-Ah... Ah... Ajude-me aqui meu filho.
Um menino que corria em direção oposta virou-se e viu uma figura pálida e esquelética à sua frente. Debruçou-se e segurou pela mão o corpo de um homem maduro e aleijado. Caminhando com dificuldade conseguiu arrastá-lo para um banco próximo. E perguntava ao velho o que lhe tinha acontecido. Mas, ele apenas balbuciava frases desconexas e gritava um grito surdo:- que mundo! Então, o garoto, sem entender nada do que se passava, na sua inocência infantil, corria até a sua casa e trazia alguma comida para aquele senhor de idade. Depois dizia pra si mesmo: "só queria vê-lo melhor". E logo a seguir viu que o pobre coitado segurou sua mochila e saiu meio cambaleando não disposto talvez para um longo caminho. Disse algo inaudível e desapareceu na turva estrada. O jovem ainda correu ao seu encalço e deitou-lhe a palma de sua mão na outra calejada, deixando-lhe alguns trocados.
"Não devia aceitar tal porcaria, afinal isso aqui não serve pra nada, somente um paliativo, outra satisfação falsa e mesquinha". Claro que o homem vomitou seu mau humor, tudo seria uma melhora passageira. Uma pessoa se apiedar dele também não mudaria o sentido de sua existência. Apesar de não ter estudado ou tido qualquer tipo de instrução, era inteligente para acreditar que sua vida não passava de um equívoco, um sopro sem sorte. E também o velho problema social.
Anacleto, o menino em questão, de doze anos, filho mais novo de uma família campesina, gostava dessas figuras humanas. Apesar de novo, lia com certa freqüência e se apegava com interesse aos livros. Levava uma vida simples e metódica, embora soubesse que o metodismo o enfezava por demais. Afinal, era o seu temperamento. Valia-se de pieguismos para soluções problemáticas e difíceis no trato do conhecimento humano. Mas, era próprio de sua pouca idade. E enquanto o velho caminhava entre corredores de árvores ele permaneceu parado e fixado na imagem. Viu o mesmo cair, levantar-se, ajeitar o chapéu e continuar andando, o sol a bater-lhe em pequenas brechas. Firmou-se e começou a monologar: "que vida é essa... Um miserável andando de porta em porta, você já viu? Sim, é com você que estou falando, seu palerma! Venha cá, escute, leia ou faça o que bem entender... Está me olhando? A pobreza é isso!". Misturava as palavras com o imaginário. E exclamou:
- Meu Deus, que mundo é esse!...
O vento soprava forte e as árvores balançavam como se fossem cair. O sol já começava a ser visto com palidez e sua cor vermelho-tijolo dava uma paisagem que se pensava ser um quadro pintado a óleo. De uns vinte em vinte metros viam-se enormes coqueiros no rastro do chão arenoso. E, na sua frustrada caminhada, o mendigo observou abundantes e belos pratos de comida, homens e mulheres a cantar uma música ciciosa e chinfrim. Imaginou-se no meio de todos e passou a delirar entre a fantasia e a realidade. Soltou o cajado e dançou como ninguém, ali, sozinho, na sua festa individual.
Contudo, voltou ao estágio inicial e continuou o seu transtorno, o cérebro carente e uma barriga faminta. Apanhou a bolsa esfarrapada, contraiu o estômago e dobrou a esquina. Só deu tempo de enxergar dois faróis acesos que se acercavam dele. Tentou fazer algo impossível e um grosso pneu o pegou de cheio e o jogou sobre um arvoredo. Atrás divisou um longo e turvo caminho que parecia mais uma igreja com quilômetros de distância. Sentiu uma dor aguda e levantando o braço o deixou amortecer na terra, um pouco tépida ainda. O sol se escondeu e ele não mais ouviu pequenos toques de uma canção próxima.
O corpo daquele senhor de idade avançada ficou estirado no chão úmido. As pessoas se dispersaram ligeiras e barulhentas. Minutos depois cantavam e dançavam alegres, a lua já iluminando o corredor antes confuso. E somente um jovem a contemplar e lamentar a morte de mais um anônimo neste mundo de desconhecidos.
por
benechaves às
10:08