PALAVRAS QUE INQUIETAM (14)
* Para o escritor norte-americano Edgar Allan Poe (1809/49), "as realidades do mundo afetavam-me como visões, apenas como visões, enquanto que as idéias loucas da terra dos sonhos se tornavam, por sua vez, não o material de minha vida cotidiana, mas, realmente, minha inteira e única existência". Porque, como bem disse Heidegger, "o ser humano só pode definir-se, a partir de seu existir, isto é, de sua possibilidade de ser ou não ser o que ele é". Afinal de contas, de acordo com Kierkegaard, "não se trata tanto de escolher querer o bem ou o mal, mas de escolher o querer", pois sabemos que "vivemos num mundo... cujo o porquê, cujo sentido, procuramos em vão"(Edmund Husserl, já citado aqui). Aliás, depois de toda celeuma, voltamos a Allan Poe, que, talvez decepcionado, ficou descrente do ser humano, para afirmar convicto: "os homens, em geral, tornam-se vis gradualmente". E por causa disso, interrogou-se a si mesmo, manifestando-se que "na verdade, não terei vivido num sonho?", questionando, por fim, os absurdos deste mundo.
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* O polêmico cineasta Pier Paolo Pasolini, autor de filmes importantes como Teorema, O Evangelho segundo São Mateus e Decameron, dizia - falando acerca de um possível anonimato de autores vivos - que "enquanto um homem não morre não se sabe bem o que ele fez". E é uma frase que desperta vivo interesse, principalmente quando sabemos de sua autenticidade e atualidade. Pois existe muita gente boa viva por aí, mas que fica quase sempre no esquecimento. Um dia, talvez, quem sabe, quando for embora, possa ser reconhecida.
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* Vejam que primor de texto dito pelo personagem e crítico De Witt (vivido pelo ator George Sanders) no filme A malvada : "Nós temos em comum... desprezo pela humanidade, incapacidade de amar ou ser amados, ambição insaciável - e talento. Merecemos um ao outro". Não calharia extraordinariamente bem se saísse da boca de um desses sujos políticos (e homens públicos) em confabulações com seu interlocutor? Ou, no caso, em especial, uma interlocutora?
ESPAÇO LIVRE
Compartilho hoje com vocês o bonito poema "À solidão das mulheres", do poeta natalense Eduardo Gosson, responsável pelo sarau que se realiza toda a última quarta-feira de cada mês em uma das livrarias de nossa cidade.
À SOLIDÃO DAS MULHERES
da ilha de Quessant
que tecem fios de lã
de ovelhas marinhas
e, pacientemente,
aguardam seus marinheiros
invisíveis
À solidão das mulheres
siberianas que,
solidariamente,
produzem o pão de cada dia
À solidão das mulheres
nórdicas que,
na sobriedade dos gestos,
descotidianizam
a vida
À solidão das mulheres
que, dos becos
escuros de Chicago,
alimentam o "sonho"
americano
À solidão das mulheres
da África sentida -
o povo tomou o caminho
da barca -
À solidão das mulheres
- eu canto!
por
benechaves às
21:27