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Bené Chaves <>, natalense, é escritor-poeta e crítico de cinema.
Livros Publicados:
a explovisão (contos, 1979)
castelos de areiamar (contos, 1984)
o que aconteceu em gupiara (romance, 1986)
o menino de sangue azul (novela, 1997)
a mágica ilusão (romance, 2001)
cinzas ao amanhecer (poesia, 2003)
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terça-feira, junho 14, 2005

Compartilho hoje com vocês do conto O Bolo, que faz parte de meu livro Castelos de Areiamar, lançado em junho de 1984. E em conseqüência dele ser um pouco longo o Espaço Livre voltará na próxima postagem.

O BOLO



Subiram no palanque...
Luzes distribuídas e olhares de sorrisos. O homem levantou o braço direito dando um soco no espaço nu. Vislumbrou uma multidão incalculável e começou a falar:
-Povo de minha terra: sou, a partir deste momento, candidato pela vontade soberana desta querida gente. Sinto que vocês não estão satisfeitos com a situação atual e venho, na hora justa, protestar contra esse estado de coisa. Teremos de derrubar o governo pseudodemocrático que comanda o país, e só podemos fazê-lo com o apoio de vocês. Talvez desta maneira ainda consigamos que o mesmo volte aos seus dias gloriosos. Tenho, portanto, o dever de anunciar-me como candidato nas próximas eleições.
Um barulho de palmas surgiu na extensão da rua iluminada. E aquele homem a mostrar os dentes e fazer exercícios nos braços como se quisesse abraçar alguém. Irromperam, então, ruídos na grande avalanche humana.
-Viva, viva, tá eleito, tá eleito... : algumas vozes eram ouvidas no enorme salão ao ar livre.
Mas, um observador atento comentou para si: são todos iguais, querem o poder e depois... - começou a socar a mão direita (aberta) na esquerda (fechada).
-Precisamos, unidos, lutar contra a opressão, o desemprego, o desestímulo à classe produtora. Confio no vosso voto e hei de cumprir tais promessas.
Gritos e mais gritos saíam de bocas pedintes, estômagos famintos. O interlocutor tomava um copo d'água e distribuía afagos diante de si, a barriga já cheia de comida. Carros com alto-falantes jogavam papéis para a multidão entusiasmada, retratos vários pulavam no meio à massa humana. Parecia tudo uma euforia dissimulada... Candidatos outros se seguiram na falação... Previa-se, contudo, que aquele povo estava sendo repartido, uma fatia devia caber pra cada um naquele novelo ilusório.
Então o homem disse com uma voz seca: temos de dividi-lo certo, você pega o bolo e faz o corte em porções iguais, sem discriminação, nada de sabedorias, pois o gosto a gente sente no final.
Na mesa, portanto, os pratos servidos, uma faca posta para o saboroso trabalho. No centro a atenção dirigida e conseqüentemente atingida. As comemorações feitas e os pedaços saindo de boca em boca, tragados com alegria e satisfação. Estavam gostosos.
-E, além do mais, - continuou o homem - não estamos aqui pra iludir ninguém, temos um dever a cumprir e sabemos onde meter a mão.(Na certa meteria no bolso do povo, se é que ainda ele teria bolso).
Disse então: somos conscientes da tarefa que vocês nos entregará e faremos de tudo para bem servi-los. Uma vida, portanto, com menos sofrimento, pois não possuímos o dom de querer enganar essa sofrida gente - e apontou o polegar na direção da mesma.
Ouviram-se estrondos de um lado e de outro, como se um vulcão estivesse vomitando, o palanque quase indo abaixo com gritos e foguetões.
-Cuidado, vá devagar, não precisa exagerar tanto - rechaçou uma voz comedida.
Na mesa, um vazio... Facas amoladas e o grande prato despido, procurando esconder-se ante uma possível vergonha. A parte era sua, ninguém colocaria as mãos, ninguém... Então saiu a tomar um pouco de ar e aproveitou para revê-la melhor, alisá-la e acariciá-la sem desdém. A distribuição feita: fulano fica na tal posição, sicrano substitui beltrano, este parte para nova investida, etc., etc., contanto que não fiquem insatisfeitos. As fatias não são iguais? De qualquer maneira se ouviam protestos, uns achando pedaços maiores, menores, outros observando gratificações extras. Houve de viva voz descontentamentos. E ele ali, no meio do salão, a repartir de acordo com sua consciência, embora recebendo críticas e repetindo sozinho: não são iguais? Porém, parece que a igualdade desse homem deixava lacunas...
Abriu então os enormes dentes e abocanhou um pouquinho de ar, completando e gritando desta vez: portanto, meu querido povo, não me decepcione, pois não vos decepcionarei. Juntos, na urna, daremos a nossa resposta.
Um clarim soou no meio da massa humana e todos começaram a dançar, enquanto o orador desviou o olhar e colocou a palma da mão para sussurrar algo aos correligionários.
-Não sei, de uma hora pra outra essa gente pode enxergar melhor, disse o companheiro ao lado, pondo uma dúvida na sua euforia profetizada.
-Que nada!... Vê só uma coisa... E começou a gritar bem forte o seu nome, fazendo eco no infinito. Um uníssono se ouvia.
-Não falei!... são todos assim.
O povo massificado, espoliado, sempre enganado.
Parecia certo da vitória, conseguira ludibriar com um discurso forte e imaginativo, dizendo palavras desonestas, mentindo e fingindo estar ao lado daquela pobre gente inocente. Diante da situação que instalou na festa organizada para servi-lo e aos seus comparsas, não se tinha a menor dúvida que o citado candidato era um farsante, charlatão. E isso ficou mais que evidente, sobretudo depois das frases de cunho demagógico, pois o que se via eram somente promessas, promessas para iludir aquele povo presente àquela manifestação.
Então, depois, colocou as fatias em cima da mesa e ficou olhando-as durante alguns minutos, o suficiente para lançar uma hipnose. Os outros tentaram comê-las, mas foram impedidos por uma voz firme e grossa que surgiu, deixando-os perplexos. Era o homem, agora desejando saboreá-las todas para si. Engoliu apressado os outros pedaços e, sujando-se todo, virou as costas disparando carreira. Sumiu-se ante a suposta indignação dos companheiros. Ajoelhou na tábua e começou a chorar, antes desviando o rosto e colocando pingos de colírio nos olhos. Ninguém notara tamanha habilidade, estavam pulando e gritando na proposital euforia.
Recomeçou a falação:
-Tudo que desejo é ser amado pela minha querida gente, não consigo viver sem ela - e com um lenço branco enxugou algumas gotas da face. Lágrimas de colírio.
Desceu o patamar e viu as formas variadas de fatias à sua frente, queria juntá-las sozinho, enquanto os de trás ficaram golpeando-as em partes iguais. Encolheu-se retraído e esperou qualquer resolução, o bolo a admirá-lo na esperteza. E ouviu intrigado uma voz insistir que a conscientização era a meta principal daquele enorme novelo. Houve um certo abalo nas arestas ali sedimentadas e uma incerteza, a multidão já fatigada e explorada da forma mais bestial possível. Era notório que o homem a tinha ludibriado com suas constantes mudanças.
Do céu as estrelas faiscavam a grande praça aberta, enquanto cá embaixo fazia um silêncio profundo. As pessoas ficaram abobalhadas olhando o palanque vazio e sentiram na carne o reconhecimento de terem sido enganadas. Aquilo tudo era um engodo, é ainda uma isca. Apartearam-se, portanto, e se dividiram em blocos disformes, deixando um labirinto de difícil acesso. Aí a situação se complicou e não mais serviriam de sustentáculo para ninguém. Sabia-se que a ambição daquele homem tinha ultrapassado o senso normal.
Então, naquele exato momento, as fatias recolheram-se caladas, não se enganariam de serem repartidas, engolidas. Estariam, portanto, firmes na intenção de não atenderem a qualquer chamamento, livres da sujeira programada. Libertas daquele (e de outros) político mal-intencionado.


Bené Chaves

por benechaves às 13:54