Foi numa fazenda, perto de uma aldeola conhecida como Pinga-Pinga, que meu pai nasceu. Apesar do nome deste pequeno município quase não pingava coisa alguma, principalmente água. Acho que deram tal designação na esperança de que realmente houvesse uma força estranha da natureza ou algum efeito psicológico sobre sua denominação.
Mas ali ficava a casa velha, dona de todos os pequenos trilhos que passavam rasteiros pelo caminho seco e ávido de umidade, para reforçar a expressão. Apesar de tudo, lugarzão bom esse, cheio de ares, modos!
E meu avô sempre falava que era uma delícia ver aquele mundo parado, as estrelas a sorrir, o pequeno gado no curral, quieto, escutando nosso silêncio. A rede na varanda, o corpo velho e enfadado, a livre inquietação dos pássaros.
Olhar esta terra tranqüila, escura e calmosa. Acho que somos felizes, sem preocupação, na nossa espontânea firmeza de serenidade. E uma aparente alegria dentro de nós, dizia enfim.
Pra banda de fora, o vento surrava a areia esturricada e dava um banho no curral, cobrindo as bostas e descobrindo um cheiro de fazenda, cheirão de merda de boi, custoso. Mais das vezes sem incomodar. Anestesia de vaqueiro, segundo meu pai comentava. E as criancinhas nos arrabaldes rolando no chão pouco enlameado e fugindo de responsabilidades. A idade era todo prazer.
Deram o nome de Ferrões àquela pequena fazenda. Vidona de gente analfabeta e sem costumes. Mas, sobretudo, um povo bom, amigo, sem hipocrisia. Painhô dizia que o sofrimento traz tristeza, mas aquele povo, apesar das dificuldades, não era triste. E acrescentava: filho, quando você crescer saberá medir valores intrínsecos.
Dentro de uma filosofia toda particular, falava ainda que era lindo ver um menino com um infinito campo para correr, tornar-se adulto com sentimentos e razões inerentes a ele mesmo. Eu cresci, filho - e olhava uma vastidão à sua frente -, dando vazões para um mundo justo, liberto. Essa tal de liberdade vem do berço, o primeiro passo do homem, finalizava então.
Naquele alto sertão, estradas sem fim, retirantes se assustavam com conversas sem entendimentos. Lá longe, ruídos penetravam entre brechas e todos silenciavam. A lua, cheinha de iluminação e imaginação, ditava as normas.
Painhô era algo especial para aquela gente. Suas frases causavam efeitos e má compreensão nas pessoas simples e crédulas que não aprenderam nada. E aos poucos ele parecia também querer ensinar seu modo de vida.
ESPAÇO LIVRE
A POESIA DE JOSIMEY COSTA (RN)
Publico hoje três poemas da poeta (ou poetisa, como queiram) e contista natalense Josimey Costa, que é também doutora em Ciências Sociais. Espero que todos tenham uma boa leitura.
Desígnio
Sinto muito amor que chores
a cabeça baixa a meus pés
teus braços em volta e o chão
amor, dei-te este nome
a preencher de pavor
lacunas da minh'alma náufraga
choras o choro que engulo
me submerges afogo
o que respiro é sal e frio
2)
O parto do tempo
Uma vez eu quis beber o céu,
Mastigar meteoros e engolir estrelas
E por mais que quisesse
Por muito de espaço que abrisse
Permaneço escura por dentro,
Feita silêncio ante o vácuo.
Desta vez eu sei: não se bebe luz.
Mas cada tempo que mingua,
Pare outro enquanto cessa.
Se algo há de brilhar em mim,
Sejam universos que habito
E cintilo no espelho da pele
Como se dentro houvesse galáxias...
3)
Interlóquio
Hoje tenho um mundo no ventre
Como se concebido houvesse
Como se gestasse estrelas
Alumiando caminhos cá dentro
É seu o lume recebido por e-mail
Suas palavras constroem gestos
Os vocábulos são suas mãos
Guardo o seu sêmen verbal
Entre os sonhos, no mais íntimo
Assim você me beija e fecunda
Enquanto lê-me a alma ao celular
por
benechaves às
09:00