Lógico que confessei o desgosto que sentia em presenciar o ordenamento e subserviência daquelas ditas pessoas, inclusive de algumas que se diziam insatisfeitas e não tolerar a presente situação.Mas, como eram para seguir uma dimensão e aspiração imoderadas, faziam, podia-se ver com evidência, de tudo que fosse necessário. Aliás, até jogar fora uma vida de conquistas alcançadas através de uma posição de pseudo-sabedoria e inteligência, facilmente detectáveis e revertidas em pantomimas. O passado que se danasse, valia somente o presente e confortável estágio em que passavam a viver. E esta era, portanto, minha amargurada visão.Uma enganosa antevisão? Os piores seriam os que se diziam autênticos, mas, depois de uma chance obtida pelo oportunismo, detinham um poder besta qualquer e definiam suas verdadeiras faces. Retiravam, deste modo, as máscaras ocultas da razão. Era como aquela música que o cantor e compositor Cazuza cantaria e dizia em um de seus trechos que a ideologia não passava de uma maneira para se viver, denunciando as aptidões e ambições de tais indivíduos. "Ideologia... Eu quero uma pra viver". Uma canção não aceita de bom gosto no círculo ora revelado.
E assim, tudo seguiu o rumo normal, nada mais de fanfarras ou obstinações, atingir ilusões e objetivos. O marasmo tomou conta de Gupiara e os conluios se fizeram evidenciar assim como também o medo, para a má sorte do lugar. A rima é proposital, dada a uniformidade em que a fizeram eclodir, pois somente através das identidades de sons pôde-se amenizar tamanha realidade. Dali em diante o clima tornou-se hostil para alguns de nós que não se conformavam com o caos vigente. Gupiara estava entregue ao acaso, ao obscurantismo e também à denúncia.
Foi mais ou menos neste ínterim que inclinei-me com mais assiduidade aos estudos, resultando daí minhas aspirações e informações às causas do entendimento. E uma antiga paixão voltou a reacender e reascender paralelamente com as atividades didáticas do momento. Fascinei-me ainda mais pela elegância e beleza da arte cinematográfica, sobretudo sua magia de arrebatamento poético-visual. Era o fabulário dando continuidade à minha imaginação. Era uma nova batalha que reiniciava meu aprendizado na ilusão de uma pequena sala escura a delirar com um clarão de seres em movimento. Era a arte querendo imitar a vida.
Neste curso da existência revelei uma paixão que me levou às nuvens, uma paixão iniciada na puberdade, quando menino besta de calça curta. Desta feita um sentimento sublimável, inatingível e inatendível. E nada podia ser feito pelo amor que nascia como se viesse das trevas. Ficava triste diante de um quadro além mar, além amores. Portanto, a minha única alegria seria ir ao cinema e admirar aquela mulher nos filmes. Marilyn Pauline Novak era o nome dela, uma espécie de feitiço na minha outra ilusão. Na tela grande, com o nome artístico de Kim Novak, eu pude me deliciar com o que via diante de mim a deixar o meu corpo em um estado orgástico. Que não me deixem mentir, principalmente, os filmes Férias de amor e Um corpo que cai, ambos a mostrar sua beleza singular.
ESPAÇO LIVRE
CHOQUE
Encontro-te!
Em silêncio, sensual
desejosa de amor.
Na tarde de chuva
passos inquietam teu olhar
naquela longínqua calçada.
Buscas um grito de tormento
(onde pássaros voejam)
desesperado apelo em vão.
E no súbito anoitecer
mãos estranhas estrangulam
vidas vindas.
No medrar entre duas
existências:
a minha e a tua.
Bené Chaves
por
benechaves às
20:35