terça-feira, junho 24, 2008 |
(Quadro de Cândido Portinari)  VERSOS QUE CANTAM E ENCANTAM (32) De Waldir Azevedo e Pereira Costa: O brasileiro quando é do choro é entusiasmado
Quando cai no samba não fica abafado
É um desacato quando chega no salão
Não há quem possa resistir
Quando o chorinho brasileiro faz sentir
Ainda mais de cavaquinho com um pandeiro
E um violão na marcação
Brasileirinho chegou e a todos encantou
Fez todo mundo dançar a noite inteira no terreiro
Até o sol raiar
E quando o baile terminou a turma não se conformou
Brasileirinho abafou
Até o velho que já estava encostado
Neste dia se acabou
Para falar a verdade estava conversando
Com alguém de respeito
E ao ouvir o grande choro eu dei logo um jeito
E deixei o camarada falando sozinho
Gostei, pulei, dancei, pisei até me acabei
E nunca mais esquecerei o tal chorinho
Brasileirinho.
Obs: Versos do choro 'Brasileirinho', de 1949. Waldir Azevedo nasceu no Rio de Janeiro em 27 de janeiro de 1923. Além de compositor, era também instrumentista. Aos sete anos comprou um flauta e influenciado depois por amigos resolveu trocá-la por um bandolim. E logo a seguir passou para o cavaquinho. Tocava também violão, mas foi como flautista que se apresentou ao público no carnaval de 1933 executando o 'Trem Blindado’, de João de Barro. Queria ser aviador, porém problemas cardíacos o impediram. Então o jeito era mesmo tocar cavaquinho, o que fez durante dois anos no regional de Dilermando Reis em um programa na Rádio Clube do Brasil. Com 132 músicas gravadas, entre chorinhos, valsas e baiões, lançou 20 LPs e cerca de 50 discos em 78 rpm, sendo ‘Brasileirinho’ sua primeira composição. E na década de 50 fez muito sucesso com 'Delicado'(baião), 'Pedacinhos do céu', 'Chiquita' e 'Vê se gostas', entre outras. Abrindo as portas para a sua carreira, 'o tal chorinho Brasileirinho' tornou-se peça obrigatória em seus shows. E foi em 1950 que Ademilde Fonseca gravou-o com letra de Pereira Costa e acompanhado pelo próprio Waldir. Por motivo da morte de uma filha, em 1964, afastou-se dos meios musicais, mas voltou a gravar anos depois. Azevedo faleceu na cidade de São Paulo em 21 de setembro de 1980.
ESPAÇO LIVRE
VERSOS BULIÇOSOS
Em teus felinos e sensuais lábios eu canto e também me encanto... Ah, porção de desejos e ensejos! Diante de teu olhar a brandura de minha ternura.
A imaginar no teu rosto macio os olhos de uma tenaz vivacidade. Os cabelos revoltos, o sorriso abrasador, cativante, em um corpo que acalenta e inquieta.
E tua exuberância, teus seios volumosos, dadivosos, encantam e alimentam minha libido. Na sublime tentação de rechear-me de ti e para ti.
Ah, beiços roliços e carnosos! Quão densos e ambiciosos! E que tornozelos formosos!
O remate da mulher fatal a mover e inventar meu ilusório prazer.
Eu a beber na tua fonte quimérica!
Bené Chaves
terça-feira, junho 17, 2008 |
 O texto abaixo foi publicado aqui em janeiro de 2005. Transcrevo-o novamente para aqueles que não o leram na ocasião. Porém, o poema é inédito. PRIMEIROS ALUMBRAMENTOS
Gupiara crescia e a família de Painhô também. Ela, minha mãe, já parira os seis filhos. E, então, logo a casa se encheu de gente. A responsabilidade de meu pai aumentou e ele largou um pouco o lazer das cantorias. Afinal, teria de trabalhar dobrado para o sustento das crianças. O certo é que todos envelheciam a cada novo dia, principalmente Tia Chica. Mas, as suas comidas ainda principiavam sabores singulares. Eis, portanto, que estou homem quase feito, nada daquele menininho besta de anos atrás. Os pêlos começavam a crescer e vivia uma plena pré-adolescência. E também doido pra conhecer os prós e contras da vida, de olho, lógico, na primeira alternativa. Minha ascendência, que era paradigma da indulgência, ficou a me estimular como razão maior de uma existência sadia e apreciada. Todos gostavam de mim e era estimado na escola onde estudava, talvez um marco na arte de fazer manhas (artimanhas?) e desfazer fatos sucedidos ou a suceder. Cresci nesta dualidade de afetividade e discernimento, às vezes uma mácula detestável algures, mas, de qualquer maneira, afã determinante para meu amadurecimento de atos e êxitos. Tive minhas travessuras, claro, quando criança ainda, porém quem não as teve? Mainhô não deixava por menos, sempre a ralhar comigo com certa implicância. Ei, menino, deixe de ser buliçoso e medonho, dizia ela, quando às vezes excedia em algum divertimento que ela não aprovava. E fugia rapidinho pro meu quarto com medo de uma repreensão maior. E quando Painhô voltava do trabalho, logo eu pegava seu violão e corria pra varanda, na certeza dele cantar algo para aliviar o ambiente. Mas, ao contrário, preferiu ele contar uma estória do sertão, que segundo disse, aconteceu de verdade. Embora eu não levasse muita fé. Contudo, deitou-se na rede e chamou Mainhô para lhe fazer carinho. Olhou nos meus olhos e nos dela e principiou: 'Aquele lugar onde estive, meus queridos, - e piscou de soslaio para mim - não me era estranho. Isso no alto sertão, seco e esturricado, não se via um pingo de água fazia tempo. Morria-se vivinho. As árvores murchas e os galhos podres no chão de um barro enxuto, poeirento. Os passarinhos espalhados na areia, ressequidos do mormaço. Tudo vagava naquele mundo. E então meus olhos começaram a saltar, a baterem desordenados. Tudo ficou escuro e rolei descontrolado na areia quente. Depois de alguns minutos, ali, sozinho, sabia que os bichos iriam me devorar, embora não visse animal nenhum. Acho que iriam me comer por inteiro. Desviei o olhar e senti medo, lembrei de algo bom para afugentar o susto. O sofrimento fazia com que eu tentasse, paradoxalmente, rir para amenizá-lo, sem aprazimento, contudo com um pouco de ódio. Aliviei e fugi, danei carreira na estrada. E uma fumaceira desapareceu comigo...' Quando Painhô quis continuar tal estória, todos estavam quase cochilando (inclusive meu irmão nascido meses atrás), menos eu, que fiquei atento àquela aventura que ele dizia ter sido com ele, muito embora eu não acreditasse que era. Achei que fosse mais uma de suas invenções. Jurava que sim. Só não entendi porque ele teve a astúcia de contar relato meio assustador. Acho que foi extraído do livro que o mesmo conservava na estante da casa.
ESPAÇO LIVRE
NOSTALGIA
Saudades de te ver de te colher, te acolher. Também de te sentir, te querer.
Saudades de ontem, de hoje, de uma manhã amanhã sem ler.
Imensas saudades do que deixei do que inventei e ou criei.
De um corpo jovem, bonitão e das mulheres do meu sertão.
Das morenas ciciosas, das loiras suntuosas e das ruivas jeitosas.
Do que vi e do que não vi e do que não quis ver.
Saudades sempre de uma vida que o tempo irá esquecer e nunca mais irei morrer.
Saudades de ti saber saudades!
Bené Chaves
terça-feira, junho 10, 2008 |
VERSOS QUE CANTAM E ENCANTAM (31) De Pedro Caetano: É com esse que eu vou sambar até cair no chãoÉ com esse que eu vou desabafar na multidãoSe ninguém se animarEu vou quebrar meu tamborimMas se a turma gostar vai ser pra mim Quero ver no ronca-ronca da cuíca Gente pobre, gente rica, deputado e senadorOi quebra, quebra que eu quero verUma cabrocha boa No piano da patroa batucando É com esse que eu vouMas quebra, quebra que eu quero verUma cabrocha boa, no piano da patroa... batucandoÉ com esse que eu vou
De Lupicínio Rodrigues: Esses moços Pobres moços Ah, se soubessem o que eu sei Não amavam, não passavam Aquilo que eu já passei Por meus olhos - por meus sonhos Por meu sangue - tudo, enfim É que eu peço - a esses moços Que acreditem em mim Que eles julgam que um lindo futuro Só o amor nesta vida conduz Saibam que deixam o céu por ser escuro E vão ao inferno à procura de luz Eu também tive nos meus belos dias Essa mania e muito me custou Pois só as mágoas que trago hoje em dia Estas rugas que o amor me deixou
Obs: Versos das músicas 'É com esse que eu vou' e 'Esses moços, pobres moços', ambas de 1948. Pedro Walde Caetano, compositor, nasceu em Bananal(SP) no dia 01 de fevereiro de 1911. Estudou piano desde cedo e aos 22 anos fez sua primeira composição, 'Foi uma pedra que rolou', lançada em 1934 pelo Sílvio Caldas. E seu primeiro sucesso foi a valsa 'Caprichos do Destino', gravada por Orlando Silva em 1938. 'É com esse que eu vou' saiu de uma viagem de trem que o compositor fez de Vitória para Belo Horizonte. Dizia ele: 'a viagem era longa e o trem moroso demais. Então, para matar o tempo, comecei a compor um samba, sem maiores pretensões. Imaginei um bloco querendo fazer uma música animada para pular no carnaval. Quando a viagem terminou o samba estava pronto'. Foi gravado pelo 'Quatro ases e um coringa' no mesmo ano. Caetano faleceu no Rio de Janeiro em 27 de julho de 1992. Lupicínio Rodrigues era considerado o pai da 'dor de cotovelo' pela própria natureza de suas músicas. Nasceu na cidade de Porto Alegre(RS) em 19 de setembro de 1914. E conseguiu um feito raro: ser um dos poucos compositores, fora do eixo Rio/S.Paulo, a fazer sucesso. Entre seus trabalhos, estão: 'Brasa'(45), interpretado por Orlando Silva e 'Nervos de aço'(47), cantado pelo Francisco Alves. Lupicínio teve como primeiro amor uma mulher conhecida por Inah, mas o romance seria interrompido porque ela não aceitava a vida de boêmio do compositor. Desde então, tal fato marcou profundamente a sua obra e a mesma deve ter sido a musa inspiradora das muitas canções que fez. Ele morreu em Porto Alegre, cidade onde sempre viveu, no dia 27 de agosto de 1974.
ESPAÇO LIVRE
(Quadro de Henri Matisse)
AGRIDOCE Na receptividade da vida a tua manhosa presença o teu fervor.
Na obscuridade da morte a tua pesarosa ausência o teu silêncio.
E o sentimento mesclado de uma vulnerabilidade que oscila ao acaso.
Entre os dois extremos que nos fazem sorrir e chorar.
Bené Chaves
terça-feira, junho 03, 2008 |
<  O texto abaixo foi publicado aqui no mês de novembro de 2004 e causou uma certa polêmica. Com pequenos acréscimos e mudança do título, transcrevo-o novamente para aqueles que não o leram. Ou, então, uma releitura para os demais. O HÁBITAT DE TODOS NÓS
A vida começara a realçar, a separar e a tilintar diante de pedras, grutas, tascos e uma infinidade de objetos surgidos no chão da terra seca e braba, sol rasante e lua delirante. Aquilo sim é que era estupidez, molestamento! No mais, tudo enfim ficou e fixou, dito e entredito, conforme as resignações, inquietudes e instâncias da ocasião. E com o que era de se supor. E depois, pouco tempo depois, vieram as desgraças sem graças e o que de pior poderia ou deveria acontecer. Uma vastidão e devassidão tomaram conta do espaço ocupado. E as pessoas ficaram a rodear sobre si mesmas sem saberem de onde vieram e nem pra onde iam. Raças apareceram, classes se formaram e línguas se difundiram, desenvolvendo-se uma promiscuidade incomum, com tanto homem e mulher a fornicar. Poderia até causar impressão de ser uma brincadeira prazerosa. Enfim, uma plêiade de necessidades e necedades foi surgindo e adquirindo volumes diversos. À falta de uma boa temperatura, todas as coisas explodiram de insciência e impulsividade. A terra tinha brotado e se dividido. E o homem, a mulher e a criança, todos postos ali sem um propósito, estavam abobalhados, boquiabertos. Teriam nascidos e colocados assim, sem mais nem menos? Somente para tornar duradoura uma espécie? Que espécie seria essa? Desde tempos idos e vindos que batucavam nesta tecla. E queriam saber a razão daquilo tudo, do caso inusitado. Seria a antítese dos sexos a grande delinqüente, a verdadeira vilã? Ou a verdadeira razão? À vista disso... Vilã ou razão, ah, quanta imprudência, desvirtuamento e impudência! Tudo se relaciona mesmo com a dita rivalidade entre o homem e a mulher. E se não fosse a diferença entre eles, quer dizer, os sexos opostos, lógico, não se estaria aqui. A necessidade que o macho tem de querer uma fêmea antes passa pelo desejo carnal, seja ela bonita ou feia. E na época das cavernas, do indivíduo no seu estado primitivo, nem se fala... Bastava ser (aparentemente) do sexo contrário. Ou falando, melhor dizendo, escrevendo grosseiramente: andar com uma lasca entre as pernas. Portanto, o prazer que os seres masculinos e femininos sentem um pelo outro é enraivado, arraigado, embora na atualidade (com menos inibição) já existam diversidades à margem. E daí vem a extrema carência do desejo, a irascibilidade latente. Essa bagaceira do prazer e ruidosa vontade do inolvidável. (Parece-me que o amor - na maioria dos casos - fica aí em segundo plano, principalmente porque se sabe que entre ele e o ódio existe quase uma questão de interesses próprios e egoísticos. Ama-se hoje e amanhã odeia-se. Ou tudo não passa de uma contenda de horas.). Disseram que dali em diante o homem sobreveio afogueado, senhoreou-se de vez, tido e havido. Tendo o trunfo maior, que é o órgão penetrador, deu valimento e lenhada de lado a lado. Lés a lés. Houve, a partir daí, chamuscadura entre os opositores. E o amar e o odiar passaram a viver colados um ao outro. Assim como a idiossincrasia reproduz a imagem do ser que se diz humano. O tempo, então, voou com explodida rapidez...
ESPAÇO LIVRE
ATO FINAL II
Tudo cessou!
As cenas da vida abaixam o pano e adormecem.
E fica somente o vazio no palco das ilusões.
A platéia a gargalhar muda a comédia do não ser.
Na pantomima existencial.
Bené Chaves
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