E com Gupiara no encalço de ruinosas figuras vi-me estudando em curso superior e atarefado o suficiente para quase interromper outras atividades, principalmente as relacionadas com as meninas-moças da época. Tinha de estudar com afinco e adiar festinhas de fins de semana. Antes disso, porém, lógico, fui aprovado no vestibular de Farmácia e Bioquímica e reprovado no de Medicina, ambos feitos no mesmo período. Mas com a promessa aos meus pais de realizar novo exame ano seguinte, pois desejava muito cursar Medicina e me especializar em Psiquiatria. Via, com isso, uma possibilidade de tentar ajudar mentes perturbadas em um mundo de inquietações e também sofrimentos. Um mundo que a cada dia se tornava mais louco. Não consegui, contudo, realizar meu sonho de infância, porém, uma irmã minha, dois anos após, foi aprovada para exercer o que tanto idealizei.
Curioso é que, no trote dos calouros, ela sairia às ruas com as colegas, charangas e muita badalação para festejar a aprovação de todos. E numa suposta inocência que lhe era peculiar. Na época, o fusca era o carro mais vendido e popular. Aconteceu de colocarem em um cartaz palavras alusivas ao mesmo, numa referência maliciosa às tão badaladas garotinhas da sociedade. Estava lá escrito em letras graúdas: "Certas moças do society são como o carro da Volks, isto é, só tem potencia na traseira". E com erro de português e tudo. Na pressa, esqueceram de colocar o circunflexo na palavra adequada. Belos formandos, hein?
Mas, fazia-se alusão ao automóvel cujo motor é na parte de trás, já que o falatório usual inteirava de que algumas menininhas gostavam mesmo era de serem enrabadas. Daí o alarmante vaticínio para uma Gupiara ainda em crescimento. Certamente porque, de outra forma, havia o risco de engravidar, pois supunha-se que os preservativos, se é que existiam, não teriam a mínima segurança. Ou, então, em último caso, uma tara de algumas donzelas da cidade. E o que foi muito pior: botaram minha irmã para carregar tão picante anúncio. Com a agravante da mesma não imaginar o que estaria escrito no indiscreto cartaz. Ela, na sua talvez ainda inocência, apenas seguia caminho com outras colegas e outros anúncios, a sacudir e mostrar o que segurava nas mãos na cândida presença também de freiras carmelitas que a tudo assistiam. Imagino aqui o horror das religiosas do Colégio Imaculada Conceição em que ela terminara o curso. Que intenção maldosa dos que escreveram tais mensagens, não?
Mas, enquanto Myrna (nome dado em homenagem à atriz Myrna Loy e de que Painhô tanto falara da mesma nas suas inúmeras idas a um cinema próximo) cursava Medicina, ocupava-me das químicas da vida iniciada antes e podendo depois avaliar o quanto seria importante um dia me graduar tendo o diploma no fim de quatro anos. Feito isso, seria um doutor, com tudo de direito ou errado. E nada impediu, todavia, que vez ou outra fosse a um clube, já que sentia uma falta medonha de um bom sarro no meio daqueles festejos. As meninas que o digam, eu que afirme corroborando. Elas no acanhamento natural, mas, paradoxalmente, ávidas em conseguir um bom dançarino. E, então, ficavam ali no miolo do salão esperando algum rapaz afoito que as chamariam para uma boa dança e requebros.
Gupiara, portanto, aos poucos, ia perdendo também sua inocência, sua timidez. Os próprios rapazes, já crescidinhos e as moças, não sei se tão moças assim, tiravam-na de um arrefecimento de cidade pequena. Seria uma espécie de desregrada evolução tomando pulso de seus arredores.
ESPAÇO LIVRE
MELHORES FILMES ROMÂNTICOS DOS ANOS 50
· Um lugar ao sol (Stevens,1951)
· Depois do Vendaval (Ford, 1952)
· Monika e o desejo (Bergman, 1952)
· A princesa e o plebeu (Wyler, 1953)
· Sedução da carne / Senso (Visconti, 1954)
· Noites de Paixão (Mattsson, 1954)
· Sabrina (Wilder, 1954)
· Lola Montés (Ophuls, 1955)
· Férias de amor / Picnic (Logan, 1956)
· Um rosto na noite (Visconti, 1957)
· Amor na tarde (Wilder, 1957)
· Os amantes de Montparnasse (Becker,1957)
· Quando voam as cegonhas (Kalatosov, 1957)
· Corações em suplício (Kautner, 1958)
· Os amantes (Malle, 1958)
· Hiroshima meu amor (Resnais, 1959)
· As ligações amorosas (Vadim, 1959)
Bené Chaves
por
benechaves às
19:35