Gracita foi, portanto, acossada sem piedade, pois a fizeram acreditar nessa historinha sem o mínimo de fundamento, valendo-se daí sua condição de adolescente ainda supostamente tola para assuntos de tal natureza. Inclusive sendo conduzida com facilidade e perícia para este fim. E o intuito, então, foi conseguido e a grande intriga feita, desmanchando-se um namoro que poderia ser promissor, embora soubesse, lógico, que éramos muito jovens para assim pensarmos. Mas, nós estávamos querendo aproveitar um momento (e que belo momento o da juventude!) de nossas iniciais existências. Infelizmente ele foi abalroado sem chance de uma preliminar contestação. Arre! Culpa minha? Dela? Não, acho que foi um delito do destino, se assim posso dizer.
Quanto a Gracita e a partir desse episódio a vi umas poucas vezes, porém era evidente que desaparecera de minha vida, restando somente e com saudade as sombras de um passado. Um passado que ficará gravado também como o de Alba, aquela que foi minha primeira experiência no aspecto amoroso, um lado difícil e sem dúvida de se entender do ser humano. (Soube tempos depois que Gracita aparentava belas feições, conforme tinha previsto na imaginação. Casara, tivera filhos e seguira evidentemente sua sorte ou azar. Atualmente de nenhuma notícia sabia, talvez já estivesse no curso declinável da vida). Seriam as reviravoltas e retomadas ou não de uma época obsoleta e perdida.
Por conseguinte, nada pude fazer para abafar os tristonhos acontecimentos e tudo despencou eficaz como o autor ou autora da trapaça desejou que fosse. Venceram a espinhosa batalha. E atravessando anos seguintes pela rua que Gracita morara observei mostrengos sendo erguidos, prédios gigantescos que transformavam e esfumaçavam a nova cidade. Tudo ia se perdendo de encontro ao porvir, inclusive uma imensa avenida tomou conta do outrora e estreito lugar, talvez até fazendo com que minha segunda ex-namorada sumisse entre as coisas bonitas que fizeram parte do trecho antes percorrido com amor e carinho. Enfim, desvaneceu-se outra ilusão e mais uma decepção.
Lembro aqui de um instante lúdico no nosso relacionamento: quando uma vez estávamos a passear fomos nos esconder, numa distração de sua acompanhante, atrás de uma pilastra de um velho edifício abandonado. Parecíamos duas crianças a brincar de esconde-esconde. Ali, numa demonstração de afeto, consegui segurá-la e satisfazer um pouco do ardor juvenil que nos instigava. Desci suas vestes e a vi ligeiramente nua, seu corpo moreno a tremer de medo e inquietação. Uma visão que me sacudiu, apesar da penumbra do local, ainda mais ao ângulo que me destinava. Foi um curto momento de prazer em que cheguei a boliná-la num frêmito de quase um orgasmo. Saíamos depois desconfiados como se tivéssemos cometido algum ato vergonhoso. Para a época era um verdadeiro escândalo você tentar algo dessa natureza. E ela depois afastou-se encobrindo seu suave rosto e eu a me ajeitar rapidamente com receio de que algum vulto aparecesse nas sombras daquele passado.
ESPAÇO LIVRE
FICÇÃO
No limiar da existência
vejo-te ofuscante
amando a solidão
odiando a devassidão
e a vastidão.
Mas no instante último
és o oposto posto
odiando a solidão
desejando a vastidão
amando a ilusão.
E crias apenas uma bela
imagem duradoura.
Bené Chaves
por
benechaves às
14:43