O texto abaixo foi publicado aqui no dia 09 de agosto de 2004. Resolvi colocá-lo novamente para as amigas e os amigos que não leram na ocasião. Mas, o poema é inédito. Tenham uma boa leitura.
O CASAMENTO
Meu pai foi, então, morar em Gupiara. Depois daquele chamego com minha mãe, a barriga dela começou a crescer. E o falatório também. Para evitar maiores constrangimentos, apressaram o casório. Somente assim os fuxicos parariam, embora o ventre dela não pudesse fazer o mesmo. Teria, portanto, de esperar nove ingratos e enjoados meses.
E lá foi ele providenciar tudo na única igrejinha de Gupiara. O padre da mesma avexado na conclusão dos trabalhos. A barriguinha dela, ixe!, roncando e resmungando. Logo logo arrumaram os trapos e foram morar juntos.
Enquanto a noite clareou aquele largo alpendre, os grilos entoavam zumbidos desconcertantes. No ar o silêncio de todos nós. As árvores balançavam com o vento forte e cresciam mais barulhos nas matas. Passarinhos juntavam-se em galhos murchos começando cantos agradáveis. A imensidão do descampado, naquela área suburbana, não deixava margens. Tudo ali era e não era, no semi-árido grande e ressequido.
Diziam ser meu pai um sujeito inteligente, sabido, conhecedor da vida e das coisas inerentes a ela. E tocava um violão de fazer inveja.
Quando a lua voltou a crescer, ele improvisou pequenos versos no aconchego daquele espaçoso alpendre, soltando sua voz vigorosa:
Só não vou na sua casa
Porque tem muita ladeira
Os cachorros latem muito
Sua mãe é cavaleira.
Falava que tal 'quadrinha' era pros rapazes com medo da possível futura sogra. Caía, então, na gargalhada. E com o estômago redondinho de depois da janta saborosa da recém-esposa, continuou suas modas envaidecido que só:
Rapaz solteiro
Namorou mulher casada
Tá com a vida atrapalhada
Na ponta do meu punhal
Parava depois, emitia três ou mais sons e corria livremente o estribilho:
Ô mulher sai do sereno
Ô mulher sai do sereno
Qu'este sereno faz mal.
Minha mãe começou a alisar o cabelo dele e ele sentiu um friozinho de arrepio pra banda do cangote. Largou de imediato o instrumento musical, pegou-a pelos braços e danou-se certamente para o quarto. Aí nem me perguntem, pois não sei mais o que aconteceu. Deve ter acontecido sim...
ESPAÇO LIVRE
ETAPAS
Nos meus olhos de infância
eu brincava contigo.
Nos teus olhos de adolescência
tu brincavas comigo.
Nos nossos olhos da razão
já não brincávamos.
E ante a adversidade do tempo
éramos dois seres a contemplar
o ocaso e o acaso da existência.
Bené Chaves
por
benechaves às
09:06