O lusco-fusco de Gupiara encantava a todos. Do alpendre largo meu pai se aconchegou com minha mãe e foram olhar a hora do crepúsculo. A noite ficou quieta e a espontaneidade fluiu. Na cozinha o cheiro da arte exemplar de Tia Chica. E meu pai com gáudio no rosto, minha mãe também. Longe dali, folhas secas caíam grudando na bosta das vacas que pastavam distraidamente.
Enquanto a preta velha servia o leite gostoso e espumoso, aquele arroto ia saindo com satisfação. Por cima e por baixo. Painhô, então, levantou-se e voltou ao terraço, colocando a rede nos sujos armadores. Viu dali, deitado, a enorme lua que surgiu dentre os morros. Ela quase roçando seu rosto. Ficou extasiado com a bonita paisagem.
Gritou pedindo o violão e convidou as duas mulheres para o ouvirem cantar. Acho que Gupiara escutou também aquele chamamento. Moveu as duas mãos e iniciou as modas:
Menina dos olhos d'água
Me dê água pra beber
Não é sede não é nada
Só vontade de te ver.
Afinou o estribilho na segunda pauta:
Ai céu céu céu
Ai céu sereno
Ai céu me leva
Para os braços da morena.
Enquanto minha mãe saía um pouco, talvez pra tomar água, não sei, meu pai aproveitou sua ausência e sapecou baixinho:
Mulher casada
Que duvida do marido
Toma a mão no pé do ouvido
Pra deixar de duvidar.
Mas, quando ela voltou, procurou agradá-la. Painhô era assim, cantava o momento, de acordo com suas conveniências:
Homem casado
Beliscou mulher dos outros
Pode-se dizer morto
Na ponta do meu punhal.
E, olhando, de soslaio, para a mulher, inventariou outra moda, claro, tocando com entusiasmo:
Mulher de vergonha
Não se meta em beliscada
Seja fiel ao marido
Senão fica atrapalhada.
Ao longe, alguns pampas relinchavam e um ruído estranho estendeu-se no matagal. Tudo ali era livre, belo, sadio. Mas, no fundo, sentia-se uma falta de esperança ao se olhar o horizonte, as plantações ressequidas, o povo sempre sofrido, a água escassa.
Painhô levantou da rede, calçou os chinelos e puxou o violão pra debaixo de um braço e a mulher pra debaixo do outro. Não sei não, mas, toda vida que meu pai ia cantar, despertava-lhe uma fome diferente, acho que de sexo. Ele me contou depois que foi dormir, mas tenho em mente que era apenas uma força de expressão.
E ele ia lá dormir numa situação daquela!...
ESPAÇO LIVRE
POEMINHA CASTO
A virgem cor de mel
com seu maiô de cetim
brinca na areia salgada
bem juntinho de mim.
Quero afagá-la, seduzi-la
feito isca no anzol
na melodia do mar
catando caracol.
E na sua graciosa beleza
de mãos dadas a ela
mergulho na incerteza.
Bené Chaves
por
benechaves às
08:46