Depois de uma efêmera atuação de nossas atividades colegiais houve daí uma separação ocasionada em parte pela transferência de alguns colegas e em outra pelo seguimento noutras diligências, motivando, desde então, um conseqüente distanciamento daqueles momentos que vivenciamos juntos a divulgar uma arte tão preciosa como é o cinema. Desmanchou-se tudo e restaram, entre outras coisas, as saudades das sessões semanais (ou quase). E acho que boas lembranças ficaram entre nós, repassadas somente e com tristeza no curso da memória e da existência. No pequeno auditório dos padres de sais compridas e horrorosas tais reuniões nunca mais ressurgiram, morrendo ali mais uma ilusão da passagem lúdica e lúcida em um tempo que se foi e apenas deixou sua memória.
Porém, em compensação (e quase paralelamente), houve uma iniciativa, fora dos eixos escolares, de um grupo de rapazes, que, em boa hora, atinou para a fundação de um cine-clube na então pacata Gupiara. Esta agremiação viria a ser a mola-mestra da iniciação e aprendizado aos que ainda estavam virgens na apaixonada e verdadeira arte cinematográfica. E tais jovens, com a euforia da pós-adolescência, formaram uma entidade e continuaram os belos projetos da chamada sétima-arte. Os estudos iniciaram e os acontecimentos surgiram, então os "meninos do tirol" (bairro onde se realizavam as reuniões) planejavam também a exibição de filmes considerados 'clássicos' e permitiam salas de debates para uma melhor compreensão daquelas obras exibidas. Trouxeram muitas fitas de valor comprovado pela crítica de um modo geral. E o nosso conhecimento e a nossa apreciação foram tomando pulso para uma cultura não somente no campo da cinematografia, como igualmente na parte literária. Alguns filmes foram chegando no salão pequeno e desconfortável (sempre o mesmo desconforto a perseguir os auditórios) do local onde estavam já funcionando as atividades cineclubísticas.
Apenas como uma ilustração e também curiosidade para os leitores, poderíamos enumerar algumas fitas exibidas para os associados ou não:
O salário do medo, de Henri G. Clouzot, produção de 1953, com Yves Montand e Charles Vanel; Rififi, excelente fita de Jules Dassin, produção de 1954, com Jean Servais e a então bonita Magaly Noel; Se todos os homens do mundo, outro bom filme do cinema francês, de Christian-Jaque, realizado em 1955; Os visitantes da noite, fita importante de Marcel Carné, com a atriz Arletty, que era muito solicitada na época, produção de 1942; o bom filme sueco A última felicidade, de Arne Mattsson, de 1951; a obra-prima de John Ford No tempo das diligências (1939), talvez sua fita mais emblemática, com o grandalhão John Wayne; Os sete samurais, filme de Akira Kurosawa, com o famoso ator de então Toshiro Mifune, produção de 1954; e depois vimos Hotel do Norte, também de Marcel Carné, com Arletty, produção de 1938, mas bem inferior ao citado anteriormente Os visitantes da noite.
Portanto, o cine-clube de Gupiara e o único a sobreviver alguns anos, nos ensinou quase tudo sobre a bela arte da magia, do encantamento, do tato, do sabor, do fato e da feitura e devaneios nossos na escala do aprendizado de cada dia. Ali a gente ficava longe das agruras de uma sociedade desvirtuada e fincada, sobretudo, em desejos banais e hipócritas. Ali nós estudávamos, nós aprendíamos, mas também nos divertíamos com o saber na ponta da língua. Surgiam valores maiores, novos, a cultura sempre realçando nas atividades da época. Uma época de ouro e de combate para alguns de nós. E o "cinema-de-arte" foi o grande feito daquela agremiação. Paralelamente as exibições passaram para o saudoso cinema Rex(hoje somente uma edificação a enfear sua antiga imagem) , no início em sessões matinais aos sábados. Depois em outros locais. Mas, aí já é outra história... Apenas lembramos que o Cine-Clube-Gupiarense foi a melhor escola, podemos até dizer, em termos gerais, que tivemos ao longo de um tempo passado e que ficou na nossa memória presente.
ESPAÇO LIVRE
ENTREATO
Dentro de teus volumosos seios
eu sugo as ininterruptas gotas
de nossas inconexas existências.
E depois acalento-as ou recuso-as
na ilimitada sofreguidão
entre o viver e o morrer.
Bené Chaves
por
benechaves às
14:51