Quando nasci, Painhô contou que fora sob influências simples. E então, meu filho, mandei chamar a parteira, você ali, como se diz, num pé pra sair. Embora, claro, tenha sido parto normal e era sua cabeça que viria primeiro. Tenho a impressão que sua mãe sofreu pra burro, também com aquele seu comprimento todo... não sei como ela suportou tantos meses!
Tragam a toalha depressa!, gritou a parteira, Tia Chica a correr de um lado para o outro, procurando se esmerar diante do acontecimento.O certo é que todo mundo ficou nervoso. Juro que ouvi movimentos, um alvoroço dos diabos. Desejavam ver o rebento, afinal de contas aquela criança pesara mais de cinco quilos.
Você, portanto, nasceu, contou meu pai. E confesso que senti mãos amassando meu frágil corpo, embora dissessem que era um garoto bem robusto. Contudo, diante do episódio, fiquei com uma pena danada de Mainhô. Acho que não foi moleza ela suportar nove meses uma barriga tão pontiaguda e desconfortável.
Sabia que a maternidade dos seis filhos traria conseqüências danosas principalmente no tocante à sua coluna dorsal. E atualmente tenho consciência disso, ela que vive a se queixar de dores nas superposições de suas vértebras e adjacências.
Mas, os de casa ficaram alegres. Champanhas foram abertas ao evento e um berço de proporções maiores estava à minha espera. Eu que seria a geração primogênita da família. Mundo meu, oh mundo meu, este menino é também seu, dizia Painhô ao ver-me nos braços de minha mãe. Seria, acho, dali em diante, senhor de atenções e atrações.
Todos irradiavam contentamento, o beija-flor picava néctar das flores, as árvores surgiam com belos frutos, Gupiara parecia festejar com folguedos a parição de minha mãe. Aleluia!
E com todas essas preliminares, meu pai ainda disse que fora sob influências simples? Que ingênuo! Mas, Painhô era assim mesmo. O jeitão dele em contar casos ou causos, ora aumentando ora diminuindo de acordo com suas conveniências.
A parteira avisou: a criança é linda, linda, tem um belo porte. Você está bem, nada de preocupação, nunca vi uma mulher tão forte. Dizia isso feliz da vida, pois colocara mais um ser neste nosso, não imaginava ela, ignóbil mundo. E ainda venho saborear sua comida, falou pra Tia Chica ao sair pelo corredor, a preta velha regozijada a rebolar os quadris.
Disse ainda ao meu pai que Mainhô tivesse cuidado pra não quebrar a quarentena. E que ele também se aquietasse. Mas, aqui pra nós, talvez Painhô não fosse capaz de cumprir tal obrigação e inventasse de se enxerir pra algum rabo de saia. Desconfiei e supersticiei.
Contudo, estava meu pai ali, sentado e segurando Mainhô pelo braço. E eu sendo ainda levado na barriga dela. Deitado na rede sempre armada no alpendre me disse depois que tivera naquele dia um belo sonho. E ficou a dedilhar seu violão entre uma conversa e outra com minha mãe. A inspiração, porém, pareceu fugir-lhe e ele nada cantou.
ESPAÇO LIVRE
IMAGINAÇÃO
Na escura avenida eu vi o passado
passando bem perto do meu lado
vi a chegada da outrora primavera
o namoro e afago na linda donzela
vi os olhares puros e ingênuos
o bonde caminhando na esquina
as conversas de quina a quina .
Vi, sim, o bem sobrepujar o mal
a afluência ao gostoso clube local
meninas correndo no imenso areal
brincando na mais doce inocência
e ainda numa possível coerência.
Vi a pobreza bastante amenizada
a riqueza solidamente contestada
uma igualdade nunca questionada.
Na escura avenida eu vi, mas tudo
no fascinante mundo da alegoria.
Bené Chaves
por
benechaves às
20:41