SOBRE UMA FRASE DE PETER BOGDANOVICH
Francisco Sobreira
Crítico de cinema, Peter Bogdanovich resolveu seguir o exemplo de vários de seus colegas e ingressou na direção. Isso se deu em 1968, com o filme Targets, que, no Brasil, recebeu o título de Na mira da morte. E estreou bem, ao narrar a história de um jovem que mata a esposa e os próprios pais e, em seguida, ascende ao topo de um prédio do campus (se a memória não estiver me traindo) e de lá fica atirando nas pessoas que passam. Paralela a esta história segue a de um diretor de cinema que pretende fazer um filme de terror, cujo protagonista fora no passado um dos expoentes do gênero, há muitos anos afastado do cinema. Esse ator é Boris Karloff, que interpreta a si mesmo, mas com um nome fictício. É uma comovente homenagem que Bogdanovich presta ao ator, na época relegado a um completo esquecimento, fazendo-o voltar à tela naquele que acabou sendo o seu último trabalho no cinema.
Pois a uma certa altura do filme, numa conversa entre o diretor e o ator, o primeiro (o próprio Bogdanovich) diz a seguinte frase: Todos os grandes filmes já foram feitos. Assim mesmo: Todos os grandes filmes já foram feitos. A frase, desde que vi o filme pela primeira vez, soou-me como uma opinião descabida, leviana e impertinente, pois decretava a morte do grande cinema feito pelos seus maiores mestres, numa época em que o cinema vivia uma fase de grande criatividade, notadamente na França e na Itália, onde trabalhava a maior parte dos maiores diretores; mas até no cinema americano ainda se faziam grandes filmes (não, é claro, na mesma quantidade daqueles dois países), pois não se deve esquecer que o 2001 ? Uma odisséia espacial, de Kubrick, é de 1968. E nos anos seguintes, até aí por volta de 1980, a realização de obras importantes só fez desmentir a opinião do personagem do filme de Bogdanovich. E é de uma fina ironia o fato de o mesmo Bogdanovich ter sido um dos cineastas a contestar a própria frase, ao realizar, três anos depois, um grande filme, A última sessão de cinema, o maior de sua filmografia, feita muito mais de baixos do que de altos.
Ditas hoje, no entanto, aquelas palavras serão rigorosamente corretas. Todos os grandes filmes já foram feitos porque os grandes cineastas, aqueles que contribuíram para o cinema elevar-se à categoria de arte, já morreram, ou estão aposentados, ou quase os pouquíssimos ainda vivos. Há alguns talentosos entre os surgidos nas duas últimas décadas do século passado, mas que não estão no mesmo patamar. Não é uma opinião apenas minha, creio que os cinéfilos da minha geração, e das gerações anteriores, pelo menos em grande parte, pensam assim. Cito um exemplo: Gilberto Stabile, ex-companheiro meu, de Bené e de Moacy do Cine Clube Tirol de Natal. A cada ano, por ocasião da Mosta de Cinema lá de São Paulo, ele sai de casa cheio de esperança de ver um filme, se não com uma proposta inovadora, pelo menos que apresente algo original, e todo ano, volta para casa desalentado.Há alguns filmes bons, mas nenhum que o deixe ciente de que assistiu a uma obra-prima.
E o que fazer? Ora, existe o DVD. Com este resta o consolo de rever aqueles momentos mágicos do cinema dos grandes mestres.
ESPAÇO LIVRE
ESPECTADOR
Para Francisco Sobreira
No escurinho do cinema eu vi
o vagabundo com o belo gesto de ternura
aquela imagem de uma beleza pura
a florista sorrindo e vendo o amanhã
o rosto da adolescente de olhar afetuoso
a razão vencendo a intolerância.
Vi o afeto superando o ódio
lucidez e discrição na face de todos
aquela bela loira/ ruiva me acenando
a morena instigante sempre palpitando.
Vi a gratidão e justiça como bens maiores
a mediocridade rejeitada / derrotada
também vi a mocidade estancada
a velhice longe e não amostrada
nossas vidas não deterioradas
o amor da mulher dada / amada.
Tudo isso eu vi, mas somente no
escurinho de uma sala de cinema.
Bené Chaves
por
benechaves às
22:10