O POEMA DE PAINHÔ
Naquela noite a lua tava cheinha cheinha e as estrelas iluminavam o céu. Pareciam adivinhar alguma surpresa de meu pai. Deitado na rede ele começou a olhar o infinito, aquela vastidão sem fim. Disse que iria declamar um poema elaborado dias anteriores e que dera o nome de Decassílabos. Então começou, minha mãe com os ouvidos atentos aos seus ditames:
Amo o fulgor das loiras madrugadas
Ou o reflorir da aurora rossicler
Amo o viço estuante da floresta
E a sedução de um riso de mulher
Amo o fragor da luta audaz e forte
Que dá glória na vida ao humano ser
Mas repilo o perjúrio / fingimento
Porque amo somente a quem me quer.
Amo a saudade imensa do sertão
Quando o inverno faz tudo renascer
Relembro a dor daqueles que partiram
E à terra mãe jamais hão de rever
Amo o sofrer da noiva desterrada
Que deixa o coração com o bem quer
Mas repilo o perjúrio / fingimento
Porque amo somente a quem me quer.
Amo do amor as sensações ardentes
Que em vibrações nos fazem estremecer
Tornando os corações todos frementes
Na ânsia incoercível do prazer
Amo a beleza da afeição sincera
Que nos protege e ampara no sofrer
Mas repilo o perjúrio / fingimento
Porque amo somente a quem me quer.
Amo a Ciência, amo a Filosofia
Focos de luz do mundo do saber
Formas divinas de estender ao homem
O que Deus reservou do Seu poder
Amo a harmonia cósmica dos Mundos
E os sentimentos místicos profundos
Que as relações com Deus dão a entender
Amo a carícia lírica do vento
Mas repilo o perjúrio / fingimento
Porque amo somente a quem me quer.
Acho que Mainhô ficou mais cuidadosa nas duas últimas estrofes, esperando, claro, retribuir, sem falsidade, o amor de seu marido. E depois que todos ficaram atentos, inclusive a bonita lua que já estava quase encostada no telhado da casa, parece ter havido um avivamento geral também das estrelas que clarearam o firmamento de um azul celeste.
Tia Chica, de tão admirada que ficou, quase deixava queimar a janta daquela noite.
ESPAÇO LIVRE
VAGUEANDO...
Muitos acreditam na existência de um ser superior, enquanto outros poucos ficam indiferentes ou ignoram, assim como também existem os agnósticos e os totalmente ateus. Mas, o certo (ou não?) é que foi criado um mito pelo medo do próprio homem. E a essa criação deram o nome de Deus, que se supõe ser uma divindade suprema para amainar o seu desespero ou sofrimento. Avaliem, então, se não existisse tal deificação, como não seria esse mundo, hein? Diria até que foi providencial e necessária para os que pretendem vivê-lo. E a presença, então, dessa divinização, se fez evidente. Afinal, já dizia Kierkegaard que Deus é uma exigência do desespero, um postulado do existente.
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por
benechaves às
19:05