Naqueles tempos, minha-nossa-senhora, as belas atrizes não apareciam nuas, apenas alguns relances de sensualidade e nada mais. Seria uma temeridade se assim o fizessem, coisa mesmo da época, de uma censura austera e ainda conservadora. Quando muito, um bonito colo a revelar seios generosos ou umas coxas grossas descobrindo boa parte de um corpo tipo violão, como se dizia. Mesmo que fosse às escondidas. E a atriz Kim Novak fazia-me deslumbrar com suas curvas delineadas a quase sempre ir a um banheiro próximo, eu aí nos meus treze ou quatorze anos de inexperiências e ansiedades. E olhe bem que não via um terço das partes pudendas de tão encantadora mulher. Minha euforia maior seria admirar suas lindas pernas e o rosto sutil, um misto de ruivo, loiro e moreno. Então, inchava de prazer e contentamento. Também pudera!... Também pudera!
No período em vigor pude avaliar o quanto teria levado adiante tal questão, visto que denotava, desde já, meu desconcertante - e lógico - relacionamento platônico. Portanto, naquele intervalo, parece, da adolescência (ou antes?), me concentrei numa ilusão de que tudo poderia um dia se tornar verdadeiro. Ou, então, mergulhar de vez na fantasia iniciada. De qualquer maneira me valia do único meio que existia no momento, uma possibilidade não palpável, porém repleta de indiscutível magia. E creio que fiquei parcialmente feliz porquanto vivia uma fábula materializada por um desejo sublimado e impossível. Daí, os ralos dos banheiros se encher de um apetite lascivamente impedido.
Diante do exposto, concluí que tinha lá minhas razões. E, modéstia à parte, ficava admirado com engenhosidade deveras peculiar, sabedoria e esperteza mesmo da juventude, do que seria belo e inesquecível. É sabido que sempre demonstrei tais características, nascidas talvez de um gene especial, ao contrário do que já abordei aqui, na ilustração de uma ancestralidade e conseqüentes hereditariedades não desejáveis ao ser (dito) humano. Lógico que toda regra tem suas exceções, mas a maioria era assim mesmo, abarrotada de incoerências porque fruto de uma mistura cada dia aumentada.
E nesse quadro paralelo Gupiara seguia, a contragosto, sua trajetória equivocada, quando os mandatários tocavam obras superficiais apenas com o intuito de vê-la crescer, crescendo, contudo, dívidas enormes que, no futuro próximo, sobravam para a população. Débitos estes feitos através de algo ordenado ou contribuições alteradas. E o principal não era realizado, pois se faziam mais contra-obras do que propriamente um empreendimento em favor dos necessitados, prejudicando o trabalho social que deveria ser colocado em prática. Depois - nem sempre - apareciam as danosas conseqüências dos desvios, sem se saber, no entanto, onde os mesmos foram enfiados.
Porém a minha outrora cidade querida, de tempos bons, áureos caminhos da inocência perdida, seguia seu rumo e nada a detinha. Pareceu-me que iria se tornar, a cada passo, numa Gupiara inexistente e insensível. Uma Gupiara alheia aos anseios de um povo cada vez mais sofrido, de um povo vivendo às margens de uma sociedade no natural individualismo que lhe cabia. E chegando também ao vexame de nada criar e somente copiar, em um gritante contra-senso e uma desenxabida vulgaridade. Inclusive com uma população alheia aos verdadeiros motivos da desonra impetrada. E tudo era feito seguindo impulsos de urbes desenvolvidas.
ESPAÇO LIVRE
CLEMÊNCIA
Ao olhar da vida
a rotina que dilacera
os odores e (dis) sabores
o grito que desespera.
E o contundente apelo da
desalmada fuga de si mesma.
No ouvido sussurro-lhe:
foge dos fantasmas
ouve os murmúrios
ouse quebrar desencantos.
Amanheças no amanhecer!
Bené Chaves
por
benechaves às
18:22