
(A bela Kim Novak no início de carreira)
No texto abaixo, a continuação de mais um 'itinerário', visto aqui em 2004.
ITINERÁRIO ALFABÉTICO (2)
EM frente, quase perpendicular, onde Painhô e Mainhô moravam, existia uma pracinha, acanhada, com uma casa onde vendiam peixes, limitado lugar também de gostosas iguarias. Nem tanto como as comidas de Tia Chica, porém a freguesia se reunia no local. Mas, eu ainda pequeno, talvez com uns sete anos, presenciei, sem querer, claro, um crime nas imediações da mesma. Foi horrível para a minha idade. E Gupiara começara, aos poucos, a mostrar uma outra face de sua existência. Lembro vagamente: tardezinha, um cidadão, sem motivo aparente, pegou seu revólver e atirou, pum!, pum!, pum! E, depois, com uma faca, ainda cortou metade da orelha do pobre homem, saindo com a dita na mão, o sangue misturado, o outro estendido na barafunda. Nunca souberam o paradeiro do criminoso e ele certamente desapareceu para sempre. Seria o início, talvez, de casos sem soluções e crimes que compensassem suas autorias.
FUI logo sabendo que o pequeno comércio que Painhô instalou em Gupiara começava a dar bons lucros. Vez em vez ele mandava me chamar para ajudá-lo naquele Armazém varejista. E eu até gostava de ficar ali pesando quilos de arroz, feijão ou farinha, feito menino instruído, sabichão. Meu pai da porta olhando pro próspero movimento, às vezes piscando para a bonita moça (não tomava jeito esse Painhô...) em frente, outras vezes me observando com atenção. Claro que ficava direitinho, necessitava muito da minha mesada, pois queria tanto ir a um cinema...
GARANTO que cheguei logo a ler e escrever, claro, fui um menino educado, não dei trabalho a ninguém, Mainhô que o diga. Uma vezinha ou outra a gente perde um pouco os bons costumes, mas é coisa sem importância. O chato mesmo é a vida desassossegada, estudar, estudar, depois trabalhar, trabalhar... A gente devia viver brincando, ora essa! O divertimento nos dá saúde, despreocupação. E as obrigações diárias cansam nossa mente, às vezes com tarefas supérfluas apenas como vaidades bestas, ambições, troços levados como supremacias. A modesta inteligência ancestral (acho que em grande parte de Painhô) que herdei deve ter me facilitado sem precisar ficar com os olhos grudados em livros ou cadernos. Penso que a consciência fluiu espontaneamente e fui absorvendo quase tudo com melhor facilidade.
HOUVE um tempo muito bom em minha vida: coleção de revistas de cinema com artistas na capa e tudo. Possuía um álbum com todas aquelas lindas mulheres à minha frente. E me deliciava num cansaço quase extremo vendo Kim Novak, Gina Lollobrigida, Ava Gardner, Cláudia Cardinale, Ingrid Bergman, Brigitte Bardot, Silvana Mangano e outras lindas atrizes mostrando as pernas em variadas poses. Coxas? Às vezes apareciam sim... Também naquela época... E às vezes só um tiquinho de nada, o que era uma pena enorme. Mas, que teria sido uma beleza perscrutar o corpo nu de uma miss Novak, por exemplo, claro que ninguém duvida disso. E as lindas mulheres passavam junto de mim o dia inteiro, principalmente quando ia tomar um salutar banho. Aí, então, flutuava na minha imaginação e o ralo do chuveiro era quem recebia toda a descarga. Atrizes em ruma, oh, fascinantes... E os citados periódicos se amontoavam para o meu bel prazer. Tempo bom que não voltará jamais. Porém fico com aquela bela recordação de que gamei em todas, revistas e mulheres, seria evidente que sim. E o prazer que senti nos meus primeiros anos de uma pré-adolescência.
ESPAÇO LIVRE
REVERSO
Na ilusão da vida
a tua doce presença.
E na certeza da morte
a tua sentida ausência.
Os dois lados distintos
a se rebelarem contra
os frágeis e opostos
sentimentos.
O prazer e a dor!
O amor e o ódio!
O ter e o ser!
Bené Chaves