A ESCOLA
(Cena de 'No tempo das diligências', de John Ford)
Depois de uma efêmera atuação de nossas atividades colegiais houve daí uma separação ocasionada em parte pela transferência de alguns colegas e em outra pelo seguimento noutras diligências, motivando, desde então, um conseqüente distanciamento daqueles momentos que vivenciamos juntos a divulgar uma arte tão preciosa como é o cinema.
Desmancharam-se tudo e restaram, entre outras coisas, as saudades das sessões semanais (ou quase). E acho que boas lembranças ficaram entre nós, repassadas somente e com tristeza no curso da memória e da existência. No pequeno auditório dos padres de saias pretas, compridas e horrorosas tais reuniões nunca mais ressurgiram, morrendo ali mais uma ilusão da passagem lúdica e lúcida em um tempo que se foi e apenas deixou sua memória.
Porém, em compensação (e quase paralelamente), houve uma iniciativa, fora dos eixos escolares, de um grupo de rapazes, que, em boa hora, atinou para a fundação de um cine-clube na então pacata Gupiara. Esta agremiação viria a ser a mola-mestra da iniciação e aprendizado aos que ainda estavam virgens na apaixonada e verdadeira arte cinematográfica.
E tais jovens, com a euforia da pós-adolescência, formaram uma entidade e continuaram os belos projetos da chamada sétima-arte. Os estudos iniciaram e os acontecimentos surgiram. Então os "meninos do tirol" (bairro onde se realizavam as reuniões) planejavam também a exibição de filmes considerados 'clássicos' e permitiam salas de debates para uma melhor compreensão daquelas obras exibidas. Trouxeram muitas fitas de valor comprovado pela crítica de um modo geral. E o nosso conhecimento e a nossa apreciação foram tomando pulso para uma cultura não somente no campo da cinematografia, como igualmente na parte literária. Alguns filmes foram chegando ao salão pequeno e desconfortável (sempre o mesmo desconforto a perseguir os auditórios) do local onde estavam já funcionando as atividades cineclubísticas.
Apenas como uma ilustração e também curiosidade para os leitores, poderíamos enumerar algumas fitas exibidas para os associados ou não:O salário do medo, de Henri G. Clouzot, produção de 1953, com Yves Montand e Charles Vanel; Rififi, excelente fita de Jules Dassin, produção de 1954, com Jean Servais e a então bonita Magaly Noel; Se todos os homens do mundo, outro bom filme do cinema francês, de Christian-Jaque, realizado em 1955; Os visitantes da noite, fita importante de Marcel Carné, com a atriz Arletty, que era muito solicitada na época, produção de 1942; o bom filme sueco A última felicidade, de Arne Mattsson, de 1951; a obra-prima de John Ford No tempo das diligências (1939), talvez sua fita mais emblemática, com o sempre fordiano John Wayne; Os sete samurais, filme de Akira Kurosawa, com o famoso ator de então Toshiro Mifune, produção de 1954; e depois vimos Hotel do Norte, também de Marcel Carné, com Arletty, produção de 1938, mas bem inferior ao citado anteriormente Os visitantes da noite.
Portanto, o cine-clube de Gupiara e o único a sobreviver alguns anos, nos ensinou quase tudo sobre a bela arte da magia, do encantamento, do tato, do sabor, do fato e da feitura e devaneios nossos na escala do aprendizado de cada dia. Ali a gente ficava longe das agruras de uma sociedade desvirtuada e fincada, sobretudo, em desejos banais e hipócritas. Ali nós estudávamos, nós aprendíamos, mas também nos divertíamos com o saber na ponta da língua.
Surgiam valores maiores, novos, a cultura sempre realçando nas atividades da época. Uma época de ouro e de combate para alguns de nós. E o "cinema-de-arte" foi o grande feito daquela agremiação. Paralelamente as exibições passaram para o saudoso cinema Rex(hoje somente uma edificação a enfear sua antiga imagem), no início em sessões matinais aos sábados. Depois em outros locais.
Mas, aí já é outra história... Apenas lembramos que o Cine-Clube-Gupiarense foi a melhor escola, podemos até dizer, em termos gerais, que tivemos ao longo de um tempo passado e que ficou na nossa memória presente.
('Hotel do Norte', de Marcel Carné)