FRANÇOIS TRUFFAUT
Há vinte anos morria François Truffaut, deixando um imenso vazio no cinema francês. Truffaut fazia parte daquela categoria de diretores-cinéfilos e foi certamente o número um deles. Mesmo quando já se tornara um cineasta consagrado, ele continuava a ver filmes e a escrever sobre cinema, embora parecendo que, nesse período, sem mais exercer a crítica por obrigação, tenha optado por falar das obras dos seus diretores preferidos.
Seu contato com o cinema envolveu etapas naturais que foram paulatinamente sendo vencidas. Primeiro, como espectador compulsivo, lembrando a condição de ?rato fugindo da vida?, de que fala Drummond no poema Canto ao Homem do Povo Charles Chaplin. É que o garoto François Truffaut buscava nos filmes uma forma de amenizar a solidão e a hostilidade que sentia no ambiente familiar e nos bancos escolares. E não será exagero dizer que ele se livrou dos perigos de uma existência marginal ao descobrir o cinema, pois através deste conheceu o lendário crítico Andrè Bazin, que o protegeu e o apoiou nos momentos mais difíceis de sua vida.
A etapa seguinte foi o cineclubismo, tornando-se crítico a seguir, daí a realizador de curtas e, finalmente, de longas. Como crítico foi, talvez, o mais severo e rigoroso de quantos escreviam nos ?Cahiers du Cinéma? (entre os quais, Godard, Chabrol e Rohmer, também futuros cineastas). Impiedoso no julgamento de um filme que o desagradasse, parecia disposto a destruir a carreira do diretor com a sua pena cáustica.
Por outro lado, quando gostava de um filme, a sua análise revelava uma incontida satisfação, quase a felicidade, se poderia dizer.
Se, com uma frase, pudéssemos definir o cinema de Truffaut, diríamos que ele se caracteriza por uma candente declaração de amor sob as mais diferentes e variadas formas. Alguns exemplos. O amor ao período da infância, embora a dele não tenha sido particularmente feliz, em Os Incompreendidos e Na Idade da Inocência; o amor livre das convenções sociais e das injunções morais em Jules e Jim/Uma Mulher para Dois; o amor desmesurado, abeirando-se do estado patológico em A História de Adèle H; o amor aos livros, cuja preservação em face do regime obscurantista, que os leva à fogueira, é feita pela memória dos leitores, em Fahrenheit 451; o amor ao cinema, em seu momento de criação, e por extensão aos que nela estão envolvidos, em A Noite Americana.
Ele não foi um inventor, sequer um inovador (mas tanto estes, quanto aqueles, não são muitos no cinema), no entanto, soube dotar os seus filmes de um lirismo e de uma leveza que tocavam fundo no espectador. À narrativa imprimia uma intensa agilidade, usando poucos cortes nas cenas, provavelmente inspirado no estilo de Max Ophuls, um de seus ídolos. É, pois, nessa forma sensível e delicada de tratar os temas humanos e afetivos, às vezes adicionando lances de humor, que há de ser reconhecida a sua importância.
Para concluir, uma pequena amostra do amor de Truffaut pelo cinema. Eis o que ele disse numa entrevista de 1971. ?Gosto tanto de cinema, que mal suporto a companhia das pessoas que não gostam. Certo dia dei carona a um alemão. Falei-lhe de Fritz Lang e ele não reconheceu o nome. Max Ophuls, muito menos. Então, o fiz descer do carro em Lyon, fazendo-o crer que ia parar nessa cidade?. Esse era Truffaut.
E S P A Ç O L I V R E
SAUDOSO PASSADO
Na solidão lembro-me:
efêmera jovialidade
requebros
bulícios
intumescências
furor irracional
moça virgem
moço carente
mulher potente
homem veemente
velhice indolente
idade demente.
Vida aparente...
Bené Chaves
por
benechaves às
09:02