como eu é demais, acho que desfaleço, não suporto. O que o senhor acha, fale doutor, tou escutando.
O MÉDICO:
O certo é que a senhora perdeu muito tempo nesse blá-blá-blá, mas, de qualquer maneira, tome este remédio e vá correndo ver seu filho, não espere um minuto, ouviu? "Essa mulher parece meio maluca, nunca vi desespero igual". Minha senhora corra e cuidado, volte aqui amanhã. "Sozinho enfrentando milhares, darei conta?" Uns vão ter de voltar depois, não sei quando...
- Que mandem entrar o próximo!
O CURIOSO:
A gente tem de enxergar adiante também. Madalena mora com seu Queiroga num casebre, passam necessidade, possuem pouca coisa, como vocês sabem, gente pobre. Um triste dia...
- Tire esse menino daqui mulher, tá sangrando, sujando tudo - disse.
- O que foi, o que foi? - assustou-se.
E estava o coitado morrendo pela boca. Um soco que levou, dormiu e quando acordou... O menino tossindo, que diabo! Mulher desavergonhada!, gritou, não vai trabalhar hoje? E o remédio? Cale a boca, vagabundo, vá curtir sua cana no inferno.
Deixou o homem embriagado e saiu no bairro afora, atrás do necessitado, um mínimo possível. Andou, andou e parou num posto de assistência, por volta das cinco da manhã. Resolveu enfrentar:
- O doutor taí?
- Fique nesta fila, responderam.
Concordou e olhou umas quinze pessoas na frente, não dava pra encontrar o filho com vida, pensou. O jeito é esperar. Quis chorar, porém levantou a vista e olhou firme. Quanta gente, quanto desperdício!, exclamou-se a si própria. As caras assombraram a pobre mulher e ela baixou a cabeça. Lembrou-se do filho e viu umas poças de lama no chão. Acordou sobressaltada.
- Aquilo é sangue!?, disse para a cara do menino.
Todos riram e se animaram um pouco, esperando uma eternidade. Ela tirou do vestido alguns papéis surrados e começou a cuspir, desenhar com a língua objetos de fábulas. Pregou a folha na parede e ficou a contemplar sua imaginação. As linhas eram vermelhas, fios de saliva saíam da boca.
O tempo passando e a mulher desesperada, desse jeito não tem cristão que agüente. Tinha receio, não falava, esperando a vez que não vinha. Dez pessoas... Falta muito, o medo era o piolhento do marido não esperar, acabar com ela. Ignorante!
Sou testemunha de que ela gemia, gemia, o monstro bêbado, aos gritos, enfurecido. Impressionada, sozinha, essa hora os outros filhos brincavam na rua, soltos na buraqueira, na vivência de pobre entre maus tratos e desnutrição. Isso era lá vida de gente!
Nada da fila andar, estava padecida, chateada, o resto do dia esperando, impaciente. O sem-vergonha embriagado o dia inteiro, ralhando com os infelizes. Sujeitinho besta duma figa, porcalhão, gritou ela um dia. Ficou uma fera, pegou a jarra e meteu-lhe na cabeça. O talho na frente e cacos pra todo lado. O rapazinho acudiu e levou um soco nas costas, em cima de um pulmão. Pra não se meter, seu fedelho! Desde este momento não pôde mais se levantar, ficou botando sangue às golfadas...
- Peste ruim, quero que você morra! Bater numa criança... E depois o safado ainda foi pra bodega.
Os da fila cochicharam, pensaram que dona Madalena estivesse louca, falando asneira sozinha. Transmudou-se, decifrou insultos. Estava em pandarecos, ia desmaiar. Desse jeito poderiam saber o que ela estava sentindo, uma cena ensaiada sem preparos.
Então o homem chegou bêbado e molhou os pés ao entrar, caiu esparramado, de cara enfiada na suja areia. O garoto sem forças, os braços moles, os outros admirados e sem ação. A mulher foi colocada no consultório e fez seu relato. E foi isso mesmo o que sucedeu, pois a coitada de dona Madalena não chegou a tempo.
- Meu filho estirado no chão!, disse, pasmada, olhando para o menino já morto. Passou por cima do marido dormindo e abraçou o filho como um último instante daquela vida miserável.


Bené Chaves