MAINHÔ
Gupiara a cada dia tornava-se uma cidade de bem (ou mal?) sucedidos negócios. Homens gananciosos apareciam, queriam munir-se, intrometer-se e tomarem conta da província. Primeiro, porque só pensavam em ganhar rios de dinheiro.Segundo, não respeitavam ninguém nos supostamente escusos contatos. E aquilo ia seguindo uma tendência de apodrecer suas possíveis dignidades.
Meu pai não disse nada acerca de tudo, mesmo porque, acho, estaria com intenções de também usufruir de um pequeno comércio. Mas somente se fosse algo justo, pois, pensava, sobretudo, na família. Em mantê-la com honradez de homem vivido no sertão. Nada que depreciasse sua integridade.
A versão de que pretendia ficar rico por conta dos diamantes explorados, não passava de pura especulação.Inclusive todos os fatos não foram mais do que uma lenda, mesmo Tia Chica tendo declarado o contrário. Era a sua fantasia, a nossa fantasia. O sonho de Gupiara.
Mas, naquela tardinha, caía uma neblina e refrescava um pouco o parco jardim da casa de Mainhô. As nuvens medravam, o sol murchava e as flores desprendiam.A folhas, alegres, remoçavam. Pingos d'água intumesciam. E das telhas desciam apressados, respingando sobre a terra molhada. Ruídos aumentavam depressa.
Um enorme relâmpago clareou a casa e assustou minha mãe. E eu fiquei com um bruto medo de que ela não abortasse devido ao susto, claro, pois estava ali dentro da barriga dela. Tumultuou mais ainda quando um estrondo pipocou, causando medo naquelas duas frágeis criaturas. Elas se agarraram como crianças.
Ao escurecer, o inesperado temporal passou. Então minha mãe lamentou aquela meleca da chuva. Os últimos resquícios escorriam, o sol transpunha o círculo, a noite surgia bem viva. E as nuvens fugiam ante a presença soberana da lua.
Mainhô abriu a porta e sentiu um sorriso no ar, agradecida. As escassas rosas soltavam perfumes, as raízes fortaleciam. Tia Chica enxugou o alpendre cantarolando algumas canções. E então as duas desfrutaram daquele prazer, a fragrância invadindo seus corpos.
Na cidade onde nasceu, Mainhô me contou, tempos depois, que algo semelhante teria acontecido. Choveu bastante e um estranho aroma invadiu narinas inteiras, hipnotizando um povo crédulo. Era um fenômeno raro, meu filho, não se soube de nenhuma explicação. Talvez tenha sido somente um sonho.
Um tal de Nhozé, continuou ela, conhecido cantador da região, juntou a cambada toda e gritou:
Povo sofredor não desespere
Enquanto houver vez você espere
Um dia há de chegar
E todos estaremos por lá
Onde quer que se vá
Era um homem negro, alto, muito magro. Remexia e esfumaçava. Parecendo até que o cheiro daquelas rosas tivesse tido influência direta nas suas cantorias. E ele levou horas seguidas, entrando pela madrugada adentro. Deu chapinhada no quengo.
Porém, quando Mainhô quis continuar notou que eu já adormecera no seu colo de mãe.
ESPAÇO LIVRE
A POESIA (Haicai) DE LÍVIO OLIVEIRA (RN)
O amigo, poeta e escritor Lívio Oliveira(RN), lançou no dia 06 de setembro próximo passado o seu livro 'Pena Mínima', de haicais. Compartilho aqui com vocês de algumas amostras do mesmo. Espero que tenham uma boa leitura.
Haicai do Começo
Todo início tem
dores que não se sente.
Somem no desejo.
Tempo
Pertenço à época
de uma tensão freqüente
feita à mão das horas.
Sono
Acordo, não durmo.
Pássaro improvisando
Um jazz no meu sono.
Haicai do Sertão
II.
Portal do sertão:
Algarobas pendulares
Verdejam do cinza.
Haicai sobre um corpo de mulher
III. Lábios
Tateio-te a boca
albergue de língua acesa,
moldura molhada.
por
benechaves às
14:18