Foi aí que o tempo recuou, recuou... Um dos alunos do colégio em que estudava, mais afeiçoado aos jogos de uma maneira geral, resolveu selecionar um time para a classe jogar com colegas concorrentes. E sabe-se que o futebol já era a grande alegria e paixão de um povo. E também fiquei ciente daquele vício, no bom sentido, lógico, desde épocas passadas. Porém soube, depois, que bem podia ser, aí no aspecto psicológico, um modo de desprendimento às suas lamentações e, inclusive, o intervalo, pode-se dizer, de uma vida sofrida na labuta diária da falta de melhores oportunidades de sobrevivência. (Muito embora, atualmente, sirva também como uma abrangência quase geral). O povão ainda vive à margem, daí a sua sobrecarga, sobretudo, em entretenimentos desta natureza.
Aproveito aqui o ensejo para denunciar e deplorar a malversação de alguns dirigentes inescrupulosos que participam de atos ilícitos, levando, na maioria das vezes, os seus próprios clubes à falência. O sempre contínuo entusiasmo e fanatismo da multidão em estádios aumentam o que poderíamos chamar de 'a indústria do futebol'. E eles, os presidentes de clubes, claro, se beneficiam de tal situação.
Mas, deixando de lado esse aspecto sombrio, tive também minhas proezas nesta arte de dominar uma bola. Modéstia à parte. Não era, presumia-se, nenhum craque, porém consegui, num curto espaço de tempo, uma façanha difícil de repetição.Tinha conhecimento e consciência de minhas limitações, mas também torcia para que as mesmas me dessem força e eu pudesse, num instante de inspiração e maleabilidade, sobrepujá-las. A minha posição preferida era zagueiro de área, porém, na infelicidade (ou felicidade?) de uma substituição, fui escalado para jogar como centro-avante. Sabia que não era fácil tamanha responsabilidade, embora não tivesse quase nenhuma naquela minha pré-adolescência.Teria de ter uma garra além de minha própria imaginação, além dos demais integrantes da equipe formada. Aceitei o desafio e entrei naquele pequeno campo ainda de areia cheio de esperança em derrotar o adversário.
A oportunidade de mostrar algo valioso estava ali, no local do combate, diante de uma platéia de colegas e conhecidos. E parece que consegui o intento, ou melhor, todos conseguimos, em se falando de um conjunto de fatores. Sei que, para encurtar a conversa, nosso time venceu a partida com três gols de diferença. Pois é, fui eu o autor das três bolas na rede. (Tudo aqui pareceu calculável, embora não tenha sido, em contraposição a um filme, porque uma possível previsibilidade de determinada cena ou seqüência já daria um toque negativo ao valor do mesmo). Lembro do último gol, um lance digno de grande futebolista: recebi a bola na intermediária e dei o chamado, na época, banho-de-cuia no beque.Antes da mesma tocar no chão, disparei e encobri o goleiro, recebendo daí os aplausos pelo belo arremesso. Nem eu acreditei no que vi, a pelota indo espichar-se lentamente no fundo da rede. E com todo o exagero dos fanáticos que diziam ter sido uma jogada de mestre.
Naquele tempo existia um artilheiro chamado Juarez que demonstrava muita habilidade no campo e jogava no América local.Lembro-me como se fosse hoje. E, então, passaram a me chamar de Juarez numa alusão ao famoso jogador. Claro que fiquei orgulhoso, embora tivesse noção de que tudo fora uma sorte, uma cagada, como se dizia na época. Durante alguns meses fui dono daquela situação, porém sabia que não duraria muito tal entusiasmo. Tive pena do titular, que se contentou em ser zagueiro, posição, sem dúvida, que eu gostava mais de atuar. Não tenho idéia do que sucedeu depois de vários dias, mas acredito que o nosso time não foi muito longe. Ficou, enfim, gravado na minha memória, aquele acontecimento inédito, uma gloriosa tarde de um jogo definitivo e singular.
ESPAÇO LIVRE
METAMORFOSE
Na escuridão do quarto
não mais te vejo.
Apenas sombra de outrora
aquela silhueta de uma
ilusão que se foi.
E quem me dera refazer
seus atos tácitos e intactos!
O deslumbramento do corpo
jovem e a pureza de nossos
afetos indeléveis.
A lembrança como mera
fixação da batalha perdida.
Bené Chaves
por
benechaves às
15:23