EM frente, quase perpendicular, onde Painhô e Mainhô moravam, existia uma pracinha, acanhada, com uma casa onde vendiam peixes, limitado lugar também de gostosas iguarias. Nem tanto como as comidas de Tia Chica, porém a freguesia se reunia no local. Mas, eu ainda pequeno, talvez com uns sete anos, presenciei, sem querer, claro, um crime nas imediações da mesma. Foi horrível para a minha idade. E Gupiara começara, aos poucos, a mostrar uma outra face de sua existência.
Lembro vagamente: tardezinha, um cidadão, sem motivo aparente, pegou seu revólver e atirou, pum!, pum!, pum! E, depois, com uma faca, ainda cortou metade da orelha do pobre homem, saindo com a dita na mão, o sangue misturado, o outro estendido na barafunda. Nunca souberam o paradeiro do criminoso e ele certamente desapareceu para sempre. Seria o início, talvez, de casos sem soluções e crimes que compensassem suas autorias.
FUI logo sabendo que o pequeno comércio que Painhô instalou em Gupiara começava a dar bons lucros. Vez em vez ele mandava me chamar para ajudá-lo naquele Armazém varejista. E eu até gostava de ficar ali pesando quilos de arroz, feijão ou farinha, feito menino instruído, sabichão. Meu pai da porta olhando pro próspero movimento, às vezes piscando para a bonita moça (não tomava jeito esse Painhô...) em frente, outras vezes me observando com atenção.Claro que ficava direitinho, necessitava muito da minha mesada, pois queria tanto ir a um cinema...
GARANTO que cheguei logo a ler e escrever, claro, fui um menino educado, não dei trabalho a ninguém, Mainhô que o diga. Uma vezinha ou outra a gente perde um pouco os bons costumes, mas é coisa sem importância. O chato mesmo é a vida desassossegada, estudar, estudar, depois trabalhar, trabalhar... a gente devia viver brincando, ora essa! O divertimento nos dá saúde, despreocupação. E as obrigações diárias cansam nossa mente, às vezes com tarefas supérfluas apenas como vaidades bestas, ambições, troços levados como supremacias.
A modesta inteligência ancestral (acho que em grande parte de Painhô) que herdei deve ter facilitado sem precisar ficar com os olhos grudados em livros ou cadernos. Penso que a consciência fluiu espontaneamente e fui absorvendo quase tudo com melhor facilidade.
HOUVE um tempo muito bom em minha vida: coleção de revistas de cinema com artistas na capa e tudo.Possuía um álbum com todas aquelas lindas mulheres à minha frente. E me deliciava à exaustão vendo Kim Novak, Gina Lollobrigida, Ava Gardner, Cláudia Cardinale, Ingrid Bergman, Silvana Mangano e outras lindas atrizes mostrando as pernas em variadas poses. Coxas? Que nada!, também naquele época... o que era uma pena enorme. Mas, que teria sido uma beleza perscrutar o corpo nu de uma miss Novak, por exemplo, claro que ninguém duvida disso.
E as lindas mulheres passavam junto de mim o dia inteiro, principalmente quando ia tomar uma ducha. Atrizes em ruma, oh, dessa altura...
Tempo bom que não voltará jamais. Porém fico com aquela bela recordação de que gamei em todas, revistas e mulheres, seria evidente que sim. E o prazer que senti nos meus primeiros anos de uma pré-adolescência.
ESPAÇO LIVRE
VELHA FOTOGRAFIA
Oh, espelho usado, estilhaçado...
reflexo da pequena estampa
passada
presente
futura.
Roída e acinzentada parede.
Imagem antiga, retorcida...
sinal de uma cansada vida.
Imagem anômala, dEfOrMaDa...
não há de ser nada?
Retrato solitário, solidário
de longa existência
lágrima
riso
imaginário.
Bené Chaves
por
benechaves às
21:27