Hoje chegamos ao fim desta autobiografia, que foi uma mesclagem entre o verdadeiro e o fictício. Muito acontecimento verídico pode ser confundido com o inverídico. Ou vice-versa. Mas, isso fica por conta dos amigos e das amigas que nos toleraram nestes quase dois anos do citado folhetim. O que foi inventado partiu, certamente, da nossa imaginação como uma ilustração para tornar a narrativa mais atraente. Sem inverdades, contudo, apesar de vivermos entre mentiras e verdades.
Desejo a todos, portanto, uma ótima leitura.
EPÍLOGO (final)
Diante de belas imagens a circundar também nos arrabaldes e elas cada vez mais brilhantes e imaginativas, a magistratura tornava-se ágil, soberana e seus titulares acolhiam decisões coletivas, fazendo a decepcionada justiça sobressair sem a incorreta coação de uma autoridade executiva e despótica. Os prepotentes e falsos mandatários eram julgados e presos em nome de uma jurisprudência. A mediocridade, enfim, deslocada para ceder lugar à razão. Painhô e Mainhô surgindo jovens e vigorosos, enquanto os outros filhos despontavam na mocidade. As crianças renascidas e as violências contidas. As filhas do meu casamento decerto ainda iriam nascer felizes e robustas. O amigo morto Valdeci apareceu não sei de onde e juntos ríamos do momento vivenciado. Os verdadeiros companheiros também se erguiam jovens e relutantes. E uma surpresa inexplicável naquele instante de puro prazer: a atriz Kim Novak, no auge de sua juventude, estava ali, bem pertinho de mim, mostrando seu belo e modelado rosto em um corpo escultural. Na minha ainda imaginação pude desconfiar que ela estivesse com uma vontade de beijar-me. Que tal beijo, portanto, viesse logo! A minha futura mulher também apareceu jovem e dócil e olhou-me com desdém, ensaiando um pequeno ciúme e unindo-se a mim naquele torvelinho repassado.
Foram áureos anos de felicidade que retornavam ao ponto mais íntimo de meu ser, assim como também os tempos no colégio, os padres sem as horríveis batinas compridas e pretas e conscientes de suas ações e lições às vezes (ou geralmente) oficialmente deturpadas. Exultei com a extinção da caretice e burrice de uma maneira geral, a instrução de todos como uma meta a se seguir. A hipocrisia e a falsidade cedendo lugar aos seus respectivos antônimos. Os gols que fiz nos célebres jogos colegiais e já anotados aqui. A volta das sessões inteligentes de cinema(ah, quanto me alegrou rever belos filmes que tinha perdido na memória). Os porres homéricos e quixotescos. A ligeira experiência com amigos na realização de um curta-metragem de oito milímetros que depois se perdeu no tempo e espaço. A transformação(pasmem!) dos políticos e homens públicos confessando os crimes de corrupção e sendo encarcerados para o bem de todos. Os mandatários maiores honrando as leis e doutrinas constitucionais. A fragilidade e conseqüente perda da força da grana. As prostitutas não mais profissionalizadas e reconhecidas como senhoras que vivem para um amor sem fronteiras. O período de minha infância e possíveis traquinices enjeitadas. E, claro, as meninas-moças de um período singular na minha vida. Lá estavam elas saindo como sereias vindas de um mar profundo. Ah, quão belas e meigas nos seus jeitinhos de quase mulher! Despontavam apetitosas como uma razão derradeira que nos levavam sempre ao amor entre os sexos opostos .
Enfim tudo mais que se acercou salutar, remoçado e justo. E, na nossa mortal e efêmera vida, os apetites e as paixões seriam imortalizados, rodeando o meu interior de um incontido e soberano devotamento. Todos se juntavam pela ordem de chegada e formavam um círculo de variadas cores e tonalidades. Todas as miudezas de um mundo de excrescências seriam eliminadas dali. A enorme circunferência, em um processo gradual, ia aumentando de proporções e agarrava-se em extensão ao antigo e imenso campo sem moradores. E daí eu fiquei espantado no meio da nova habitação e fui embebendo as etapas de minha vida.
Mas, puta-que-pariu!, puta-que-pariu! Abruptamente parece que acordara de um bonito e mágico pesadelo. Vi, então, com uma tristeza e quase chorando, que teria acontecido outra ilusão e decepção. Talvez a última de minha existência. Não resgataria mais o tal sonho? A magia desaparecera e eu continuava ali, olhando uma bonita lua que iluminava meus olhos. A lua de Gupiara. Era uma réstia de esperança a balançar um sombrio caminho. O marasmo e a realidade viventes tentavam se apossar de mim não fosse a presença soberba do satélite a invalidar outro desapontamento. Eram, portanto, neste instante, árvores secas que deixavam uma mancheia de folhas caírem em profusão a inundar o espaço perdido. Não vi mais nada, somente detive-me a olhar o indefinido trecho descampado. Aí gritei vocábulos desconexos, termos impublicáveis e alheios ao bom senso. E logo a seguir, num arroubo de inquietude e meio desesperado, sentenciei, balbuciando com amargura: assim a gente vai vivendo nesta vida morrendo.
Porém, entre uma ou outra indefinição, não sei se estava acordado ou se ainda desfrutava daquele momento onírico.
por
benechaves às
10:39