
DUPLO ORGULHO
por
benechaves às
11:06
![]() DUPLO ORGULHO Acho que vocês não imaginam como era Gupiara tempos idos. Painhô tinha consciência disso e vivia me dizendo. E o seu apreço por Mainhô superava as menos imaginadas precauções e situações. No resguardo dela ele quase não saía do leito, ali colado na minha mãe e tratando do nascimento dos filhos. De beijinhos no rosto pra não variar. Ele era muito carinhoso, tratava sua esposa com afeição própria de um homem simples. Depois ele me contou tal história bem ao seu jeito. Com coragem de fazer inveja a qualquer uma, Mainhô nunca foi parir em uma maternidade ou hospital para tal fim. Teve as seis crianças no quarto dela, ali mesmo, com apenas Tia Chica fazendo seus gostos e iguarias para o momento e a parteira zelosa que não teve igual. Sempre foi uma mulher destemida, meio rústica, nascida pras bandas daquele sofrido interior de várzea agreste. E, portanto, eles, os filhos, foram nascendo em intermitências regulares, cada um com sua aparência própria, lógico. Eu, tido, já dito aqui, como de belo porte, pesei densos cinco quilos e duzentos gramas, com cinqüenta e dois centímetros. E era de se imaginar, pois minha mãe carregou-me com uma barriga que não tinha mais tamanho. Seria o início, então, de uma trajetória. Gupiara tinha, apesar de tudo, a favor de si, o fato de ser uma cidade peculiar. E isso fazia muito bem ao ego daquela família. Além disso, não havia quase poluição, o ar limpo diluía indícios de possíveis impurezas. Sorte para todos, nome para o lugarejo. Painhô gostava mesmo de prosear. E me dizia que o homem é o doador e a mulher a receptora. Sendo assim, quem dá tem mais poder. Parecia um aforismo ditado pela natureza e suas esquisitices. E o homem se orgulha, completava, se envaidece, doa a quem doer. Ele doa. Ela recebe. Pois sim! Sem isso ocasionar nenhum machismo de sua parte. Falavam nos arredores de Gupiara, as más e também boas línguas, que muitos filhos acarretam verdadeiros deslizes. Eram as sabedorias surgindo disfarçadas e soberanas. Porém, minha mãe os teve mesmo assim. E tanto ele como ela eram felizes naquele momento. Estavam todos nascendo para serem criados pelo mundo. Tardinha daquele dia, a gente, meu filho, via o entorpecimento do sol, as nuvens espalhadas cobrindo-o parcialmente e presumindo-se uma proteção ao todo-poderoso raio de luz. Surge, então, o objeto em detrimento do humano, que apodrece com os anos adormecendo como uma criancinha acariciada ao colo da mãe. Quando ela acorda, vê um velhinho sentado à beira do rio catando grãos de areia. Olha para um lado e outro e exclama estupefata: mas como a vida é curta! Ontem mesmo vi um lindo menino a brincar despreocupado e feliz. Porém aí, nesta parte, eu já emendei delirando, pois essa estória foi vista em sonhos. Adormecera no finalzinho do dia antes de Painhô terminar seu relato. por
benechaves às
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