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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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sábado, julho 15, 2006

Compartilho hoje com vocês do conto Castelos de Areiamar, inserido no livro do mesmo nome, editado em 1984. E com as necessárias modificações de praxe. Falando sobre o mesmo na sua contracapa disse o escritor natalense Eulício Farias de Lacerda: "O conto que dá nome ao livro é o único que escapa à temática dos demais. Nele o autor explora o denominado realismo mágico ou fantástico, gênero que teve o seu boom nas décadas de 60 e 70, por influência direta dos autores latino-americanos". Espero que tenham uma boa leitura.


CASTELOS DE AREIAMAR


Redescobri-me quando fui novamente empurrado para dentro daquele buraco. A areia me cobriu e, então, não vi nada, apenas umas patas dando incômodos chutes no meu traseiro tentando me afastar o mais rápido possível. Eles queriam me enterrar vivo, de surpresa, sem aparências. E pensar que a pouco brincava descontraído sobre enormes ondas, o brabo mar às vezes ralhando comigo e jogando-me nos morros. Dormia horas de papo pro ar, feito menino buchudo, nas cercanias do lugarejo. Neste mundo perigoso, mundão de precisões. No inverno, passava a vida me ocupando de barracas e embarcações, a chuva caindo sem piedade. No verão, derretia ao sol, avermelhava, pensavam em doença feia, a pele esfolada em manchas escuras e carne-viva.
Estava deitado e senti um arrepio como alguém fazendo cócegas, dedos frios alisando minha espinha. Abri os olhos e tive medo. Pois é... Dentro do buraco acenderam-se luzes. Olhei ao redor e vi um bonito castelo. Ao lado, bonecas cantavam e dançavam alegres músicas de remelexo. Um senhor de cabelos brancos e ombros largos, cara de raposa, me olhou furtivamente. Baixei o rosto encabulado, pensando estar sendo alvo de repreensões. Na parte de cima um candeeiro iluminava uma mesa cheia de fartos pratos enfeitados e saborosos. Fiquei com água na boca. E com fome também. Tudo era deslumbramento! Não me contive e desci para o vão oposto, aproximando-me da mesa a beliscá-la feito passarinho faminto. Todo aquele feitiço aos meus olhos. Embaixo do mar, céu, estrelas... Eram encantações!...
Os fantoches saíam e dentro de segundos estariam em rebolados ininterruptos. Ajeitando aqui e ali seus belos trapos de pano, orgulhosos, desenfastiados, fantasmas a percorrer o retangular ambiente. Um sabor agradável atingiu meus lábios e me transformou... Melodiei uma música saída espontânea, solta, como se quisesse bailar. O suposto dono do castelo riu a valer, vendo-me, talvez, em situação vexatória e ridícula para si próprio. Estava tonto, o teto estabilizou e uma areia fina caía aos montes. Fiquei perplexo e não vi mais nada. O mar parado, calado, parecia tirar uma soneca nas trevas, às escondidas. O sol e a lua desapareceram e se ocultaram dos tumultos. A felicidade encarcerava-se no subterrâneo.
No quarto ao lado uma jovem saiu distribuindo beijos e afagos. Pensei em sonhos, delírios, arrebatamentos... Era a rainha. Olhou-me de raspão e baixou a cabeça. Todos consumiam algo de deleitoso. Gritaram e apalparam na inquietação ao redor da mesa. Nunca viram uma mulher igual àquela. Quando o rei os apareceu eles empalideceram e os olhos do monarca ofenderam nossos procedimentos. Passou, repassou... E uma estrela piscou longe, sonolenta.
Debaixo da terra, seres que podiam parecer diferentes viviam aquém e além de ilusões. Surgia uma nova existência. E dançavam e cantavam verdades. E pulavam e comiam como outros humanos. Fantasias requebradas e autênticas. Mesmo no paradoxo que a palavra pudesse declinar. Perto dali alguns pássaros rolavam com seus vôos cantarolados na imaginação, a música não mais que diluindo sons e ruídos de uma bela partitura.
Eram somente sorrisos e suores entrelaçados, pois uma cidade estava se erguendo no meio da população. Uma urbe subterrânea. Povoadas sim senhor! Pensei que fosse obra de imagineiro, doidice. Palavra de honra! Mas, a verdade se construía aos nossos pés. Uma verdade sem donos. E as pessoas caíam puxadas por um ímã, uma sedução. O mar aderiu e jogou-se arrebatado, sua cor azulada nos encharcando de alívio. Em breve teríamos corredores de casas. A lua apareceu linda e com uma luz que brilhava nas circunvizinhanças nos deixou em um estágio de êxtase. Estava no seu esplendor total. E o sol resolveu também nos aquecer quando se erguia portentoso sob as colinas.
No céu, na transgressão inadiável, vi estrelas tentando fugir, chorando tal mudança de ares. Chorando de felicidade. Desejavam, elas, serem livres, escolherem, palpitarem. E iluminarem. Porquanto todos nós sabíamos que a liberdade teria de ser feita a braços longos. Então a terra se desfez. Não mais iria existir vida na parte superior. Lógico que não! Ela penetrara no ar, ei, ia... No mar, amar... No amor!
Bené Chaves

por benechaves às 09:35