terça-feira, abril 29, 2008 |
<  Arte de Maria da Conceição Valdágua ITINERÁRIO ALFABÉTICO (6)
UMA vez tive um sonho estranho: estando sozinho neste mundo áspero e rude, não pude deixar de retalhá-lo, golpeando-o em partes iguais. Permanecia sedicioso em querer mudar aquele inferno. Olhava em frente e via o trajeto repartido em não sei quantas divisões. Cheguei a me assustar, juro. Atravessei enormes desfiladeiros e pegando um atalho parecia fugir, como em filmes de faroeste, de grande quantidade de índios. Intrincado e emaranhado, o solo ficou secarrão. Claro que não estava acostumado com essas andanças, a bem dizer talvez fosse a primeira vez que saía de casa. Mundão matuto esse, tudo no desprimor. Então, tardinha, eu vinha vindo tardo para me achegar no lugarejo. O que não gosto nem de contar. Mas, houve uma espécie de explosão e gente muita havia morrido. Tudo tomado nas devidas apropriações, com queimação, saque... Haviam desmandado. E fiquei ardendo nas supostas chamas. Uma espécie de delírio... Quando minha mãe me acordou, estava lá eu no escuro a debater contra o próprio travesseiro, parecia mesmo evidenciar tais episódios. Passou, repassou e ficaram somente as distâncias. E até o presente momento não entendi a razão daquela seqüência de imagens. Talvez fenômenos psíquicos postos involuntariamente.
VEZ ou outra Painhô lia no sofá um livro de historinhas que ele conservava na estante. Dizia: esse capítulo é ótimo, tem cada piada... Dobrei, então, a folha e ele começou a ler, parando na metade. Vi seus pêlos dos braços arrepiarem e os cabelos também, parecendo mais uma vassoura ao contrário. Na verdade, ele puxou o livro com força e não leu mais nada. Falou que os relatos eram meio obscenos e foi guardar o dito compêndio ou coisa parecida. Deve ter escondido entre as traças da velha estante. Mas, outro dia ainda irei testemunhar suas páginas. Depois encontrei meu pai na rede nova relembrando os dias que passava na fazenda, quando dizia que remoçara dezenas de anos. E concluí que se ele morasse lá talvez nunca fosse envelhecer, mesmo com o reforço da palavra. Vê como era o vaqueiro de meu avô, moço, moço, disposição de bicho, carinha de menino. E ali mesmo ele dormiu uma soneca, era hábito a sesta de Painhô depois do almoço.
XIXI eu ainda fazia no berço. Como não existiam fraldas descartáveis, sobrou mesmo pra Tia Chica que lavava uma a uma aquelas intermináveis de tecidos de algodão. E tinha, claro, que suprir minhas necessidades fisiológicas. Ficava ali sem fazer nada, a espera de uma mão bondosa que viesse trocar a velha urina escorrendo nas minhas robustas pernas. Que cuidassem de mim, pois! Afinal de contas, não tenho culpa dos acontecimentos. Se existem responsáveis no caso aí são os meus pais que resolveram fazer amor e então, depois de nove meses daqueles entreveros na cama, eu nasci. Isto é mais do que evidente e todos devem pensar assim, inclusive eu, que sou parte interessada. E digo mais: de certa maneira Painhô e Mainhô também não tiveram lá a culpa toda, pois já são frutos de outros amores. Partindo dessa premissa, todos têm sua parcela de uma forma ou outra. Não irei, tenho certeza, desabrochar uma vida quando estiver de colóquios amorosos com uma mulher? Nesse ponto, sou responsável também. Ou irresponsável?
ESPAÇO LIVRE
O poema abaixo já foi publicado aqui em janeiro de 2005. Faz parte do livro 'Cinzas ao amanhecer' (Sebo Vermelho, 2003). Espero que tenham uma boa leitura. Ou releitura.
INVERSÃO DAS COISAS Amanhecerei desfeito em cinzas?
Amanhã serei invisível...
Anoitecerei um outro ser?
À noite serei um fantasma...
Amanhecerá uma bela alvorada?
Amanhã será um novo dia...
Anoiteceria uma aurora reluzente?
Amanheceria a escuridão pendente...
A noite seria com forte sol?
A manhã seria com branda lua... Bené Chaves
terça-feira, abril 22, 2008 |
 VERSOS QUE CANTAM E ENCANTAM(28)
De Wilson Batista e Sílvio Caldas
Nos olhos das mulheres / No espelho do meu quarto É que eu vejo a minha idade / O retrato na sala Faz lembrar com saudade / A minha mocidade A vida para mim tem sido tão ruim / Só desenganos Ai, eu daria tudo / Para poder voltar Aos meus vinte anos. Deixaste minha vida / A sombra colorida De uma saudade imensa / Deixando-me ficaste Mostrando-me o contraste / Matando a minha crença. E hoje desiludido / Muito tenho sofrido Cheio de desenganos / Ai, eu daria tudo Para poder voltar / Aos meus vinte anos.
De Wilson Batista e Haroldo Lobo:
Eu quero uma mulher, que saiba lavar e cozinhar Que de manhã cedo, me acorde na hora de trabalhar Só existe uma e sem ela eu não vivo em paz Emília, Emília, Emília, eu não posso mais Ninguém sabe igual a ela Preparar o meu café Não desfazendo das outras Emília é mulher Papai do céu é quem sabe A falta que ela me faz Emília, Emília, Emília, eu não posso mais...
Obs: Versos das músicas 'Meus vinte anos' e 'Emília', de 1942 e dos autores acima citados respectivamente. Wilson Batista era compositor, filho de um guarda municipal de Campos e ainda menino tocava triângulo numa banda organizada pelo tio. Aos 16 anos fez 'Na estrada da vida', samba gravado em 1933. Um ano antes gravou 'Por favor, vai embora', com Benedito Lacerda e Osvaldo Silva. Iniciou a apologia do malandro com 'Lenço no pescoço', que foi gravado pelo Sílvio Caldas em 1933. E, com isso, deu trela à famosa polêmica com o Noel Rosa, que respondeu em 'Rapaz folgado'(1932). E depois seguiram-se réplicas e tréplicas. Sempre compondo marchinhas para o carnaval lançou sua última em 1962, com o César de Alencar e feita em parceria com Jorge de Castro e Alberto Jesus. Wilson Batista nasceu em Campos, R. J., no dia 3 de julho de 1913 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 7 de julho de 1968.
Haroldo Lobo era filho de Quirino Lobo, que tocava flauta e violão e irmão de Osvaldo Lobo, o Badu, compositor e baterista. Aos 13 anos já compunha samba, embora seu primeiro emprego fosse como guarda na polícia de Vigilância. Algumas composições suas tiveram sucesso popular porque se referiam aos fatos do cotidiano e de repercussão nacional e internacional. Exemplo: 'Oito em pé'(1942), marcha gravada pela Araci de Almeida. Venceu também, no período, alguns concursos para o Carnaval. Era um folião dos mais animados. Haroldo Lobo nasceu no Rio de Janeiro em 22 de julho de 1910 e morreu em 20 de julho de 1965. Curioso observar que o mês de Julho foi fatídico para os compositores citados, embora também fosse sinal de alegria nos seus nascimentos. Seria, talvez, uma ironia do destino.
Sílvio Caldas, cantor e compositor, participava de festas, dançava e sapateava nas mesas dos bares. E também cantava, óbvio. Já com 6 anos cantou um samba de bloco no teatro Fênix, durante conferência literária. Começou a trabalhar logo cedo como aprendiz de mecânico. Depois foi para a capital paulista e continuou sua longa carreira, começando a gravar no início dos anos 30. Nasceu no Rio de janeiro em 23 de maio de 1908 e faleceu em Atibaia, SP, no dia 3 de fevereiro de 1998. Viveu, portanto, um bocado de tempo e deu muitas alegrias para seus admiradores.
ESPAÇO LIVRE
DESNUDAR
Na fantasia da existência tiro a máscara da ilusão e choro os devaneios perdidos. Nas várias fases de um rosto em decomposição.
E recrio a sua e a minha imagem nos clarões das boas lembranças.
As minhas, da inocência revivida.
As suas, de um suposto renascer.
Bené Chaves
terça-feira, abril 15, 2008 |
 ITINERÁRIO ALFABÉTICO (5)
QUANDO meu pai me levava a passear, eu sempre pedia pra entrar numa daquelas salas de cinema. Ali ele subia comigo e conseguia através da amizade com o projecionista me mostrar uma enorme máquina de rolos gigantescos a girar ininterrupta. Então discutia com o homenzinho sobre assuntos que eu nada entendia e metia o olho direito num daqueles buracos, enquanto gesticulava mandando que examinasse uma luminosidade retangular na minha frente. Parece-me que exibiam um seriado desses que obrigavam você a acompanhar toda semana. E eu me entusiasmava tanto que ficaria o dia todo na observação não fosse o próprio sujeito a me lembrar que teria de sair. Sabia, isso sim, que era gostoso o suspense de um filme para o seguinte, vendo-me depois na expectativa de nova espiada na aparelhagem cinematográfica. Fui daí, então, me interessando pela continuação da fita e sempre fugia pra assistir os seriados com a ajuda do amigo de Painhô.
REGISTREI, desde cedo, em meu diário, que não tinha quase esperanças com esse mundo que aí está. Talvez fosse preciso muitas transformações. De qualquer maneira apenas tento colocar e, se possível, corrigir fatos danosos que marcam irregularidades absurdas nesta nossa vivência. Então, a lamentação é freqüente à insensibilidade do ser dito humano. E dei, portanto, o veredicto simples, porém implacável: meus olhos viam, desde criança, uma humanidade bestificada. Quando ficar adulto e sentir atrações externas e sentimentos próprios ao meu corpo jovem, farei o que for possível para tudo se transformar como uma flor desabrochada em plena madrugada.
SÚBITO lembro-me de um episódio: ainda no ventre de Mainhô vi uma infinita escuridão acercar-se, pensando depois e batucando sobre a causa e efeito de tais ruídos estranhos. Pareciam ser labirintos inatingíveis e cores diversas em constantes combates. Fios corriam dispersos, atingiam meu cérebro, deslocavam-se em círculos e incomodavam o corpo inteiro. Mas, depois tudo passou e me vi livre de misteriosa e azucrinante coação. Foi um sufoco que deixou tonto um bom período o feto que ainda estava em estrutura de se desenvolver.
TODOS viram (ou quase) naquele menino um ser talvez destemido e disposto a enfrentar situações que a vida iria impor. Marco de uma determinação? Pressenti o acontecido e fiquei boquiaberto ao saber da extravagância e fecundidade do problema. Mainhô e Painhô saíram a gritar de contentamento e felicidade, o oposto do que senti quando soube que iria nascer. Já tinha dito: não era o que desejava. Não queria assistir o que o mundo parecia programar ante meus (e talvez seus) frágeis olhos: o sofrimento da grande maioria das pessoas. E observei-o e ainda observo-o assombrado e temeroso.
ESPAÇO LIVRE
O poema abaixo faz parte do livro 'Cinzas ao amanhecer' e já foi publicado aqui no início de 2005. Coloco-o novamente para outras avaliações. Espero que tenham uma boa leitura.
ESCURIDÃO
Nos gestos radicais aniquilam-se passados alegrias tristezas presentes.
Ilusões de uma vida.
Nas atitudes normais evidenciam-se coerências transigências ponderalidades futuros.
Sombras de um eco.
Bené Chaves
terça-feira, abril 08, 2008 |
 VERSOS QUE CANTAM E ENCANTAM (27)
De Zé da Zilda e Marino Pinto:
Aos pés da Santa Cruz você se ajoelhou
Em nome de Jesus um grande amor você jurou Jurou, mas não cumpriu, fingiu e me enganou Pra mim você mentiu Pra Deus você pecou O coração tem razões que a própria razão desconhece Faz promessas e juras, depois esquece Seguindo este princípio você também prometeu Chegou até a jurar um grande amor Mas depois esqueceu.
***
De Roberto Martins e Mário Rossi:
Hoje não existe nada mais entre nós Somos duas almas que se devem separar O meu coração vive chorando e minha voz Já sofremos tanto que é melhor renunciar A minha renúncia Enche minh'alma e o coração de tédio A tua renúncia Dá-me um desgosto que não tem remédio Amar é viver É um doce prazer embriagador e vulgar Difícil no amor É saber renunciar.
Obs: Versos das músicas 'Aos Pés da Cruz' e 'Renúncia', ambas de 1942 e dos autores acima citados respectivamente. O Zé da Zilda(José Gonçalves) era filho de músico e aos 5 anos começou a se interessar por cavaquinho aprendendo com o pai. Nascido no Rio de Janeiro (em 6 de janeiro de 1908) no subúrbio de Campo Grande, por volta de 1920, no morro da Mangueira, fez amizade com alguns sambistas. Entre eles estava o Cartola, que mais tarde seria seu parceiro. Depois, na rádio Transmissora, conheceu a cantora e compositora Zilda. E com a mesma formou logo no início a 'Dupla da Harmonia'. Então, ficou assim: Zé de Zilda e Zilda do Zé, pois casou-se com ela em 1938, adotando tal batismo nas suas apresentações. O compositor faleceu em 10 de outubro de 1954.
O Marino Pinto era também jornalista. Ingressou, em 1928, no Ginásio São Bento, onde conheceu o músico Plácido Oliveira que foi seu grande incentivador. E fez, na época, a primeira composição, 'Ilka', dedicada à namorada. Em 1929 tornou-se amigo do cantor Sílvio Caldas. Nasceu em 18 de julho de 1916 no Rio de Janeiro e morreu no dia 28 de janeiro de 1965 na mesma cidade.
Roberto Martins ficou órfão de pai com apenas um ano. Como sua mãe tocava piano, a influência musical o marcou logo cedo. E aos 20 anos compôs seu primeiro samba, 'Justiça', de 1929. No ano de 1936, juntamente com o Valdemar Silva, fez 'Favela', o primeiro êxito da carreira. Mas somente três anos depois teve consolidada sua fama com 'Meu consolo é você', em parceria com o Nássara e gravado pelo Orlando Silva. A sua batucada 'Cai, Cai'(1940) se transformou num clássico do carnaval. Outro sucesso: a marcha 'O cordão dos puxa-sacos', de 1945. O compositor nasceu em 29 de janeiro de 1909 e faleceu no dia 14 de março de 1992.
Seu parceiro, o Mário Rossi, letrista, aos 10 anos já trabalhava e estudava. Aos 14 ingressou na Escola de Aprendizes Marinheiros de Angra dos Reis. Transferindo-se para o Rio de Janeiro em 1935, ficou conhecendo o 'rei das valsas' Gastão Lamounier. E com ele compôs 'E o destino desfolhou'( versos publicados aqui em 30 de junho passado), música gravada em 1937 pelo Carlos Galhardo. No mesmo ano publica o livro 'Poemas para ler e esquecer'. Rossi nasceu em Petrópolis em 23 de maio de 1911 e faleceu no Rio de Janeiro em 12 de outubro de l981(também já publicado). Seu maior sucesso foi mesmo 'Renúncia', que consagrou o então jovem cantor Nelson Gonçalves.
ESPAÇO LIVRE
.jpg) EPÍLOGO
Depois de cobrir-te de belos poemas rasgarei um por um para achá-la perene divina e formosa em teu corpo solidário e solitário.
E afogarei tuas mágoas nas miúdas letras de um livro em decomposição.
O romance de tua vida. Bené Chaves
(Quadro de Paul Gauguin -1848/1903)
terça-feira, abril 01, 2008 |
ITINERÁRIO ALFABÉTICO (4)
MEU colégio era obrigação ir pra missa. Confessionário, hóstia, um verdadeiro santo. Imaginem que até cantar em coral da igreja eu cantei. Fiz a chamada primeira comunhão bem comportado e as traquinices e indiferenças (ou descrenças) vieram com o tempo. Mas, na narração desta letra estava em estado de graça. Ou presumia que estava. Hora da celebração: era mais um pretexto de moças e padres carentes. E as paqueras aconteciam nos bastidores entre um olhar e outro. Os sacerdotes depois largavam tudo e fugiam com as meninas também ávidas para pegar o seu homem. Era um sacrilégio em nome de uma pseudovocação. O que valia mais seria o desejo em pleno palco de uma igreja que ficava desmoralizada ante o fastio de também falso-moralistas. E quando cresci entendi melhor a trama amorosa dos padres no horário dito religioso, mas com os olhos nas lindas (algumas nem tanto) donzelas ansiosas para casar. O fato é que pouco tempo depois não existiam quase presbíteros naquele educandário. Muitos deles fugiram com as meninas-moças que, nas suas supostas inocências, viam naqueles domingos matinais uma oportunidade de um casamento talvez seguro em nome de um desejo inicial.
NÃO sei porque nasci uma pessoa tímida, muito tímida, nada puxando ao meu pai. Talvez as raízes ancestrais tenham vindo de Mainhô, sei não... E às vezes também era um pouco pensativo. Mais tarde soube através de minha mãe que teria puxado a ela no aspecto da timidez. Seria um predestinado e teria sido enviado para detonar e clarear mentes obtusas e que pudesse tomar impulsos extraordinários com o decorrer do tempo? Sei que a vida tem lá seus mistérios, a origem de todas as coisas voa igual um passarinho além mares. Quando atravessa o tempo, não sabe de onde partiu. E somente tenho certeza que saí de um enorme buraco, porém não sabia a razão e nem para onde iria depois. Achei, contudo, bacana ser um menino sensível, que tentava compreender tudo. Entretanto, um temor sempre surge na nossa frente e a gente fica a lamentar um medo da obscuridade. O diabo é que parece que ainda não consegui superar!
O carnaval chegou e a gente formou um bloco: 'A cobra que mordeu o Belo', uma espécie de roteiro matinal destinado às brincadeiras do período. O título não soube bem o motivo, se existia ou não a citada cobra, embora soubesse que o tal significado indicasse alguém de especial atenção. E a razão da existência da turma de rapazes seria o assalto às casas conhecidas, uma talvez leve (ou pesada) maneira de tomarmos uma bebidinha a mais. Uma velha camioneta servia de percurso, pena que as mocinhas da época, ainda acanhadas ou pressionadas, não aparecessem como integrantes também do citado acompanhamento. Eram somente marmanjos, o que não deixava de ser triste. E teria sido ótimo se algumas delas estivessem perto de nós, então a alegria ia ser redobrada. Mas, a compensação nós tirávamos no divertimento, de vez em quando exagerado pelos mais afoitos. Porém eu não deixava de me lembrar que as supostas donzelas pudessem estar ali nos fazendo belas parcerias. Sim, adivinhei o motivo do título do bloco: era um belo carnaval. É de lamentar apenas que o ofídio o tenha mordido.
PAINHÔ às vezes ralhava comigo, implicava quando não o obedecia. Mas, tudo isso era coisa de criança mesmo. Bem que eu lutei pra ficar no ventre de Mainhô... Mas, infelizmente, não somos donos de nossos narizes. E ele gostava de um cocorote que doía pra valer. Minha cabeça voava e passava dias com o couro cabeludo doendo. Quem mandava ser medonho, hein? Sei que o cérebro tem os seus emaranhados, ninguém imagina, é cheio de ondulações. Quando um tálitro é dado com força, aí esfacela, a moleira afunda. Evidente que não foi o meu caso, mas sofria um pouco com aquela indisposição. Os embaraços, situações incômodas, não posso precisar ou alegar de que foram. São acontecimentos que aparecem ao acaso. Porém, nossas vidas são ambíguas. E o simples fato d' eu existir acarreta súbitos interesses alheios. Perguntas são postas e daí surgem discussões que raramente têm respostas que satisfaçam o interlocutor.
ESPAÇO LIVRE
ARIDEZ
Rasgo o véu de tua pureza e te cubro com meu corpo deixando os ávidos sexos a pelejar entre o êxtase e uma crucial indecisão.
Na transitoriedade da dor de um suposto amor.
E depois contemplo o ato na tensão inacabada do capítulo da existência.
Bené Chaves
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