
O texto abaixo foi publicado aqui em janeiro de 2005. Transcrevo-o novamente para aqueles que não o leram na ocasião. Porém, o poema é inédito.
PRIMEIROS ALUMBRAMENTOS
Gupiara crescia e a família de Painhô também. Ela, minha mãe, já parira os seis filhos. E, então, logo a casa se encheu de gente. A responsabilidade de meu pai aumentou e ele largou um pouco o lazer das cantorias. Afinal, teria de trabalhar dobrado para o sustento das crianças. O certo é que todos envelheciam a cada novo dia, principalmente Tia Chica. Mas, as suas comidas ainda principiavam sabores singulares.
Eis, portanto, que estou homem quase feito, nada daquele menininho besta de anos atrás. Os pêlos começavam a crescer e vivia uma plena pré-adolescência. E também doido pra conhecer os prós e contras da vida, de olho, lógico, na primeira alternativa. Minha ascendência, que era paradigma da indulgência, ficou a me estimular como razão maior de uma existência sadia e apreciada. Todos gostavam de mim e era estimado na escola onde estudava, talvez um marco na arte de fazer manhas (artimanhas?) e desfazer fatos sucedidos ou a suceder.
Cresci nesta dualidade de afetividade e discernimento, às vezes uma mácula detestável algures, mas, de qualquer maneira, afã determinante para meu amadurecimento de atos e êxitos. Tive minhas travessuras, claro, quando criança ainda, porém quem não as teve? Mainhô não deixava por menos, sempre a ralhar comigo com certa implicância. Ei, menino, deixe de ser buliçoso e medonho, dizia ela, quando às vezes excedia em algum divertimento que ela não aprovava. E fugia rapidinho pro meu quarto com medo de uma repreensão maior.
E quando Painhô voltava do trabalho, logo eu pegava seu violão e corria pra varanda, na certeza dele cantar algo para aliviar o ambiente. Mas, ao contrário, preferiu ele contar uma estória do sertão, que segundo disse, aconteceu de verdade. Embora eu não levasse muita fé. Contudo, deitou-se na rede e chamou Mainhô para lhe fazer carinho. Olhou nos meus olhos e nos dela e principiou:
'Aquele lugar onde estive, meus queridos, - e piscou de soslaio para mim - não me era estranho. Isso no alto sertão, seco e esturricado, não se via um pingo de água fazia tempo. Morria-se vivinho. As árvores murchas e os galhos podres no chão de um barro enxuto, poeirento. Os passarinhos espalhados na areia, ressequidos do mormaço. Tudo vagava naquele mundo. E então meus olhos começaram a saltar, a baterem desordenados. Tudo ficou escuro e rolei descontrolado na areia quente. Depois de alguns minutos, ali, sozinho, sabia que os bichos iriam me devorar, embora não visse animal nenhum. Acho que iriam me comer por inteiro. Desviei o olhar e senti medo, lembrei de algo bom para afugentar o susto. O sofrimento fazia com que eu tentasse, paradoxalmente, rir para amenizá-lo, sem aprazimento, contudo com um pouco de ódio. Aliviei e fugi, danei carreira na estrada. E uma fumaceira desapareceu comigo...'
Quando Painhô quis continuar tal estória, todos estavam quase cochilando (inclusive meu irmão nascido meses atrás), menos eu, que fiquei atento àquela aventura que ele dizia ter sido com ele, muito embora eu não acreditasse que era. Achei que fosse mais uma de suas invenções. Jurava que sim. Só não entendi porque ele teve a astúcia de contar relato meio assustador. Acho que foi extraído do livro que o mesmo conservava na estante da casa.
ESPAÇO LIVRE
NOSTALGIA
Saudades de te ver
de te colher, te acolher.
Também de te sentir, te querer.
Saudades de ontem, de hoje,
de uma manhã amanhã sem ler.
Imensas saudades do que deixei
do que inventei e ou criei.
De um corpo jovem, bonitão e
das mulheres do meu sertão.
Das morenas ciciosas, das loiras
suntuosas e das ruivas jeitosas.
Do que vi e do que não vi
e do que não quis ver.
Saudades sempre de uma vida
que o tempo irá esquecer e
nunca mais irei morrer.
Saudades de ti saber saudades!
Bené Chaves