DUPLA OBSESSÃO
A moça levantou-se e foi abrir a janela. Um dia claro iluminou a cama desarrumada. Abriu a boca e ergueu os braços como se fizesse exercícios. Olhou pra trás e lá estava o homem deitado, morto. Junto aos dois uma pequena faca ensangüentada. Pegou-a, então, e foi lavar na pia, o sangue já coagulado na sua extensão. Pela veneziana via os primeiros passos na avenida. "Como vou ajeitar tudo isso?", interrogou-se, os olhos disparados para um canto e outro. Um medo subiu-lhe à espinha. Trepou na cama, empurrou o homem pro chão, tirou o lençol e enrolou-o, fazendo do mesmo um pequeno pacote. Abriu uma mala e colocou a sujeira dentro, limpando resquícios no assoalho. Com um pedaço de algodão molhado embebeu o beiral da madeira, passando depois uma lã enxuta. Tudo foi jogado na peça retangular. Sim, levara-o para uma noite de amor. E feito o que desejara, não lhe interessaria o tal sujeito. Agora tinha nojo da tocha de sangue. Apossara-se enquanto diligente, acalorado.
Em outra ocasião, conseguiu, desta feita, um rapaz feioso. No quarto cochichou-lhe amorosa, dando-lhe apetite. A faca pendurada nos peitos. Desvencilhou-se das vestes e dormiu irrequieta: o corpo perfurado, um rio vermelho a correr o lastro da cama. Num instante cinco cutucadas, ai, ai, o que é isso, não, você vai... E o pescoço pendeu estendido, os olhos arregalados causando pavor. A frieza na suspirada cara. Não esmoreceu, levantou-se e a operação se repetia... Saiu refeita e vagarosa pelas escadas.
Um dia, porém, não levou muita sorte: desconfiaram. Entrou com outro parceiro e quando menos se descuidou, upa!, pra que esta faquinha aqui, vai cortar alguma carne?, a jovem mulher a empalidecer com as mãos geladas.
- O que foi, tá sentindo alguma coisa?
- Né nada não, um mal-estar, talvez a comida...
- Você ouviu falar nuns crimes por aí?
- Deix'isso pra lá, senta aqui...
Os dois em um diálogo tenso e ela parecendo doida-doida pra matá-lo, não vendo a hora e quase chegando ao desespero, sua gana adquirindo proporções. Aquilo já era uma tara! Ficou calada e apenas se remexeu, talvez ele se distraísse e ela tivesse êxito. Tirou o sutiã e começou a amassar-se, ele desviado nos homicídios. Sentiu uma mistura de medo e prazer da mulher ali, deitada e completamente nua. Parecia traquejada em suas diabruras. Levantou-se e puxou a faca pra sua cabeceira, enquanto a jovem cada vez mais o excitava. Vestiu a calça e a camisa, ficando diante de um belo corpo nu. A mesma a disfarçar-se o mais que podia, dizendo, como é cara, você não vem, vou ficar esperando, é? E tentou puxá-lo para si.
Pensou antes de tomar uma iniciativa e logo disse:
- Você tá presa, pode se vestir e me acompanhar.
- Por quê?, ela inquietando-se com sofreguidão.
- Sou detetive e a madame terá de ser interrogada.
- Que é isso, o senhor não pode me acusar assim...
- Suspeita, minha filha, suspeita. Vamos!
Pegou-a pelo braço e a arrastou pra fora, ela a olhá-lo com um ódio de uma maníaca qualquer, sabendo que gostava de ir pra cama com os homens e depois... Disse dissimulando que apenas queria fazer amor, mas engasgou-se, como se tivesse engolido a própria faca dos delitos. Saíram na direção da delegacia e numa ponte próxima a prostituta deu uma guinada e jogou-se no fundo do rio. Depois de um corre-corre desesperado o homem atravessou o lado da velha construção e abeirou-se: não viu nada. A mulher desaparecera. Ele, então, se frustrou.
Dias depois pequenos pedaços de um corpo foram encontrados por moleques que brincavam nos rochedos.
por
benechaves às
10:36