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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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quarta-feira, dezembro 26, 2007

Quadro do pintor russo Kasimir Malevich (1898/1935)


VERSOS QUE CANTAM E ENCANTAM (21)



De Ataulfo Alves e Mário Lago:


Nunca vi fazer tanta exigência

Nem fazer o que você me faz

Você não sabe o que é consciência

Nem vê que eu sou um pobre rapaz

Você só pensa em luxo e riqueza

Tudo o que você vê você quer

Ai, meu Deus, que saudade da Amélia

Aquilo sim é que era mulher.

*

Às vezes passava fome ao meu lado


E achava bonito não ter o que comer

Quando me via contrariado

Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer!"

Amélia não tinha a menor vaidade

Amélia é que era mulher de verdade.

*********

Covarde sei que me podem chamar


Porque não calo no peito essa dor

Atire a primeira pedra, ai, ai, ai

Aquele que não sofreu por amor

Eu sei que vão censurar meu proceder

Eu sei, mulher

Que você mesma vai dizer

Que eu voltei pra me humilhar

É, mas não faz mal

Você pode até sorrir

Perdão foi feito pra gente pedir

Obs: Versos das músicas 'Ai que saudades da Amélia'(1941) e 'Atire a primeira pedra'(1944), da dupla acima citada. Além de radialista, ator de teatro e TV, Mário Lago era também ativista político. Foi um dos mais cultos compositores da Música Popular Brasileira. Escreveu a letra dessa primeira linda melodia do Ataulfo Alves, onde um personagem qualquer confrontava sua atual mulher com sua ex, mulher que ele perdera. A mulher, de então, era exigente, egoísta. E a anterior, um exemplo de virtude e dedicação. Seria um embate entre a realidade amarga da ocasião e o passado, uma esposa saudável e perfeita para os padrões dos anos 40. Segundo Mário Lago, "Amélia nasceu de uma brincadeira de Almeidinha, irmão de Araci de Almeida, que sempre que se falava em mulher gostava de brincar: qual nada! Amélia é que era mulher de verdade. Lavava, passava, cozinhava...". Na verdade, a mulher da composição existiu de verdade. Foi uma lavadeira que serviu à família do Almeidinha.
Pois é... E quantas Amélias não existiam naquela época, hein? Creio que ainda atualmente existam, embora em menor número.


Sobre os versos da segunda composição, os dois parceiros voltaram a fazer sucesso no carnaval de 1944 com tal música. Este samba retrata a vontade de reconciliação de um amante. Cantado inicialmente pela Emilinha Borba, fez parte do conjunto de músicas do filme 'Tristeza não pagam dívidas'. E o Orlando Silva também gravou pouco antes do carnaval. Depois começou a fazer o sucesso merecido, quando Mário Lago correu inesperadamente ao café Nice onde foi recebido por um Ataulfo entusiasmado: 'parceiro, estamos outra vez na boca do povo...'. Disse, então, o Mário: 'foi a única ocasião na vida que vi o Ataulfo de pilequinho'.


Mário Lago nasceu no Rio de Janeiro em 26 de novembro de 1911 e faleceu no dia 30 de maio de 2002. E o seu companheiro musical nasceu em 2 de maio de 1909 na fazenda Cachoeira, no município de Miraí, MG e morreu no Rio de Janeiro em 20 de abril de 1969, vivendo, portanto, bem menos do que o seu parceiro.

ESPAÇO LIVRE




VIVÊNCIA


Nos sabores da vida
a tua presença, o encanto.

Nos dissabores da morte
a tua ausência, o vazio.

Menino ou menina inocente
rapaz ou moça veemente
velhice ambivalente.

E entre um pólo e outro a
saudade que fica a soluçar
de imensa alegria ou na
tristeza de uma dor.

A existência como uma etapa
final entre risos e lágrimas.

Bené Chaves




quinta-feira, dezembro 20, 2007



Foto de Pedro Olivença, in 1000imagens


O texto abaixo foi publicado aqui em dezembro de 2004. E com pequenos acréscimos e também outro título ei-lo novamente, aproveitando este final de 2007. Que todos tenham uma boa leitura.




NATAL EM GUPIARA


Os sinos da igreja tocam: blemblemblém, blemblém. E os presépios são armados nas casas de Gupiara, com a presença do velhinho de barba branca. A alegria das criancinhas na festa magna da Cristandade, os cartões correndo soltos dos correios às residências. E as poucas árvores enfeitadas com bolas coloridas. Tudo era motivo para uma festa maior.

Aquela fase, meu filho, podia ser a melhor do mundo. Gupiara enfeitava-se, as pequenas lojas alegravam suas vitrines. Parecia ser uma louvação à inocência daquele bondoso povo. Os habitantes mais aquinhoados gastavam aos montes. E o ritual falava mais alto pra banda de seus arredores.

Mas, nos arrabaldes próximos dali, não existia o ímpeto que se observava no centro da cidade. Muitas vezes nas cercanias e povoados vizinhos, crianças não tinham do que se alimentar. Os casebres eram tristes e escuros. Aquela gente às vezes passava fome de verdade. Ou pior: passava fome o dia inteiro.

Então, meu filho, pensei comigo: que disparidade! E concluí com tristeza nos olhos: todos vêm ao mundo para viver, embora a maioria vegetasse na imundície. Precisávamos dar a parte que cabia aos outros. Acho que o humano não existe, o que conta mais é uma tapeação. E a ilusão que ficara a sombrear os menos favorecidos.

Gupiara sabe disso, você também, meu filho. Mainhô e Tia Chica devem saber. Todos estão errados, o mundo está errado. A verdade é um sonho. As pessoas também o são. Eu e você... Daqui mais algum tempo Gupiara talvez nem exista. Ou apenas seja um arremedo do que fora na simplicidade de antes.

Blemblemblém, blemblém... Meia-noite e missa rezada na pequena igreja. O padre a dizer uma verdade mística. E um desafio para rapazes e moças que namoravam, apenas namoravam. Poucos rezavam de verdade, muitos parodiavam de mentira. Naquelas circunvizinhanças tudo se mesclava de ambigüidades.

Os sinos repicavam e as árvores surgiam belas, aparentemente belas. E no fim de ano todos se congratulavam a espera de dias melhores. Dias que nunca chegavam, intermináveis dias principalmente para aquele povo pobre. Desde cedo a lutar contra a opressão e uma desigualdade social a cada dia mais palpável.

E assim Painhô costumava filosofar: meu filho, o homem é inimigo dele mesmo, somente prevalece o interesse e a vaidade em si próprio. Veja esse imenso descampado - e apontou em direção ao infinito. Quão gigantesca é a natureza!, disse. Mas, o ser humano é bem pequenininho, diminuto mesmo.

Juro que saí dali convencido que tudo e todo esse festeiro não passava de uma ficção. Meu pai sabia das coisas.


ESPAÇO LIVRE





PARADOXO

Embriago-te de mim
embora tu estejas sóbria
da minha ilusão.

E na tua inteira lucidez
deixo-me levar ao teu
bêbado encontro.

Os nossos corpos a gritar
entre a razão e a insensatez.

Bené Chaves

(Quadro ao lado do pintor Henri de Toulouse-Lautrec)



quarta-feira, dezembro 12, 2007

O texto abaixo e o poema do 'espaço livre' já foram publicados aqui. Sai novamente para os que ainda não os viram. Espero que tenham uma boa leitura.

ESTÓRIAS DE VERSAR

Meu pai chegou ao alpendre e viu Mainhô sentada na cadeira, movimentando os lábios. Então cobriu seus olhos e ela teve um moderado susto. Disse: fazia um sapatinho de crochê, aqui pro nosso filhinho, apontando para a barriga. Deu, então, um beijo na face dela e deitou-se na rede descansando, enquanto Tia Chica não chamava para a janta.Pegou o violão e tentou ensaiar alguns versos. Mas, meu filho, eu não me sentia bem. Na verdade às vezes a gente fica meio indisposta. E, naquela beirada de noite, estava macambúzio. Sem nem entender a palavra que falou fiz de conta que a tinha compreendido.
A lua não quis sair e tudo ficou no escuro mesmo. Me lembrei, então, quando criancinha, o papai-oião rondando nossa imaginação e estórias de assombração dizendo das proezas dos lobisomens, minhas mãos cerradas à saia de Mainhô. Existia também o papa-figo, sinal de alerta para menino desobediente, sobreaviso de brincadeira e inocência. Época boa aquela, que devia ter persistido. Arre, arre! Grunhem-se e soltem-se gritos de pavor contra o dito progresso da civilização.
Mas, meu pai disse que tinha feito alguns versinhos e começou a citá-los, embora sem entusiasmo:

Ah, vidinha sem graça essa
jamais ultrapassa...perpassa e repassa
que raramente traspassa
cheia de muita desgraça.
Ah, vida louca, paradoxal
não tendo sentido factual
ilógica e sempre usual.

De dor e pouca raça
sentimentos perdidos
amores tantos sofridos
e outros adquiridos.

Além de não esconder um certo descontentamento, Painhô ocultou-se, virou o rosto e fincou os olhos somente nas cordas do violão. E a lua pareceu solidária com ele e solitária como ele, pois ninguém conseguiu enxergá-la na ocasião.Continuou, portanto, sua peregrinação nostálgica:

Da menina passada
a virgem que não olhou
da mulher amada
e a velhice que chegou.

Vida de gigantesca trapaça
sem leito, nenhuma taça
deixando pessoas sem praça
vidinha que passa e não passa.

Gupiara ficou triste naquela noite, todos ficaram melancólicos. Painhô pareceu-me fazer uma previsão futura. Mainhô me disse que até a comida de Tia Chica não saboreava. A cidade era nossa vida, mas, paradoxalmente, não era. Meu pai não queria que ela crescesse, desejava Gupiara bonita e humana. Acho que ele tinha razão que a própria razão desconhecia.


ESPAÇO LIVRE


CINE MISCELÂNEA

Quando vi a ruiva inocente
no rosto da sensual morena
beijei a loira fremente.

Através do espelho a imagem
estilhaçada entre revólveres
confundindo-se na miragem.

Então a canção na chuva
como exposição mágica
acrescida de uma luva.

A explosão como desatino
o herói a cavalgar ferido
ao encontro de seu destino.

E na ciranda da felicidade
a infância redescoberta
deliciando nova idade.

Bené Chaves




quinta-feira, dezembro 06, 2007




VERSOS QUE CANTAM E ENCANTAM (20)



De Custódio Mesquita e Sadi Cabral:


Naquele bairro afastado
Onde em crianças vivias
A remoer melodias
De uma ternura sem par
Passava todas as tardes
Um realejo risonho
Passava como num sonho
Um realejo a cantar.

*

Depois, tu partiste
Ficou triste a rua deserta
Na tarde fria e calma
Ouço ainda o realejo a tocar
Ficou a saudade
Comigo a morar
Tu cantas alegre e o realejo
Parece que chora com pena de ti!


Obs: Versos da valsa 'Velho realejo'(1940), música gravada inicialmente pelo Sílvio Caldas e depois por Orlando Silva. Custódio Mesquita de Pinheiro era também ator de cinema(atuou em diversos filmes nos anos 30 e 40) e regente, nascido no Rio de Janeiro em 25 de abril de 1910. Homem típico de rádio teve ainda como sucessos 'Saia do meu caminho', 'Nada além', com Mario Lago e 'Se a lua contasse'. Morreu com apenas 35 anos no dia 13 de março de 1945.
Seu parceiro, o Sadi Souza Leite Cabral, era um letrista brilhante e de renome. Foi ator de cinema e também de teatro. Nasceu em 10 de setembro de 1906 em Maceió (AL) e faleceu no dia 23 de novembro de 1986 na cidade de São Paulo.



ESPAÇO LIVRE

O poema abaixo faz parte do livro 'Cinzas ao amanhecer'(Sebo Vermelho, 2003) e já foi publicado aqui em 2004. Espero que tenham uma boa leitura.




AUSÊNCIA

Sei que vou sentir falta
daquela menina na janela
da moça inibida na calçada
de uma mulher carinhosa
vestida nua e gostosa.
Também sentirei saudades
dos velhos companheiros
de estar com a meretriz
do olhar amargo e infeliz.
Sobretudo de entes queridos
do cinema de antigamente
sério inventivo e potente.
Mas, não sentirei falta
de hipocrisias deslavadas
a sociedade velha /corrupta
das pessoas enlameadas.

No dueto de sentimentos
estarei fora do páreo.

Bené Chaves

( Foto ao lado de Nuno Belo, in 1000imagem )